Em Nodeirinho cada um mede a tragédia pelo que perdeu. Cassilda vive sozinha há 10 anos, desde que o marido morreu. De família resta-lhe uma comadre e um primo de Lisboa. "Até agora tenho vivido bem, daqui para a frente é que não sei como vai ser".
Desde sábado que não consegue dormir, mas não lhe falta genica. Faz questão de nos levar a sua casa. Precisa de testemunhas para acreditar que aconteceu mesmo. Esperamos uma casa ardida, sem nada por onde restaurar. Mas a casa está lá. Farruscada por todos os lados mas interinha, com vasos de flores no quintal, por entre baldes que não vai retirar dali enquanto houver fumo no ar.
"Gritei tanto que até enrouqueci. Mas a aflição era tanta ali no povo que se me ouviram não me puderam acudir." Enquanto houve água na torneira fez frente às chamas que engoliram o palheiro e o local onde guardava o que vinha da horta. "Ainda não tinha engarrafado o vinho", diz a apontar para quatro pipas tão negras como o céu da barraca. "Era tanto o calor que o vinho ferveu nas pipas, ainda não tive coragem de as abrir."
Mesmo colada à casa está uma oliveira que deve andar pelas idades de Cassilda, pelo menos. "Quando acabou a água na torneira, passei a ir buscar água à fonte, com um cântaro. Não dava para nada, mas com aquele poucochinho e terra consegui apagá-lo", conta a apontar para o tronco da oliveira velha ainda a fumegar.
Depois de desabafar, chorar a sua perda, Cassilda perde a genica. Vem à porta e aponta para uma casa a uns 200 metros. "O homem veio morrer aqui no olival, nem estava queimado, morreu intoxicado com o fume. As três mulheres meteram-se no carro e foram morrer lá acima."
O saldo é fácil de fazer: "Tenho um quartinho onde me deitar. Tive muita sorte, estou viva. Julguei que não, mas parece que sempre vou fazer os 76 anos".
