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Repetir muitas vezes uma palavra que se errou ou estudar de véspera podem não ser os melhores caminhos para uma aprendizagem eficaz. É isso o que revelam os resultados de várias pesquisas realizadas em sala de aula.
Para dar um exemplo, a psicóloga Célia Oliveira cita um estudo realizado em 2006 no qual os alunos foram divididos em três grupos e a quem foi dado a ler um texto relativamente complexo. Um grupo leu o texto quatro vezes, outro leu três vezes e na última vez respondeu a um conjunto de perguntas sobre o texto e o terceiro grupo leu apenas uma vez e em seguida fez três pequenos testes. Cinco minutos depois da experiência, todos foram sujeitos a um teste final e os resultados mostraram que o grupo que leu quatro vezes desempenhou ligeiramente melhor do que o grupo que leu apenas uma vez e foi testado três vezes, mas uma semana depois o grupo que tinha lido quatro vezes tinha esquecido 50% da informação enquanto o grupo que leu uma só vez esqueceu apenas 14% daquilo que tinha aprendido.
A psicóloga acredita que o problema está no facto dos estudantes utilizarem métodos de aprendizagem pouco eficazes, mas assegura que a ciência cognitiva e a psicologia cognitiva podem dar uma ajuda, até pelo facto de se debruçarem, por exemplo, sobre o papel da memória. "Confunde-se o papel da memória com a aprendizagem por repetição acrítica da informação, a aprendizagem sem compreensão e isso não faz qualquer sentido porque a memória é o que nos permite adquirir informação, compreendê-la e utilizá-la", afirma Célia Oliveira.
"Há um conjunto de estratégias que tem vindo a ser investigada e que tem revelado evidências de eficácia: a recuperação, o espaçamento e a intercalação. E podem ser utilizadas em sala de aula ou no estudo autónomo pelos alunos", assegura a psicóloga e investigadora na área da aprendizagem e da memória.
Mas vamos por partes.
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Prática da recuperação: "Como o próprio nome indica, consiste em testarmos os nossos próprios conhecimentos, evocarmos aquilo que aprendemos e podemos fazer isso de diversas formas. Uma das estratégias é ler, recitar e rever, ou seja, estudamos o conteúdo, evocamos tudo aquilo que nos lembramos sem consultar mais o material e depois revemos para podermos avaliar o que já sabemos, o que não sabemos também e o que precisamos de consolidar". Isto pode ser feito através do recurso a fichas, a perguntas feitas pelos professores ou questionários feitos por nós próprio. "Explicar a matéria aos outros também é uma ótima estratégia de recuperação."
Espaçamento: significa espaçar a aprendizagem. "A investigação mostra que a aprendizagem é muito eficaz se for distribuída no tempo. Quando os alunos estudam de véspera para o teste, estudam intensivamente, isto dá uma ilusão de fluência porque consigo lembrar-me do que estudei no dia anterior, mas produz uma aprendizagem muito superficial, que muito pouco tempo depois se desvanece." Célia Oliveira garante que se um aluno estudar quatro horas consecutivas vai lembrar-se de muito menos informação do que se distribuir essas quatro horas por duas horas de cada vez.
Intercalação: é uma estratégia que começou por ser estudada na aprendizagem de competências motoras e depois o estudo foi estendido a outros domínios de conhecimento. "Uma das áreas em que mostra mais eficácia em todos os níveis de ensino é na Matemática mas estudos mais recentes mostram que ela também é eficaz com outro tipos de conteúdos, por exemplo, com conteúdos verbais que envolvam a aprendizagem de categorias. Célia Oliveira dá o exemplo da aprendizagem da multiplicação e da divisão: "Se nós aprendermos a multiplicação e a divisão e depois treinarmos de forma intercalada cada uma destas operações de forma a que elas não se repitam no treino, inicialmente isto produz uma certa dificuldade na abordagem à tarefa, a psicologia cognitiva chama-lhes dificuldades desejáveis porque promovem uma aprendizagem mais profunda", mas os alunos que aprendem desta forma mostram melhor desempenho do que os alunos que aprendem de forma sequencial (ou seja, treinam até à exaustão uma matéria e depois treinam até à exaustão outra matéria).
Célia Oliveira constata que apesar das evidências científicas, os resultados das pesquisas tardam em ser incorporados nos processos educativos e deixa uma questão: "O que é que nós queremos? Queremos promover o desempenho, ou queremos promover a aprendizagem?"
Ouça aqui o programa Pais e Filhos na íntegra