37 dias. Foi este o tempo que o Ministério Público teve para adotar medidas que protegessem a mulher de 56 anos, natural de Valongo.
A 29 de setembro de 2015, depois de ter sido espancada, insultada e ameaçada de morte pelo marido com quem tinha casado nesse ano, dirigiu-se ao Ministério Público para apresentar queixa. Fê-lo de forma oral, especifica o relatório da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica (EARHVD) citado pelo Jornal de Notícias. No auto lê-se apenas "agressão e ameaças".
Nove dias depois, a procuradora que tomou conta do caso determinou que a mulher fosse notificada para esclarecer o teor da queixa-crime. A resposta chegou passados 14 dias, por escrito, com os detalhes das agressões a que foi sujeita e com referência expressa a uma ameaça do ex companheiro: "Arrebento-te a cabeça se fizeres queixa de mim". Não foi suficiente.
Quatro dias volvidos, a magistrada ordenou que a mulher fosse contactada por telefone para ser inquirida sobre os factos denunciados e avaliar se seria este um caso de violência doméstica e, a confirmar-se, atribuir-lhe o estatuto de vítima. Passaram dois dias sem que o Ministério Público tenha conseguido fazer o contacto por telefone, por esse motivo, e por essa altura, a mulher foi notificada para ser inquirida de forma presencial. A inquirição ficou agendada para 4 de novembro, seis dias depois. A mulher compareceu à hora marcada, voltou a contar a história que, agora, ficou registada em papel.
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Nesse mesmo dia, o ex companheiro esperou pela vítima, escondido no quintal junto à casa, e quando a mulher se dirigia para a porta desferiu-lhe três pancadas com um pau. Arrastou depois o corpo para o interior da habitação e fechou a porta à chave. A mulher foi encontrada morta três dias depois.
A EARHVD não poupa o Ministério Público. Considera que a denúncia nunca foi tratada como um efetivo caso de violência doméstica mercê, é sublinhado no relatório, da falta de preparação de quem ficou com este caso em mãos. A burocracia sobrepôs-se à urgência com que a denúncia deveria ter sido tratada. Foram desperdiçadas três oportunidades de ajudar esta mulher. É recomendado ao Ministério Público que elabore um "documento hierárquico de boas práticas".
Em novembro do ano passado foi conhecido o primeiro relatório da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, criada pelo atual governo em 2016. O documento analisou o caso da morte de uma mulher de 58 anos estrangulada pelo marido em setembro de 2015. O relatório encontrou falhas de todas as entidades públicas que antes da morte se cruzaram com vítima e agressor, desde Ministério Público, GNR e até Ministério da Saúde.
Na altura, o procurador da República jubilado e escolhido para liderar esta equipa pelo Conselho Superior do Ministério Público, Rui do Carmo, esperava que este relatório servisse de exemplo, evitando falhas no futuro.