Um dia de cada vez

De novo obrigados a Um Dia de Cada Vez, de que fazemos os dias? A jornalista Teresa Dias Mendes reabre a janela da rádio e dá-nos a ver o modo como se resiste a um novo isolamento.
Para ouvir à quinta-feira, pelas 13h20 e em TSF.PT

Porque conversar é caminhar com palavras

"O actor é o único que não tem máscaras"

João Mota, encenador, professor e actor. O velho João Mota deseja tempo para morrer. O homem que renasce todos os dias, prepara a última personagem:"a coisa mais importante na vida é tentar". Desta vez será Freud, e depois " é preciso continuar a brincar, e lavarmo-nos todos os dias, por dentro" . O actor é, como gosta de dizer, um fazedor de milagres.

João Mota vai moldando a personagem, vivendo o texto do dramaturgo belga Eric-Emmanuel Schmitt, premiado em 1994, com o prémio Moliére, FREUD E O VISITANTE. O cenário já ganha formas e cor, recriando o gabinete do pai da psicanálise, numa Viena ocupada pelos nazis. O homem está debilitado. Será este Freud, com um cancro, que João Mota vai reencarnar, no papel de actor, uma última vez. A estreia estava marcada para o próximo dia 27, dia Mundial do Teatro, mas o confinamento forçou o adiamento, e está agora prevista para o mês de Abril. Até lá, e enquanto os ensaios decorrem, conversamos no silêncio do Café Teatro da Comuna.

"Estar sozinho é importante, estar consigo próprio, é muito importante. Habituarmo-nos a pensar na vida novamente, e tão curta que ela é" , é neste dizer que o homem fundador da Comuna atravessa a pandemia. Pode faltar vida no teatro, forçado a fechar as portas, mas as dores, estas e as outras fazem parte do caminho : " saber o percurso que vamos fazendo, e as derrotas que vamos tendo para continuar.". Não há varizes, nem cistos, ou anemia, que o derrubem. João Mota continua a ser aprendiz, mesmo sendo o mestre. No excerto de uma conversa maior, que hoje publicamos, também ele recorda os mestres, Peter Brook, o conceituado encenador, com quem trabalhou em França, Arquimedes Silva Santos, o poeta e escritor neo-realista , " estes deram-me a volta", tal com Dona Ema, a professora cabo-verdiana, e antes ainda, na instrução primária, Dona Joana , com quem ensaia "o discurso da vassoura", nos dias a seguir à eleição de Craveiro Lopes, para a Presidência da República. Pelo meio a guerra : " vi colegas a morrer ao meu lado, e dou por mim a dizer, ainda bem que não fui eu. Claro, que é o instinto da sobrevivência, mas é horrível". É na Emissora Nacional, que João Mota faz os primeiros teatros, e é à rádio que gostaria hoje de voltar para desafiar jovens para o milagre da arte de representar.

Agora com o cabelo puxado para trás, penteando a personagem que há-de vir, o velho sabe como nos enfeitiçar com as palavras. Respira este mundo e o outro. 78 anos de vida, quase tantos como de teatro.

"O lugar mais importante da Comuna e do mundo, e para mim, como actor, como encenador ou director é sempre o real, o mundo lá fora, e não o palco." É a deixa, para João Mota entrar em cena, celebrando o teatro e a vida.

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