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Março é conhecido por ser o mês da Mulher, com o Dia da Mulher a ser celebrado no dia 8. Segundo as Nações Unidas, a desigualdade de género, aliada à crise climática e ambiental, é um dos maiores desafios atuais em todo o mundo. Susana Fonseca, da associação ambientalista Zero, explica que os homens e as mulheres contribuem "de forma diferente" em termos ambientais e de emissões de carbono.
"As diferenças têm a ver com as escolhas que fazem em termos de carreira, as diferentes necessidade de mobilidade e de energia, os padrões de consumo que se assumem e a questão dos valores. As mulheres têm uma maior abertura para os valores da sustentabilidade e todos estes fatores acabam por influenciar a pegada ambiental. O que os estudos apontam é que os homens têm tendência a ter mais emissões de dióxido de carbono do que as mulheres e isso tem muito a ver com um maior consumo de combustíveis e de carne, que é mais marcado entre os homens do que entre as mulheres", considera Susana Fonseca, sublinhando que "o que os estudos demonstram é uma maior apetência das mulheres pelos valores da sustentabilidade".
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"É cada vez mais importante que a igualdade de género seja uma realidade em diferentes dimensões, para que as mulheres não se vejam tão sobrecarregadas. Se houver uma maior distribuição das tarefas, mais equitativa e equilibrada, conseguiremos todos avançar para uma sociedade mais sustentável, sem grandes pressões em termos de género", defende.
Como as mulheres estão mais expostas às alterações climáticas
A forma como as alterações climáticas afetam homens e mulheres acaba por ser "mais marcada" nos países em desenvolvimento.
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"De qualquer modo, a nível mundial, as mulheres têm um papel fundamental para garantir o acesso a alimentos, a água, ao combustível, e são também, muitas vezes, as principais responsáveis pelo trabalho na agricultura. Tudo o que é fenómenos extremos (secas, cheias e tempestades) acaba por criar pressões muito significativas que recaem sobre a mulher de forma desproporcional. Muitas vezes é-lhes negado o acesso à educação para garantirem estes serviços que as famílias necessitam", afirma a especialista, alertando para um "outro risco" também associado às alterações climáticas: "o escalar de tensões sociais, políticas e económicas em determinadas zonas que possam estar a sofrer de forma mais significativa aos fenómenos extremos." "Sabemos que, quando há conflitos e violência, as mulheres são das principais vítimas."
Além disso, as alterações climáticas colocam os sistemas de saúde "sob pressão", o que pode dificultar, por exemplo, o apoio à natalidade e à infância.
Susana Fonseca fala ainda de outras diferenças que evidenciam a desigualdade de género no plano ambiental: "Em muitas comunidades, as normas sociais e a carga excessiva das tarefas que são atribuídas às mulheres tendem a reduzir as suas possibilidades de participação."
"O que acaba por acontecer é que as decisões são tomadas sem que a voz das mulheres seja ouvida. É fundamental garantir que as mulheres conseguem e podem participar nestas decisões locais, que sejam ouvidas e integradas neste processo de decisão, o que acaba por não acontecer, porque as tais tarefas domésticas e quotidianas acabam por retirar esse espaço de participação", sublinha.
A igualdade de género e o Pacto Ecológico Europeu
Ao nível ambiental, o Pacto Ecológico Europeu, quando foi aprovado, em 2019, "era omisso em termos das questões de género". "Depois, em 2020, com a adoção da estratégia para a igualdade de género, por parte da Comissão Europeia, houve um compromisso da própria Comissão Europeia de cada vez mais integrar esta perspetiva na definição de políticas e de estratégias, mas o facto é que, às vezes, resulta melhor numas situações do que noutras."
Susana Fonseca destaca a estratégia para a sustentabilidade dos produtos químicos, em que a questão de género "está mais marcada, até porque as mulheres estão a ser mais afetadas pela presença de químicos no quotidiano". Por outro lado, na estratégia da mobilidade sustentável ou no fundo social para o clima "já não há uma integração tão sistemática das questões de género".
"É um caminho que tem que ser feito, estamos todos a aprender, mas, no seu âmago, o Pacto Ecológico Europeu, que é o grande documento enquadrador da política na área do ambiente na UE, não incluía essa preocupação na base, foram dados alguns dados mas falta muito trabalho para conseguirmos chegar a políticas que espelham estas diferentes perspetivas", sustenta.
Em Portugal, "não estamos muito diferente dos que se passa na União Europeia". "É um facto que temos uma 'obrigação' de avaliar o impacto de propostas legislativas nas questões de género, mas de uma forma mais transversal, e, pensando na área do ambiente, não vemos ainda isso expresso nos documentos que vêm a público e que são aprovados."
O que é preciso para uma maior igualdade de género na gestão do ambiente?
Segundo a associação ambientalista Zero, para uma maior igualdade de género, as políticas e a gestão do ambiente deveriam "integrar as diferentes visões". "O que temos em termos de decisões nas diferentes áreas é uma visão que acaba por ser muito masculina. Conseguirmos ter uma perspetiva mais aberta e garantir que as mulheres, na sua diversidade, podem participar mais é muito importante."
Susana Fonseca dá o exemplo do setor da mobilidade, onde "os homens tendem a usar mais o carro do que as mulheres". "Sempre que definimos políticas ou medidas que ajudam à utilização do automóvel individual, estamos a privilegiar um lado da sociedade em detrimento de outro. Se tivermos mais mulheres no processo de decisão e pessoas que utilizam mais o transporte público, vamos começar a ter decisões diferentes porque há necessidades que vão ser integradas que vão ser diferentes."
O mesmo acontece na agricultura: "Temos os apoios a uma agricultura de grande dimensão quando, muitas vezes, o papel das mulheres acaba por ser numa agricultura de menor dimensão, mais integrada na comunidade."
Dia da Mulher 2023: os objetivos das Nações Unidas
"Por um mundo digital inclusivo: inovação e tecnologia para a igualdade de género." É este o tema das Nações Unidas para o Dia da Mulher. Para Susana Fonseca, a escolha deste tema pelas Nações Unidas reflete o "reconhecimento da importância do digital para o futuro do mundo e das mulheres".
Como objetivos principais, as Nações Unidas pretendem "reduzir a diferença de género no acesso às soluções digitais, garantir uma maior representatividade das mulheres no setor da tecnologia e criar uma tecnologia com um objetivo comum e em pleno respeito pelos direitos humanos".
"A violência de género é facilitada pela tecnologia e as mulheres acabam por estar mais expostas a formas de pressão muito negativas. É fundamental fomentar a empatia e a ética digital", refere Susana Fonseca.
Como contribuir para um mundo mais "inclusivo" para todos?
Para um mundo mais "inclusivo e sustentável", a especialista da Zero recomenda "perceber os impactos que as nossas decisões podem ter noutras pessoas, seja de que grupo social forem".
"Temos cada vez mais de estar abertos e escutar as necessidades de outras pessoas e procurar soluções conjuntas e que sirvam todos. Também fazer pressão sobre os nossos decisores políticos para que, cada vez mais, garantam o acesso das mulheres aos processos de decisão e a integração destas perspetivas diferentes", conclui.