Verdes Hábitos

Agir é preciso! As mudanças de hábitos em tempos de emergência climática. As grandes questões, os desafios, os problemas relacionados com a sustentabilidade e o ambiente. "Verdes Hábitos" na TSF com Carolina Quaresma e a Associação Ambientalista Zero. Às segundas-feiras depois das 16h40 e sempre em tsf.pt.
(Até 2021 o programa foi da autoria de Sara Beatriz Monteiro e Inês André de Figueiredo).

Uma "gestão preventiva" e um olhar "com várias lentes": Como proteger os rios?

Os rios são "absolutamente cruciais" em termos sociais, económicos e ambientais. Por isso, na véspera do Dia Internacional pelos Rios, Francisco Ferreira alerta para os vários tipos de poluição a que os caudais estão sujeitos e defende a necessidade de um entendimento entre Portugal e Espanha e de uma "gestão preventiva" dos rios para uma melhor qualidade das águas e impedir fenómenos como secas ou cheias.

Os rios não conhecem fronteiras, ligam diferentes línguas, culturas, religiões, e unem oceanos, vales e montanhas. Nesta terça-feira, dia 14 de março, assinala-se o Dia Internacional pelos Rios, um elemento geográfico que, para Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, é "absolutamente crucial naquilo que é a história das civilizações e de todo o moldar de uma paisagem, não apenas por milhões de anos dos rios a passarem por um determinado local, mas também por aquilo que está associado aos ecossistemas que eles encerram".

"Se nós temos ecossistemas cruciais, eles estão ligados direta ou indiretamente aos rios e as sociedades sempre procuraram os rios como forma de terem abastecimento de água, mas também para poderem fazer o transporte de mercadorias e garantir as culturas agrícolas. Os rios são determinantes para aquilo que é a nossa realidade atual em termos sociais, económicos e também ambientais", afirma Francisco Ferreira.

Como a poluição afeta a qualidade dos rios?

Os rios estão muitas vezes sujeitos a pressões externas, como, por exemplo, a poluição. O presidente da Zero alerta para a carga orgânica, ou seja, "quando pomos demasiados nutrientes nos rios, o que leva a consequências como a eutrofização". "Quando vemos o caso do Tejo e do Guadiana cobertos de algas, isso representa uma poluição proveniente da agricultura, das águas residuais urbanas e muitas águas industriais. Tem a ver com eu estar a dar azoto e fósforo aos rios", refere.

"Depois tenho contaminação microbiológica, ligada a determinadas instalações: agropecuárias ou águas residuais urbanas que não são devidamente tratadas. Podemos ter poluição radioativas, é um dos perigos que temos em Portugal por termos uma central junto ao Tejo em Espanha. Temos também poluição térmica, que é quando nós acabamos por aquecer a água dos rios quando essa água é utilizada em circuitos de refrigeração. Temos depois muitos outros poluentes das mais diversas atividades, desde a água residual de cidades e vilas até muita atividade industrial e agrícola", sublinha.

A poluição prejudica a qualidade da água dos rios em Portugal. Francisco Ferreira explica que há "planos de gestão de região hidrográfica que fazem esse ponto de situação e podemos dizer que ela [a qualidade da água] tem sofrido um agravamento ao longo dos anos em praticamente todas as regiões hidrográficas de Portugal continental, apesar dos investimentos que têm vindo a ser alocados à implementação de muitas das medidas previstas".

"Perspetivamos uma melhoria destas massas de água com novas medidas destes planos que estiveram recentemente em consulta pública, mas entre o segundo e o terceiro ciclo de planeamento tivemos uma redução de 64% para 49% das massas de água superficiais em bom estado. Há aqui um trabalho de fundo a fazer, mais ainda quando começamos a ter os efeitos das alterações climáticas e temos menos água nos rios e a poluição acaba por ficar mais concentrada e ter mais impactos. Um dos grandes problemas que temos é já esta falta de água doce para alimentar os estuários", adianta.

Além da poluição, Francisco Ferreira chama a atenção para outros problemas ambientais que afetam os rios: "Temos que olhar para os rios de uma forma integrada, temos o estado ecológico, o estado químico e há todo um conjunto de elementos que vão desde garantir que nós não temos danos significativos para o ambiente aquático, ecossistemas, mas também para a saúde humana. Temos que ter um olhar para os rios naquilo que é o seu estado no dia a dia, mas também o seu estado ao longo do tempo. Temos muitos problemas nos rios que resultam de poluição acumulada ao longo dos anos, por exemplo a partir das minas, muitos metais pesados, várias substâncias que são complicadas e que sujeitam a uma perda de qualidade dos rios."

A necessidade de uma "gestão preventiva" e de um entendimento entre Portugal e Espanha

Perante estes problemas, "é absolutamente fundamental que olhe para os rios com várias lentes": "Se por um lado, eu posso olhar para a construção de barragens, como forma de regularizar o leito e impedir determinadas cheias ou também como forma de armazenamento da água, o que é facto é que eu tenho também que perceber que os rios são elementos naturais, fundamentais, onde eu tenho peixes migratórios que gostariam de subir os rios e não o conseguem fazer."

Francisco Ferreira considera que deve ser feita uma "gestão preventiva" dos recursos hídricos e dos rios. "Toda a gestão daquilo que é o caudal de um rio, tudo aquilo que é a quantidade de água que utilizo de um rio para as diferentes atividades e que vou ter que estabelecer compromissos entre o garantir dos ecossistemas, dos caudais ecológicos, e as atividades que usam essa água é uma equação difícil e, por isso, a gestão de recursos hídricos, permite-nos olhar para esse equilíbrio. Deve existir uma gestão tão preventiva quanto possível, onde eu não devo abusar do uso de determinados usos da água que depois ponham em causa a sobrevivência e a dinâmica do próprio rio."

Tendo em conta o caso português, o especialista defende que "deveria haver um mecanismo de melhor articulação com Espanha, na definição destes caudais ecológicos, que são um elemento fundamental e crucial a definir" e que garantem que o rio "mantém a sua função de ter vida", isto é, "que a vida associada ao rio mantém-se tão próximo daquilo que nós teríamos se o rio não fosse tão modificado por barragens".

"Estamos a jusante de Espanha, isso deixa-nos numa circunstância mais complicada", diz, dando o exemplo do Douro, do Tejo e do Guadiana. "O que nós vemos é que, em alturas de crise, temos problemas. Espanha no ano hidrológico anterior, ou seja, de 1 de outubro a 30 de setembro, com a seca que atravessámos, quer em Portugal quer em Espanha, acabámos por ter uma situação de incumprimento da Convenção de Albufeira, que nos diz quais são os caudais que Espanha tem que garantir. Sabendo nós que as secas vão ser mais frequentes, vai ser cada vez mais difícil esta negociação", sustenta.

"Era muito importante, e eu penso que não temos conseguido isso, este entendimento entre Portugal e Espanha para não continuarmos a ter investimentos agrícolas intensivos do lado espanhol. E também do lado português termos esse cuidado para garantir que a água continua a chegar ao estuário. Esta água doce que chega aos estuários é crucial porque nos estuários, se não tivermos água doce, está em causa a vida marinha. Sessenta por cento das espécies oceânicas dependem de uma zona com estas características."

Portugal precisa de mais barragens?

Para Francisco Ferreira, não fazem falta mais barragens em Portugal, "se tivermos em conta que elas têm uma forte interferência naquilo que são rios já demasiado artificializados".

"Não temos sedimentos a chegar às nossas praias, porque as barragens os retêm e estamos com problemas cada vez maiores de erosão na orla costeira com falta de sedimentos e isso tem uma relação direta com a existência de barragens. As barragens são feitas, neste momento, acima de tudo, para usarmos mais água, nomeadamente, para fins agrícolas e nós temos que repensar claramente esta política de regadio que temos, porque estamos a ficar com problemas de escassez. A gestão deve ser feita à escala de cada uma das bacias, é um mau princípio de gestão ambiental estar a fazer transvases, temos que saber adequar as atividades a cada uma das bacias e as barragens, que têm vantagens, sem dúvida, na produção de eletricidade, com os usos recreativos e agrícolas para abastecimento, de consumo humano, mudaram o suficiente, porque são zonas que ficam submersas. Estamos numa altura em que não tem sentido estarmos a pensar em mais barreiras desta natureza", reforça.

Como ajudar na proteção dos rios?

Para preservar os rios e prevenir a destruição dos ecossistemas, o especialista recomenda "conhecer melhor os rios".

"Vamos utilizar já muitos dos percursos pedestres, passadiços já existentes nos rios portugueses, que nos permitem conhecê-los e, conhecendo, nós percebemos a riqueza que ali temos de paisagem, de ecossistema, de diversidade, a ligação às próprias culturas que os rios moldaram de muitas das povoações adjacentes."

A poupança de água também é essencial. "Em muitos locais vamos usar água subterrânea, mas, na maioria, a água que bebemos em Portugal é de origem superficial, por exemplo, toda a zona de Lisboa e do Grande Porto. A margem direita do Tejo é toda abastecida a partir de Castelo de Bode, o Douro também abastece a zona do Porto. Para garantirmos a sua preservação devemos fazer um esforço de poupança de água."

Por fim, Francisco Ferreira deixa uma curiosidade: "Esta questão do futuro da água vai estar presente, entre maio e novembro, na Bienal de Arquitetura de Veneza. Vai estar em causa uma reflexão sobre o futuro da água, chama-se "Futuros Férteis", é uma exposição que vai estar presente nesta bienal e onde as diferentes bacias hidrográficas do país vão ser objeto desta reflexão: as sete distintas hidrogeografias, porque temos também os Açores e a Madeira, profundamente marcadas pela ação do Homem e que precisam de um olhar sobre o que é um amanhã mais sustentável, saudável e equitativo. É essa a esperança em termos rios vivos e livres no futuro que nós temos que garantir às próximas gerações."

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