"Foi o destino". Chef português consegue autorização rara na China

Paulo Quaresma nasceu em Almada, estudou em Lisboa, e vive na China há nove anos. Este mês recebeu a muito desejada autorização de residência permanente no país.

É uma nova etapa na vida de Paulo Quaresma, chef de cozinha. Tudo começou em 2010, quando ficou sem emprego e sem casamento. "Foi o destino. Parti quando Portugal estava em crise, que levou à falência da empresa onde eu trabalhava. Depois também estava numa daqueles períodos da vida em que ou se fazia uma mudança, ou depois já seria tarde. Então decidi enviar o meu curriculum para todo o lado, que fosse para fora de Portugal. Então, o destino quis que eu viesse para aqui. Até pensei que fosse para Macau, mas vim direto aqui para Pequim, para o único restaurante português que havia na altura e que continua a ser o único".

A partir de Pequim, Paulo Quaresma acrescenta que era a altura certa para mudar, "também por causa do divórcio, que aconteceu mais ou menos na mesma altura". Foi então que partiu sozinho de Almada, onde morava e aterrou em Pequim, contratado por um hotel de cinco estrelas, na capital chinesa.

Até 2017, apenas dez mil, dos cerca de um milhão de estrangeiros a viver no país, tinham obtido aquela autorização de residência, que é válida por dez anos. A física norte-americana Joan Hinton, cientista que participou no Projeto Manhattan, que produziu as primeiras bombas atómicas, foi a primeira estrangeira a receber uma autorização de residência permanente do Governo chinês, em 2004.

A adaptação

Paulo ri-se quando questionado sobre a adaptação a um país com hábitos e rotinas tão diferentes dos portugueses.

"No início foi complicado. As pessoas aqui, no dia-a-dia normal não falam inglês. Só pouca gente. Então havia situações muito caricatas. Desde apanhar um táxi, que era complicadíssimo. Tinha de levar fotografias de moradas ou telefonar a alguém para me ajudar a dizer para que lado queria ir. No hotel, eu chegava ao restaurante pedia água fria e davam-me água quente. Eram situações simples, mas que acabavam... eu hoje rio-me, mas na altura era frustrante".

O início

Ultrapassados os desafios de adaptação, casado e com dois filhos, Paulo conseguiu um visto que lhe permite circular e trabalhar com mais liberdade na China. O desejado 'green card', ou seja, a autorização residência permanente foi-lhe concedida este mês de abril.

"É um processo complicado. Os vistos de trabalho [o que Paulo Quaresma tinha até agora] têm normalmente a duração de um ano. Portanto todos os anos, estando cá há nove, eu tinha de fazer esse processo. Para este novo pedido [autorização de residência permanente], o processo é complicado e moroso. São-nos pedidos documentos, temos que fazer traduções, e por aí fora... Até há pouco tempo, estes vistos só eram dados a altos funcionários de empresas nacionais, professores ou pessoas que trouxessem mais-valias para o país, como por exemplo, investigadores, cientistas, que eram convidados pelo governo e era-lhes facilitada a vida com estas residências permanentes. Mas no ano passado, a lei mudou. Quando isso aconteceu, tornou mais complicada a transição de estudantes para o mercado de trabalho, mas ao mesmo tempo, os vistos de residência ficaram mais flexíveis".

Foi, então, que Paulo Quaresma tentou a sua sorte. "Em outubro passado, demos (Paulo e a mulher de nacionalidade chinesa) entrada com o processo. Disseram-nos que podia demorar um ano, ou até dois... Eventualmente podíamos ser contactados para nos fazerem umas perguntas. Mas foi tudo muito rápido. Um dia cheguei a casa e a minha mulher disse-me que tinha uma boa notícia para mim. Tinham ligado dos serviços de imigração e no dia seguinte podia ir buscar o meu cartão. Foi uma grande surpresa, mas também já estou cá há nove anos, sempre a descontar cá e a pagar impostos. Eu e a minha mulher também fizemos um investimento imobiliário. Os nossos dois filhos têm nacionalidade chinesa. Portanto, todas estas situações ajudaram imenso à brevidade do processo. Hoje em dia ter o cartão de residência permanente é uma ajuda que não tem valor".

As vantagens

"Por exemplo, eu estou cá há nove anos, e durante esse tempo eu fiz descontos para a segurança social e paguei impostos. Se um dia eu regressar a Portugal, eu teria que levantar uma parte destes descontos. Hoje em dia, com este cartão [green card], isso permite-me um dia ter acesso a uma reforma cá. Antes, tal não me era permitido. Hoje em dia também posso entrar nos aeroportos da China só com o cartão verde, já não preciso de vistos de entrada, nem de saída. Antigamente, cada vez que ia a Portugal e regressava tinha de me apresentar às autoridades para dar conhecimento que já estava de novo na China".

A burocracia

"Tivemos que recolher alguma documentação, alguma em Portugal, que teve de ser traduzida, certificada e autenticada na embaixada da China em Lisboa. Depois regressámos. Recolhemos mais documentos cá, como a prova de compra de uma propriedade, o registo de nascimento dos meus filhos, os descontos, extratos bancários. Tudo isso teve que ser recolhido e depois teve de ser entregue, em duplicado, nos serviços de imigração. Depois foi até rápido, o processo ficou despachado em seis meses".

Ficar na China, ou regressar a Portugal?

"Não tenho data para um regresso definitivo a Portugal. Penso nisso, mas acho que o meu futuro vai sempre dividido entre os dois países, por causa da família da minha mulher, por causa dos meus filhos. Quero que eles estudem aqui, pelo menos nos primeiros anos, para aprenderem a escrita, que é muito difícil. Aqui eles aprendem mais facilmente. Depois, na altura do ensino secundária, talvez vá para Portugal. Este é o nosso pensamento agora, mas fazer planos com crianças e a longo prazo é complicado".

Realização profissional

Paulo Quaresma trabalha no hotel cinco estrelas "Legendale", em Pequim, onde tem o cargo de chefe executivo. Será que é por lá que quer continuar? "[risos] Esta situação de residência permanente criou agora uma situação, em que estou à procura de outro trabalho, porque agora já não dependo da empresa para estar cá. Por exemplo, antigamente se eu que quisesse despedir-me, a empresa podia cancelar o meu visto de trabalho., no dia seguinte ao meu último dia de trabalho. Isto dar-me-ia uma semana para sair da China. Portanto, eu teria de ir a Hong Kong ou a Macau e pedir um visto de família para regressar para cá. Agora, com este cartão de residência já não visto de trabalho, mas sim de cidadão residente cá. Como trabalho há oito anos no hotel e como já existe um cansaço grande, agora estou num período de transição. Quero continuar na minha profissão, mas quero outro local de trabalho". O que procura Paulo Quaresma? O chef português diz que "agora se calhar quero uma coisa menos stressante. Não digo dar uma passo atrás, ou um passo ao lado, mas ao fim de estes mais de oito anos no hotel, o cansaço mental foi bastante e agora preciso aproveitar um bocado a família e se calhar ir para um cargo não de comando, mas de assistência ao comando. Quero voltar a ter o prazer de cozinhar".

Portugal à mesa na China

Dos pratos portugueses que confeciona no hotel, Paulo Quaresma destaca como os preferidos e mais apreciados pelos chineses, "o bacalhau à lagareiro, o arroz de pato, o arroz de marisco, mas nada bate o pastel de nata! É o produto português mais conhecido aqui na China".

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