Verdes Hábitos

Agir é preciso! As mudanças de hábitos em tempos de emergência climática. As grandes questões, os desafios, os problemas relacionados com a sustentabilidade e o ambiente. "Verdes Hábitos" na TSF com Carolina Quaresma e a Associação Ambientalista Zero. Às segundas-feiras depois das 16h40 e sempre em tsf.pt.
(Até 2021 o programa foi da autoria de Sara Beatriz Monteiro e Inês André de Figueiredo).

"Pequenos passos", mas "ainda tudo por fazer": um ano de Lei de Bases do Clima

No dia 1 de fevereiro cumpre-se um ano desde que a Lei de Bases do Clima entrou em vigor, uma lei que estabelece as "metas nacionais" para a mitigação das alterações climáticas. No Verdes Hábitos desta semana, Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, faz um balanço destes 365 dias e destaca alguns aspetos desta lei "extremamente importante": os orçamentos de carbono, os combustíveis fósseis, a mobilidade, a água e os resíduos.

A Lei de Bases do Clima estabelece objetivos, princípios e obrigações para a política climática em Portugal, alinhando-a com a meta do Acordo de Paris de conter o aumento da temperatura média em 1,5 °C, e com o Pacto Ecológico Europeu. Na quarta-feira, faz um ano desde que a Lei de Bases do Clima entrou em vigor. Em jeito de balanço, Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, defende que esta é uma lei "extremamente importante" dada a "vulnerabilidade do nosso país aos impactos das alterações climáticas", nomeadamente, as ondas de calor, cheias e secas.

"[É uma lei] que reconhece esta situação de emergência climática e anuncia um conjunto de metas nacionais de redução de emissões de gases com efeito de estufa em relação aos valores de 2005, por exemplo, assume que Portugal deverá reduzir as emissões em pelo menos 55% até 2030, entre 65 e 75% até 2040 e pelo menos 90% até 2050. Abre a possibilidade de antecipar a neutralidade climática para 2045, algo que o próprio primeiro-ministro, na conferência do clima da ONU, no Egito, já confirmou", explica Francisco Ferreira.

O especialista considera, no entanto, que é preciso passar das palavras à ação: "A existência desta lei tem que se manifestar em ações e medidas concretas, sob pena de termos uma lei de bases que não passa de um conjunto de boas intenções."

Um ano de Lei de Bases do Clima: o balanço da Zero

"Apesar de estarmos a dar alguns pequenos passos", passado um ano desde que entrou em vigor "temos praticamente tudo por fazer".

"No Orçamento do Estado [OE] para 2023, pela primeira vez, começou a falar-se de uma orçamentação verde, no entanto, tendo sido atribuído 2,5% das despesas consolidadas do OE ainda é muito pouco e é preciso ver se as medidas são efetivamente coerentes com a política climática", diz.

Sobre a política energética, Francisco Ferreira reforça a importância da estratégia nacional de longo prazo para o combate à pobreza energética 2022-2050, que "está novamente em consulta pública", bem como a estratégia nacional de compras públicas ecológicas 2030.

Já no que diz respeito à segurança climática e defesa nacional, "a ministra da Defesa anunciou recentemente que será feita a revisão da diretiva ambiental para a defesa nacional, com especial enfoque nas alterações climáticas. No quadro da política externa climática, Portugal aumentou a verba de cooperação anual para a transição energética dos países mais pobres e no quadro da estratégia de cooperação portuguesa para 2030, principalmente, à custa de acordos para apoiar o investimento nas energias renováveis nos PALOP".

O especialista alerta, ainda assim, que "há um conjunto de medidas basilares da Lei de Bases do Clima que ainda não foi totalmente implementado, nem tem datas previstas para a sua implementação", nomeadamente, a criação do conselho para a ação climática, "um órgão consultivo fundamental para a prossecução dos desígnios da lei e que ficará responsável pela elaboração de apreciações, pareceres sobre a ação climática, bem como toda a legislação relacionada com estas matérias. Este conselho vai ter um papel fundamental para percebermos como vamos chegar à tal neutralidade climática em 2045, a par da revisão dos estudos, que já está a ter lugar".

"Outro aspeto importante: É essencial termos um relatório de avaliação que, segundo a lei, deveria ser apresentado a 1 de fevereiro, e onde são identificados os diplomas governativos em potencial divergência com estas metas e instrumentos. Não podemos estar a legislar contra aquilo que é uma lei tão importante. Último aspeto: a necessidade de nós termos planos setoriais de mitigação e redução de emissões para setores prioritários. Isto está previsto acontecer até ao final de 2023, à escala municipal precisamos que todos os municípios até 1 de fevereiro de 2024 tenham um plano municipal de ação climática com estas vertentes", adianta.

Orçamentos de carbono e hidrocarbonetos

A Lei de Bases do Clima estabelece orçamentos de carbono, isto é, a possibilidade de "nós determinarmos qual é o volume total de emissões de gases de efeito de estufa por cada setor e que podem ser emitidos num total de cinco anos. Temos aquela quantidade de gases que podemos emitir. Haverá uns anos com mais e outros com menos, mas sabemos que não podemos ultrapassar aquele orçamento", explica Francisco Ferreira.

"Isto dá-nos uma visão de curto e médio prazo de gestão das emissões, que é muito mais interessante e importante do que estabelecermos apenas metas. Passamos a ter um total para cinco anos para gerir de acordo com as diferentes circunstâncias climáticas e os diferentes investimentos que estão a ser feitos", completa.

Relativamente aos hidrocarbonetos, a Lei de Bases do Clima "veio reforçar a proibição de novas concessões de exploração de hidrocarbonetos em território nacional, o que é bastante positivo". "O que é de realçar é que está também prevista a obrigação do governo de, até 1 de fevereiro de 2023, fazer uma revisão do regime jurídico dos hidrocarbonetos, que deverá incidir nestas normas. No fundo, consubstanciar aquilo que a lei previa, já estamos muito em cima da data e desconhecemos ainda que esta data consiga ser cumprida para tirarmos os combustíveis fósseis do nosso horizonte", lamenta.

Óleo de palma nos combustíveis e a mobilidade

Francisco Ferreira explica que, ao estar na Lei de Bases do Clima, esta matéria já estava em "incumprimento", isto porque a restrição da produção e comercialização de combustíveis ou biocombustíveis que contenham óleo de palma já é considerada desde 1 de janeiro de 2022".

"Isto estava no OE para 2021, mas nunca foi implementado. É uma falha enorme que continuemos a ter óleo de palma cada vez que se abastece um veículo com gasóleo. Pura e simplesmente estamos a falhar e continuamos a ser insustentáveis neste uso do biocombustível que não é sustentável. Não só esta restrição não está a ser cumprida, como não está prevista no atual OE e temos verificado que esta utilização é crescente. Desde 2021, há incentivos fiscais através da isenção do impostos sobre produtos petrolíferos, da contribuição do serviço rodoviário e da taxa de carbono. Temos milhões de euros de bónus fiscal dado pelo governo para usarmos óleo de palma, o que é completamente incompreensível", considera.

No que diz respeito à mobilidade, "já estão em curso algumas medidas que promovem a mobilidade ativa, ciclável e pedonal. No OE 2023 foi aprovada a redução do IVA na aquisição de bicicletas, incluindo elétricas, para 6%. Estas medidas estão alinhadas com a estratégia nacional para a mobilidade ativa pedonal 2030, que foi aprovada em setembro de 2022. Portugal tornou-se no sétimo país da União Europeia a dispor de uma estratégia para a mobilidade pedonal, e está também previsto para 2035, à escala europeia, que deixemos de ter venda de veículos a combustão a partir desta data", detalha.

Água e resíduos

Outros dos pontos presentes na Lei de Bases do Clima são a água e os resíduos. Segundo o que está escrito, "o Estado promove o uso eficiente da água e a valorização dos sistemas de tratamento de águas residuais".

"Temos sérias dúvidas sobre aquilo que é a aplicação das regras do Simplex ambiental e vamos ver como é que é em relação ao licenciamento da reutilização de aguas residuais, se vai simplificar, se não... Nós precisamos de fazer essa valorização, estamos muito longe do uso eficiente da água e isso significa poupar água e energia e a valorização dos sistemas de tratamento de aguas residuais", sustenta.

Sobre os biorresíduos, "precisamos de uma estratégia que faça a recolha porta a porta dos resíduos para conseguirmos ter taxas de reciclagem ambiciosas".

"Estamos muito longe das metas de reutilização e reciclagem de resíduos urbanos, que são de 55% já em 2025. Temos procurado ver se há uma resposta melhor da parte do governo nesta matéria, em linha com a lei do clima", refere.

A participação dos cidadãos na ação climática

A Lei de Bases do Clima prevê ainda que seja disponibilizada ao público o Portal da Ação Climática. Francisco Ferreira diz que "a informação sobre clima está muito dispersa e esta é uma ferramenta digital muito importante, que deveria estar disponível até 1 de fevereiro, que permitirá aos cidadãos participar na ação climática e aceder a informação sobre missões, metas, progresso, financiamento para o clima, estudos e projetos relevantes".

"É algo que nós achamos essencial e que temos vindo a conversar com o ministro do Ambiente sobre a sua importância, porque a participação pública ocupa um lugar central nesta legislação, incluindo os cidadãos e associações de ambiente no planeamento, na tomada de decisão e na avaliação das politicas publicas. Há aspetos que também queríamos estender mais, como as assembleias para o clima, a adoção de novos mecanismos criativos e inovadores, e envolver todos os setores da sociedade neste enorme desafio que é lidarmos com as alterações climáticas e reduzirmos as emissões."

Como combater a emergência climática?

Para ajudar no combate às alterações climáticas, Francisco Ferreira recomenda "estar ainda mais atento àquilo que se passa" e "exercer ativamente a cidadania, responsabilizando o governo quando este está em incumprimento, mas também assumir, no dia a dia, as opções que permitem, do ponto de vista da sustentabilidade e da redução de emissões, ter um papel importante".

Como conselhos mais práticos, o especialista sugere: "Preferir os transportes públicos e evitar o desperdício, seja ele alimentar, de energia ou água."

"Tudo isto acaba sempre por ter uma relação com o clima. Cada dia de incumprimento das metas previamente estabelecidas é um agravamento da nossa situação de emergência climática, queremos muito que os cidadãos também tenham a sua responsabilidade, assinem petições, participem em consultas públicas, em orçamentos participativos, em manifestações, tornando-se voluntários ou associados de uma ONG. O Portal da Ação Climática deverá ser este tipo de instrumento que mobiliza todos para a criação de uma sociedade mais justa e rumo à neutralidade climática, de forma transparente e ambiciosa. Mesmo sendo Portugal um país pequeno, mesmo sendo limitado o contributo de cada um de nós, temos que estar empenhados para garantir um melhor futuro no que respeita a este que é um dos problemas mais dramáticos à escala mundial", conclui.

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