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Recentemente, foi aprovada pelo Governo a nova fase do programa "simplex", que pretende eliminar determinadas burocracias na área do ambiente, entre as quais a avaliação de impacto ambiental em alguns processos, algo que, segundo a associação ambientalista Zero, significa um "retrocesso" para a política ambiental. Susana Fonseca explica que o "simplex" está criado para "simplificar a atividade administrativa", prevendo a "eliminação de licenças e autorizações, numa lógica de tentar reduzir a burocracia em torno dos licenciamentos".
"Acho que ninguém defende a burocracia pela burocracia e, portanto, se nós conseguirmos eliminar burocracias desnecessárias, isso, de facto, vai reduzir custos, tempos e vamos todos beneficiar enquanto sociedade. Contudo, quando olhamos e analisamos ao pormenor esta proposta e aquilo que está, neste momento, em consulta pública não é apenas isso que lá vemos. Não é, de facto, um trabalho no sentido de simplificar procedimentos de uma forma estruturada, garantindo todos os valores em jogo, mas pelo contrário, parece-nos ter uma visão muito estreita e limitada do que é o 'simplex', muito virado para reduzir os tais prazos e as licenças, mas sem acautelar outros interesses também em jogo, sem equilíbrio entre os diferentes interesses", considera a especialista da Zero.
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São "várias" as áreas ambientais onde o Governo pretende atuar com o "simplex", desde logo a avaliação de impacto ambiental, "em que há a redução de um conjunto de projetos em que seria necessária" esta avaliação. Também são propostas mudanças ao nível da prevenção e controlo integrado da poluição, das águas residuais e dos resíduos, onde "há alterações muito negativas".
Susana Fonseca dá um exemplo: "A eliminação da necessidade de se fazer um plano de prevenção da produção de resíduos perigosos para empresas que produzam até mil toneladas por ano. Atualmente, o que a legislação diz é que, a partir das mil toneladas, as empresas devem ter planos de prevenção da produção deste tipo de resíduos. São resíduos perigosos, do nosso ponto de vista não faz qualquer sentido estarmos a alargar o leque de indústrias que não estão sujeitas à necessidade de apresentação de um plano de forma tão alargada."
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Para Susana Fonseca, "o grande problema é a filosofia de base". "A simplificação é uma ideia boa, mas a questão é que temos que articular diferentes valores em jogo: não é só a componente de facilitar a vida às empresas que é importante, temos que ter em conta que muitos destes procedimentos - que podem ser melhorados - garantem as questões ambientais e de saúde pública, não são obrigações que foram impostas porque alguém se lembrou um dia de as impor, têm de facto uma base para existirem", defende.
Um dos aspetos mais negativos, de acordo com a associação ambientalista Zero, é "haver uma comissão que vai agilizar os processos de deferimento tácito". "Para nós, é das medidas mais perigosas desta proposta, porque o que deveríamos estar a fazer não é a permitir que haja deferimentos tácitos, o que deveríamos estar a fazer era garantir que administração pública tem os recursos em termos de digitalização e simplificação, mas que garantam a análise dos processos em tempo útil", sustenta, sublinhando que, assim, "o país não vai, de todo, ganhar".
A especialista fala ainda de outras componentes "que são gritantes" no programa "simplex", nomeadamente no que toca aos prazos de resposta que estão previstos. "Em alguns casos, são reduzidos em 66%. No regime jurídico de produção de água para reutilização, o prazo de resposta por parte da Agência Portuguesa do Ambiente passa de 15 dias para cinco dias. Se nós reduzirmos os prazos, mas não damos mais recursos e não melhoramos os procedimentos, de forma a que os organismos do Estado possam responder, aquilo que estamos a fazer é a aceitar que a proteção ambiental não é importante e que o que é relevante é agilizar a emissão de licenças a quem as pedir", algo que está "errado" e é, nas palavras de Susana Fonseca, "quase incompreensível".
"Simplificar sem alterar os problemas que existem vai resultar em danos graves"
Para a associação ambientalista Zero, a simplificação não é, por si só, o problema, mas deveria "estar associada ao reforço da capacidade da administração pública de conseguir responder".
"Ao colocar em cima da mesa e dando tanta importância ao deferimento, ao fim ao cabo, o que o Governo está a dizer é: 'eu aceito, sei e reconheço que administração pública não responde' e, em vez de resolver o problema dentro da administração pública, para garantir que ela consiga responder, não... vai agilizar os processos de forma a que todas as propostas de projetos possam andar mais rápido", assinala Susana Fonseca, reforçando que "quando se permite que um produtor de resíduos perigosos só tenha que elaborar um plano de redução a partir das mil toneladas, está a passar-se uma mensagem errada ao tecido empresarial, de que a prevenção e a economia circular não são importantes".
"Esta lógica de tentar agradar às empresas acaba por passar a mensagem errada. Precisamos de empresas responsáveis e que olhem para estas situações. Produzir um resíduo perigoso é sempre algo que deve ser evitado. Todo o esforço deve estar numa lógica de redução da sua produção, e aqui a mensagem que está a ser passada é a contrária, ou seja, de que não há problema e que não têm de se preocupar com a redução a não ser que produzam acima das mil toneladas. Isso para nós é, de facto, uma situação muito grave", refere, considerando que "simplificar sem alterar de base os problemas que existem é errado e vai resultar em danos graves para o país".
"Preocupações única e exclusivamente ligadas a aspetos económicos"
No momento em que o "simplex" foi apresentado, o ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, disse que o objetivo era apelar à utilização de energias renováveis, deixando de ser necessário, por exemplo, que se realize um estudo de impacto ambiental para a instalação de painéis solares até cem hectares. Susana Fonseca admite que "pode haver situações em que há propostas positivas", mas a "questão principal é mesmo a visão que está subjacente a esta proposta".
E explica porquê: "Além do documento com propostas, há também um inquérito que acompanha a consulta pública e é solicitado a quem vai apresentar um parecer que tenha em conta esse inquérito, ou seja, que ao ponderar as medidas que propõe - alterações ou não àquilo que está na proposta do Governo -, integre as preocupações que estão nesse inquérito. E as preocupações que estão nesse inquérito são única e exclusivamente ligadas a aspetos económicos. Numa área em que está a trabalhar com valores ambientais, aquilo que se pede a quem dá um parecer é o custo que tem para a empresa, a dificuldade que cria para a empresa, não há ali nenhuma outra referência a um contexto ambiental ou à questão da saúde pública. É unicamente os custos para as empresas. De facto, para nós isso não é a postura correta."

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Importância da avaliação de impacto ambiental
O primeiro-ministro António Costa indicou que com o "simplex" deixa de haver recurso a "burocracias inúteis para que sejamos mais eficientes e rápidos na transição climática". Uma dessas burocracias é a avaliação de impacto ambiental em determinados processos que, segundo Susana Fonseca, "é um instrumento de apoio à decisão, tendo sido criada para garantir que, no planeamento do projeto, se procure minimizar os seus impactos negativos em termos ambientais e de saúde pública".
"É um instrumento muito importante para que as decisões sejam tomadas de uma forma mais integrada. É isso que precisamos cada vez mais: decisões integradas que põem em cima da mesa diferentes valores em jogo. E não é porque um projeto, por exemplo, visa a produção de energia renovável que ele é automaticamente um bom projeto. Ele pode estar localizado numa zona em que não deveria estar localizado, pode vir a implicar a necessidade de instalar muitas linhas elétricas e isso tem um impacto."
De acordo com a especialista, os estudos de impacto ambiental e a avaliação de impacto ambiental acabam por ser também "uma oportunidade para a participação das próprias comunidades locais". "É através destes instrumentos que as comunidades locais podem dar o seu parecer, intervir e dar a sua opinião e é cada vez mais importante que nós consigamos envolver as populações também nestes projetos, que são locais e que podem ter um impacto significativo naquelas regiões", afirma.

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Como podem os cidadãos ajudar?
O "simplex" está em consulta pública até ao dia 15 de setembro e Susana Fonseca aconselha os cidadãos a darem a sua opinião.
"É importante termos bastantes vozes ativas, que demonstrem ao Governo que este não é o caminho. Simplificação sim, mas não desta forma. Sabemos que também não é um tema fácil, até porque a leitura do próprio documento não é fácil, mas é importante. Nesta fase, aquilo que as pessoas podem fazer é participar na consulta pública, dar o seu feedback no sentido de a proposta final ser diferente daquela que está em cima da mesa", conclui.