- Comentar
Estamos na última semana do ano, o que significa que é tempo de balanços e de apontar as perspetivas para 2023. Em 2022, o ambiente ficou marcado não só pelas alterações climáticas, mas também por um novo Governo e uma guerra na Ucrânia, que trouxe para cima da mesa a dependência europeia dos combustíveis fósseis e a necessidade de se acelerar para as energias renováveis. Para Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, este não foi um "bom ano" devido, principalmente, à guerra na Europa, "o que só por si é mau e tem um impacto enorme em termos de sustentabilidade". E não só. O conflito entre a Rússia e a Ucrânia fez com que se desviasse recursos financeiros "que seriam fundamentais noutras áreas e que estão a ir, por exemplo, para armamento".
Relacionados
Balanço 2022: um ano que abriu com maioria absoluta e passou da seca extrema às cheias
"Todo o contexto da guerra permitiu que algumas vozes mais retrógradas encontrassem um espaço para tentar travar algumas das propostas legislativas que estavam a ser debatidas a nível europeu, quer na agricultura, quer na biodiversidade ou nos químicos. E se depois pensarmos no caso português, embora também na Europa, este ano sentiu-se bastante esses efeitos, tivemos a questão da seca, um sinal dos tempos em que vivemos", indica Susana Fonseca.
Ouça aqui o Verdes Hábitos sobre o balanço do ano de 2022. Um trabalho com sonoplastia de Pedro Picoto
Seca, chuvas e alterações climáticas
A seca extrema, que foi sentida durante este verão, com temperaturas muito elevadas e incêndios em vários pontos do país, e, mais recentemente, as fortes chuvas, que causaram inundações em vários distritos, especialmente na Grande Lisboa, são evidências das alterações climáticas. Estes fenómenos meteorológicos extremos dizem-nos que "é urgente agir para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa", o que "implica trabalhar nos diferentes setores, como na agricultura, mobilidade e produção industrial" para que "todos deem um contributo".
"Uma outra mensagem que também nos é passada acaba por ser a que nós não estamos a ouvir: este tipo de fenómenos extremos tornar-se-ão mais regulares, o que quer dizer que há erros que foram cometidos ao longo da História que, neste momento, têm que ser corrigidos e temos que evitar cometer novos erros. Temos problemas em termos de ordenamento do território e temos também que parar com esta perspetiva de estarmos sempre a criar novas necessidades de água, que depois em anos de seca causam enormes problemas. Agora começou a chover e essa é a nossa preocupação, mas o que aconteceu a todas as medidas que estavam pensadas para promover a poupança de água? E quando parar a chuva, o que é que vamos fazer para prevenir as cheias? Há uma memória política muito curta e isso não é nada positivo para o nosso futuro", defende a especialista.
Subscrever newsletter
Subscreva a nossa newsletter e tenha as notícias no seu e-mail todos os dias

Leia também:
"Problema grande" e "cada vez mais dramático". Eis o cenário de seca em Portugal
Neutralidade climática em Portugal em 2045?
Em novembro, durante a cimeira do clima da ONU - a COP27 -, no Egito, o primeiro-ministro António Costa, anunciou que Portugal está em condições de antecipar a neutralidade climática para 2045. Susana Fonseca considera que "haver esta vontade política de antecipar alguns objetivos que são fundamentais para a nossa sobrevivência e existência comum enquanto Humanidade é positivo e de louvar". Mas será que este objetivo tem pernas para andar?
"Claro que temos algumas dúvidas sobre a energia que vai ser colocada no sentido de implementar aquilo que tem que ser implementado no terreno para atingirmos a neutralidade climática em 2045. Pode parecer que é um objetivo longínquo - e até certo ponto podemos dizer que é -, mas só vamos conseguir atingi-lo se começarmos a trabalhar desde já e é aí que nós temos alguma dúvidas. Isto tem que ir muito além de melhorar a eficiência, de reciclarmos um pouco mais ou de usarmos mais energias renováveis. Estamos a falar de uma mudança de paradigma onde haja uma menor intensidade no uso dos materiais e isso não vai ser nada fácil, porque tudo é usado como desculpa para manter o status quo", sustenta.

Leia também:
Da palavra à ação? COP27 com acordo "histórico" mas "aquém" na redução de emissões
Susana Fonseca explica que para conseguirmos atingir a neutralidade climática, temos que "implementar ações que vão atingir os interesses de alguns poderes, de alguns setores que estão muito bem instalados e a beneficiar da atual situação".
"Se não houver um empenho muito significativo, uma coragem política muito grande por parte de quem está a dirigir o país tornar-se-á muito difícil e vemos que em muitas áreas este e o anterior governo têm tido imensa dificuldade em implementar mudanças", sublinha.
"Basta ver o sistema de depósito com retorno para as embalagens de bebidas que está atrasado imenso tempo e que era um contributo importantíssimo para o país em termos de sustentabilidade e para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. Quando olhamos para isso e para lei do solo e tantas outros dossiers que estão atrasados em termos de implementação, deixa-nos algumas dúvidas se, de facto, temos a vontade política necessária para levarmos a bom porto este objetivo nobre de antecipar a neutralidade climática para 2045, em Portugal."

Leia também:
Renováveis, eficiência e eletrificação: os passos para a neutralidade climática
2022, um ano de novo Governo e de "simplex ambiental"
O novo Governo que tomou posse este ano teve algumas novidades, nomeadamente a junção, na mesma secretaria de Estado, a área do Ambiente e da Energia, algo que na perspetiva da associação ambientalista Zero foi "uma péssima decisão".
"A atual equipa tem tido enorme dificuldade para responder aos diferentes dossiers, porque são complexos e requerem muito trabalho. Ter tudo concentrado numa mesma secretaria de Estado não está a ter bons resultados", diz Susana Fonseca.

Leia também:
Clima e energias renováveis. Quais devem ser as prioridades ambientais do novo Governo?
Este novo Governo aprovou o simplex ambiental, um processo que prevê, por exemplo, o fim da avaliação de impacto ambiental. A especialista da Zero reconhece que "ninguém gosta de burocracias desnecessárias e pode haver situações em que faça sentido alguma simplificação". No entanto, a "grande preocupação deste simplex ambiental" tem a ver com o facto de "vermos espelhado no texto que foi para consulta pública a clara noção de que o ambiente é quase como um empecilho".
"Em vez de se perceber quais são os problemas que estão a tornar alguns processos mais longos e mais difíceis de ultrapassar, não... tenta-se administrativamente dizer que os prazos são mais curtos, que é preciso apresentar menos informação ou que não é necessário uma verificação de terceira parte. Simplifica-se sem se ir ao âmago da questão e perceber o que é que está a funcionar mal. Muitos destes processos de licenciamento garantem a adequação das propostas que são apresentadas de diferentes infraestruturas, a sua adequação ao bem comum, à lei e a outros interesses em jogo. Se nós fragilizarmos este sistema de verificação, vamos estar a privilegiar interesses privados em detrimento ou em prejuízo do interesse comum do país. Isso é uma abordagem que não podemos aceitar e que não esperávamos encontrar em 2022", reforça.

Leia também:
"Simplex ambiental": proposta "limitada" que "não garante" a sustentabilidade
Guerra na Ucrânia: combustíveis fósseis e energias renováveis
A guerra na Ucrânia colocou em evidência a dependência da Europa em termos de combustíveis fósseis e a importância de se acelerar para as energias renováveis. Susana Fonseca espera que "a guerra tenha tornado claro para todos os decisores políticos que um dos grandes problemas da União Europeia e de Portugal é a sua dependência dos combustíveis fósseis, quanto mais nós mantivermos esta dependência dos combustíveis fósseis, mais presos e mais dificuldades vamos ter para termos uma economia resiliente".
"Não estamos a viver uma crise energética, estamos a viver uma crise dos combustíveis fósseis, dos seus preços e de toda a especulação em torno da sua utilização e comercialização a nível mundial. Vemos até num caso muito recente da questão do Catar, que está a usar as negociações com a União Europeia na área energética para tentar evitar determinadas ações de investigação, relacionadas com o escândalo que veio a público na semana passada envolvendo elementos do Parlamento Europeu", refere.
"Esta dependência dos combustíveis fósseis é uma fragilidade enorme para qualquer sociedade e Portugal que tem tido um papel interessante em termos de desenvolvimento das renováveis, vai à frente de muitos outros países europeus. Ainda assim quando olhamos para o uso total de energia, ainda temos uma dependência do exterior de cerca de 66%, as energias renováveis representam à volta de 34%. Ainda estamos dependentes de combustíveis fósseis e de fontes externas ao país e isso fragiliza-nos enquanto país e economia e deve ser tido em conta em termos do planeamento futuro, não só pegar na questão de tentarmos ter mais fontes renováveis e conseguir aproveitá-las melhor, mas também tentar ser mais criteriosos no uso que é feito da energia", adianta a especialista.

Leia também:
Biodiversidade, nuclear e combustíveis. Os impactos ambientais da guerra na Ucrânia
Os atrasos na área dos resíduos
Na área dos resíduos também houve avanços com a entrada em vigor da taxa sobre as embalagens de plástico para take away a partir de 1 de julho de 2022. Mas nem tudo é positivo, porque, por outro lado, há atrasos em termos de implementação.
De acordo com Susana Fonseca, "falta visão" para que as medidas sobre os resíduos sejam implementadas.
"Continuamos a apostar em recolha por ecopontos, mas sabemos que aquilo que funciona muito melhor é a recolha porta a porta, os resultados noutros países assim o indicam, ou os atrasos constantes, como o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos, que já deveria ter sido publicado e não foi, o próprio sistema de depósito de embalagens de bebidas descartáveis que já deveria estar a funcionar há um ano e nem sequer sabemos como o sistema vai ser montado. Estes atrasos têm sido um dos problemas que temos detetado e este ano foi muito claro quanto a isso com a nova equipa que está no Ministério do Ambiente."

Leia também:
Redução dos plásticos de uso único. A UE e Portugal estão no bom caminho?
Quais as expectativas para 2023?
Do ponto de vista da Zero, um dos grandes desafios para 2023 passa pela reversão da junção das secretarias de Estado do Ambiente e da Energia e "seja criada uma secretaria de Estado do ambiente e outra secretaria de Estado da energia". "São setores ou áreas que têm muito trabalho a ser feito e requerem equipas dedicadas."
Outra das prioridades devem ser os biorresíduos e, por isso, "temos que ter até final do ano de 2023 a recolha seletiva de biorresíduos no terreno. Temos um ano para conseguirmos completar o sistema e esperemos que com visão suficiente para garantir o máximo possível de recolha destes resíduos orgânicos que são fundamentais para devolver ao nosso solo".
Susana Fonseca destaca ainda a regulamentação da Lei de Bases do Clima. E olhando para o cenário europeu, há "um desafio muito grande": "Manter a agenda legislativa associada ao Pacto Ecológico Europeu."
"Tem havido muitos ataques, muitas tentativas de travar grande parte dos dossiers que estão em debate e do nosso ponto de vista vai ser um ano marcante em que vamos conseguir perceber até que ponto é que a atual Comissão Europeia, com o apoio da sociedade civil, que, muitas vezes, está do seu lado nestas mudanças que são necessárias, consegue resistir a todas as pressões que tem havido no sentido de travar esta ação reformista da sustentabilidade."
Quer contribuir para um país e um planeta mais saudáveis? Saiba como
Susana Fonseca destaca que "uma resolução de novo ano pode passar por sermos um bocadinho mais conscientes e mais exigentes connosco e com as empresas, com as soluções que nos apresentam, com os políticos". "Associarmo-nos a organizações que estejam a lutar por causas que nos interessem, porque isso reforça a capacidade que a sociedade civil tem de ser ouvida."
Já individualmente, "reduzir o consumo de produtos de origem animal para reduzir a pegada ecológica, andar menos de avião e de automóvel, preferir os transportes públicos, ser mais conscientes naquilo que são as práticas de consumo". "Pensar melhor se é mesmo necessário, pedir emprestado em vez de estar a comprar. Reutilizar e partilhar."