A atriz e encenadora São José Lapa apelou esta terça-feira ao primeiro-ministro para que os profissionais de palco tenham melhores condições, como na Europa, e "não continuem a estender a mão à esmola".
A atriz e encenadora da cooperativa Espaço das Aguncheiras, no concelho de Sesimbra, e uma das que não foi contemplada pelos apoios financeiros da Direção-Geral das Artes (DGArtes), falava aos jornalistas após uma reunião, hoje, no Sindicato dos Músicos, dos Profissionais do Espetáculo e do Audiovisual (Cena-STE), em Lisboa.
Emocionada, São José Lapa, de 67 anos, exigiu reconhecimento e respeito pela sua carreira e dirigiu-se diretamente ao primeiro-ministro, que conheceu nos corredores do Conservatório Nacional, em Lisboa.
"O meu querido António Costa tem de estar mais atento ao que se passa na classe artística", disse São José Lapa.
"O que se pede -- insistiu a atriz -- é que António Costa tenha atenção ao que se passa no plano cultural", referindo que "estamos na Europa" e não há termo de comparação entre o estatuto de um ator ou encenador português com o dos seus congéneres europeus.
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"Nós queremos ser como os outros da Europa, e não andar a estender a mão à esmola", reivindicou a atriz que fez parte da extinta companhia do Teatro Nacional D. Maria II, e que tem feito parte dos elencos de várias séries televisivas, nomeadamente "Casino Royal", ao lado de Herman José, entre outros.
Relativamente ao atual clima de contestação aos resultados provisórios para os apoios sustentados para o quadriénio 2018-2021 garantiu: "Há uma unidade muito grande na classe artística, incluindo o setor do cinema".
São José Lapa referiu que a classe artística representa cerca de três por cento da população portuguesa e dá "muito dinheiro para os reembolsos dos investimentos que o Estado faz" nesta área.
"Os bancos ganham uma quantidade de ordenados, porque 'vieram-nos ao bolso', por uma quantidade de erros de quem estava à frente do Banco de Portugal e das próprias instituições, das corrupções que aqui se passam, e os desgraçados da cultura são miseravelmente miseráveis. Há gente a viver com grandes dificuldades", disse a atriz de forma inflamada.
"A população portuguesa tem de perceber que nós temos de ter dinheiro para pagar a renda da casa, temos de ter dinheiro para comer, para viver, para educar os nossos netos. Só num país atrasadíssimo como o nosso, é que uma pessoa [só] ganha o seu ordenado", se trabalhar num banco, afirmou.
São José Lapa citou como exemplo da situação o estado em que se encontra o Conservatório Nacional, "que está degradadíssimo".
"Nós não estamos a tirar dinheiro a ninguém, a Cultura é de todos", sentenciou.
A encenadora e atriz disse que o Espaço das Aguncheiras vai recorrer, salientando que "alguma coisa se está a passar", pois durante 12 anos de atividade, apenas uma vez recebeu apoio da DGArtes, e este ano voltou a não ser contemplada.
São José Lapa realçou que uma peça produzida pela sua companhia foi considerada a melhor apresentada num festival internacional sobre Samuel Beckett, em Dublin, tendo a participação sido a expensas suas.
"Nós trabalhamos, não nos deitamos tarde, trabalhamos horas a fio", declamou a atriz que reconheceu que estava "um bocadinho acalorada" e lembrou os tempos no Nacional D. Maria II, em que "era bem querida e amada".
Os resultados provisórios dos concursos da DGArtes, comunicados aos candidatos, a que a agência Lusa teve acesso, garantem apoio estatal a 50 candidaturas das 89 avaliadas na área do teatro, ficando de fora 39 estruturas, como o Teatro Experimental de Cascais, o Teatro Experimental do Porto, a Seiva Trupe, o Festival Internacional de Marionetas e Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), O Teatrão e a Escola da Noite, em Coimbra, e também, o Centro Dramático de Évora (Cendrev).
Entre as companhias mais apoiadas do programa, segundo os resultados provisórios, estão o Teatro Praga, a Companhia de Teatro de Almada, os Artistas Unidos, O Bando, o Teatro do Noroeste, a Companhia de Teatro de Braga, a Companhia de Teatro do Algarve (ACTA), a Comuna - Teatro de Pesquisa e o Novo Grupo - Teatro Aberto.
Os concursos ao Programa de Apoio Sustentado às Artes 2018-2021 abriram em outubro, com um valor global de 64,5 milhões de euros.
O Governo anunciou, entretanto, o reforço, para 72,5 milhões de euros, do montante disponível até 2021, mais dois milhões de euros por ano, a aplicar nas seis modalidades dos concursos: circo contemporâneo e artes de rua, dança, artes visuais, cruzamentos disciplinares, música e teatro.
Segundo números da DGArtes, este ano, no total das seis modalidades, foram admitidas a concurso 242 das 250 candidaturas apresentadas. Os resultados provisórios apontam para a concessão de apoio a 140 companhias e projetos.
Estes dados deram origem a contestação no setor, e levaram o PCP e o Bloco de Esquerda a pedir a audição, com caráter de urgência, do ministro da Cultura e da diretora-geral das Artes, em comissão parlamentar.