Verdes Hábitos

Agir é preciso! As mudanças de hábitos em tempos de emergência climática. As grandes questões, os desafios, os problemas relacionados com a sustentabilidade e o ambiente. "Verdes Hábitos" na TSF com Carolina Quaresma e a Associação Ambientalista Zero. Às segundas-feiras depois das 16h40 e sempre em tsf.pt.
(Até 2021 o programa foi da autoria de Sara Beatriz Monteiro e Inês André de Figueiredo).

Do clima ao bem-estar. Qual o Estado do Ambiente em Portugal?

Esta semana debate-se o Estado da Nação na Assembleia da República e no Verdes Hábitos avaliamos o Estado do Ambiente em Portugal. Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, explica quais são os desafios ambientais, sociais e económicos do país, sendo que o objetivo principal deve ser a promoção de uma transição "justa", que respeite o bem-estar dos cidadãos e os limites do planeta. A especialista dá também algumas dicas sobre como ajudar Portugal a ser mais sustentável.

O clima, a energia, a mobilidade, a natureza, a economia circular, a água e o bem-estar são alguns dos desafios que Portugal enfrenta não só a nível ambiental, mas também aos níveis social e económico. Numa semana em que se realiza o debate do Estado da Nação, no Parlamento, Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, ajuda-nos a perceber qual o Estado do Ambiente em Portugal. Para a especialista, os maiores desafios prendem-se com a "coragem política" e a "procura por promover uma transição focada no bem-estar das pessoas, mas em respeito pelos limites do planeta".

"Esta ideia de termos mais ou estarmos sempre a tentar crescer aqui e ali não é necessariamente melhor. Esta transição não vai ser fácil, porque sentimos que todos os dias há muitas pressões e interesses instalados com muitos recursos à disposição para tentar travar a transição", defende, sublinhando que, durante a pandemia e também agora no decorrer da guerra na Ucrânia, já se "tentou atrasar determinados tipos de legislação e medidas políticas". A especialista dá o exemplo do debate sobre a aplicação das taxas sobre as embalagens de plástico para o pronto a comer: "Há sempre aqui alguém que tenta atrasar ao máximo esta transição."

"Nós já não podemos estar à espera do momento perfeito para cada medida, temos que tentar articular as medidas que são necessárias para a transição ao mesmo tempo que temos que lidar com as crises que vão surgindo e que vão continuar a surgir no futuro. Tentar ter um processo dialogado, com visão, para que consigamos conduzir o nosso país para uma transição justa e que proporcione o tal bem-estar mas com o respeito pelos limites do planeta", afirma.

Clima, energias renováveis e mobilidade

Susana Fonseca admite que Portugal tem ainda "muita coisa a fazer e a atualizar" no que ao clima diz respeito. "Até porque fruto da aprovação da Lei de Bases do Clima, em novembro de 2021, há muita regulamentação desta lei que está por fazer. Temos aqui obrigações que são exigentes, desde a obrigação de que o Governo estude até 2025 a antecipação da neutralidade climática para não mais tarde do que 2045, para perceber se conseguimos - e esperemos que sim - antecipar esta neutralidade climática", explica, reforçando a importância dos objetivos do Governo, mas também dos planos municipais de ação climática.

"Fora também do âmbito da Lei de Bases do Clima, também é importante referir a necessidade de atualizar o Plano Nacional de Ação Climática, porque já começa a estar desatualizado e ainda mais com os desafios que, neste momento, se estão a colocar nesta área da energia, que são enormes, fruto da guerra na Ucrânia por parte da Rússia", considera.

Relativamente à utilização das energias renováveis, Susana Fonseca destaca um "caminho que já foi feito". "A própria Lei de Bases do Clima também dá força de lei à ideia de retirarmos o gás do nosso sistema energético nacional até 2040, também a antecipação da meta de 80% de energia renovável na eletricidade até 2026 é muito positivo, bem como também o é a Estratégia Nacional para o Hidrogénio, que pode ajudar a descarbonizar a indústria por via da incorporação de hidrogénio de origem renovável."

Contudo, há um setor de "grande preocupação": os transportes, onde "as emissões continuam a subir, sendo já o setor com o maior peso nas emissões totais do país (à volta de 28%) e onde a incorporação de energias renováveis é ainda residual".

Recentemente, a União Europeia aprovou o fim da venda de veículos a gasóleo ou gasolina após 2035, mas Susana Fonseca admite que "não é possível" deixarmos de utilizar "já a breve trecho" o automóvel a combustão.

"Portugal tem mais de cinco milhões de automóveis a combustão em circulação, sendo que, em média, cada automóvel dura cerca de 15 anos. Mas no caso dos ligeiros de passageiros e de mercadorias com motor de combustão, pelo menos o facto de ser impossível comprá-los a partir de 2035 já é qualquer coisa, porque é um sinal que é dado ao mercado que esta não é a solução, temos que optar por outras soluções", frisa.

Este é um dos casos onde a Lei de Bases do Clima portuguesa "acaba por não estar atualizada", dado que "prevê a venda de automóveis com motores de combustão na forma de híbridos ou híbridos plug-in após 2035, o que à partida não será possível fruto desta decisão europeia".

"De facto, os automóveis elétricos e a bateria são tidos como a forma mais promissora de descarbonizar os ligeiros de passageiros e de mercadorias, mas não é essa a solução maioritária. Nós vemos que a maioria das pessoas continua a adquirir um carro com motor a combustão. Para termos uma transformação mais profunda e significativa precisamos de políticas públicas que propiciem a instalação de uma infraestrutura de carregamento adequada às necessidades das pessoas, também o regime de fiscalidade tem que ser mais estimulante para quem quer dar este passo. É uma mudança que será lenta e temos que ir tentando ao máximo reduzir o número de carros em circulação", defende Susana Fonseca.

O desafio é grande e "muito importante": "Não devemos apostar na substituição de um carro a combustão por um carro elétrico no sentido em que devemos apostar na redução, tentar estimular que as pessoas utilizem cada vez menos o carro individual, temos que reduzir o número de carros individuais de passageiros que andam a circular e, para isso, é fundamental políticas como a expansão do transporte público, criar soluções para o transporte público on demand, que esteja mais ligado às necessidades específicas das pessoas, promover os modos suaves de mobilidade, mobilidade partilhada, incentivar a questão do teletrabalho, também políticas criativas em termos de estacionamento que sejam desincentivadoras da utilização do transporte individual."

Economia circular

A economia circular é outro dos aspetos que deve ser tido em conta pelo Governo, visto que tem "um potencial enorme para fortalecer a economia portuguesa e europeia".

"Para que isso aconteça é preciso que, a nível político, haja uma visão de trabalhar mais a montante, não apenas na questão da reciclagem, mas trabalhar muito antes disso, na redução, na reutilização e na reparação. Há aqui muitas dimensões da economia circular que podem ajudar muito a que o país tenha mais emprego, mais recursos disponíveis, que não tenha que estar constantemente a ir buscar recursos virgens e estar sujeito a estas cadeias internacionais. Há aqui um caminho ainda longo a fazer e nós vemos que, às vezes, as decisões políticas não vão neste sentido", lamenta, exemplificando: "Continuamos a ter o Fundo Ambiental a pagar milhões à incineração de resíduos, que não faz parte da economia circular, ou ainda o sistema de depósito para embalagens descartáveis de bebidas que está atrasado há mais de um ano e que, devido a este atraso político, estamos a perder por dia quatro milhões de embalagens de plástico, metal e vidro."

"Estamos a desperdiçar muito material que era importante para a indústria portuguesa porque não tem havido capacidade de decisão e de implementar a economia circular tal como deveria, para bem do país", sustenta.

Água, agricultura e florestas

A água é um recurso fundamental para a nossa sobrevivência, mas Susana Fonseca refere que Portugal "ainda tem muito trabalho para fazer" para conseguir promover uma gestão eficiente dos recursos hídricos.

"Nós estamos a perder quase 200 milhões de metros cúbicos de água no sistema urbano de abastecimento. A cada ano que passa estamos a falar de muitos milhões de metros cúbicos num país que, como se sabe, vai ter cada vez mais problemas graves de acesso à água. Temos mesmo que começar a garantir a eficiência de todos estes sistemas de abastecimento e fomentar usos alternativos da água. Nós usamos água tratada para fins menos nobres quando poderíamos reutilizar águas residuais tratadas", alerta a especialista.

Uma das atividades mais importantes no que toca à utilização da água é a agricultura, dado que é "quem leva a fatia de leão da água captada anualmente" (cerca de 70%). "São necessárias políticas públicas que incentivem a redução da procura da água e que limitem a expansão das áreas de regadio e a construção de grandes aproveitamentos hidroagrícolas, particularmente nos territórios mais vulneráveis à seca e à escassez hídrica, como é o caso do Alentejo e do Algarve."

Susana Fonseca chama ainda à atenção para a intensificação da agricultura, em especial no Sul do país, e que "tem deixado de lado aspetos fundamentais, como o ordenamento do território, a gestão sustentável dos recursos hídricos e a conservação da biodiversidade".

"Tudo isso é muito importante para a agricultura. A biodiversidade é um elemento chave para a agricultura do futuro e nós estamos muitas vezes a desenvolver um modelo agrícola que não aproveita - bem pelo contrário, destrói - muito do potencial que existe nestas regiões. Acresce ainda que muito deste modelo de intensificação está assente em mão de obra migrante, que, muitas vezes, vive em condições que não são aceitáveis", indica.

Sobre a floresta, Susana Fonseca considera que "pouco mudou desde os riscos e os problemas que foram identificados após os grandes incêndios de 2017", reforçando que "o contínuo de floresta não é gerido, a monocultura não tem a devida compartimentação e a pequena propriedade também não é gerida".

"O que nós defendemos é que haja um conjunto de políticas públicas que consigam alterar um bocadinho este paradigma, que incentivem a uma utilização multifuncional, uma diversidade de usos do solo e uma conjugação de diferentes atividades."

Economia do bem-estar

Um outro aspeto importante para a sustentabilidade do país é a economia do bem-estar. A associação ambientalista Zero defende que "Portugal tem que ter uma reflexão mais profunda, mais participada, para termos uma visão do que é que queremos para o país nos próximos anos".

"Uma visão mais integrada com as componentes ambientais, sociais, económicas e que tipo de setor é que queremos privilegiar, quais são os nossos objetivos, como é que nós queremos estar enquanto país em 2040. É isso que nós estamos a procurar fomentar, mas acreditamos que muitas das ações que estamos a defender e muito do debate que está a decorrer a nível europeu, no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, contribui para a construção deste novo modelo de transição", entende Susana Fonseca.

Como contribuir para um Portugal mais sustentável?

Os cidadãos também podem e devem contribuir para uma maior sustentabilidade. Susana Fonseca explica como:

"Tentar ser um exemplo. Informem-se, procurem associar-se, é muito importante os cidadãos perceberem que quando trabalham conjuntamente com outros têm mais poder e mais força para mudar o mundo. Desenvolver projetos nas suas comunidades. Sabemos que não é fácil, há muitas resistências, mas por isso também é melhor quando estamos com outras pessoas e não somos os únicos a tentar. Dar conta aos seus representantes políticos, às empresas, às marcas, da preocupação com a questão da sustentabilidade, porque isso também vai ajudar a uma transição mais de fundo e mais estrutural."

E não esquecer da lógica de "menos é mais": "Refletir sobre as suas práticas e procurar reduzir o consumo de recursos."

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