Os empregados de mesa de jaqueta branca com botões dourados, as mesas em mármore, as paredes lisas, frias, austeras e monumentais. O Guarany nasce no contexto da grande depressão dos anos 30. "Isto vem de uma certa colagem ao que se via nos cafés na Europa", diz Filipe Barrias, administrador do mítico café da Avenida dos Aliados, no Porto, que reflecte o "apogeu do estilo art deco".
O Guarany, sublinha, "é o único café da baixa do Porto que resistiu à especulação imobiliária quando tudo virou para bancos". Barrias considera que "o legislador não teve em atenção a preservação destes espaços".
Fundado em 1933, o Guarany pode estar a assistir a uma morte anunciada pela lei do arrendamento do anterior governo, diz Filipe Barrias, advogado de profissão: "A anterior legislação era demasiado liberal". O café "está ameaçado de extinção".
O período de transição previsto na lei em vigor está a chegar ao fim. Dentro de dois anos, explica o administrador e jurista, o senhorio terá a possibilidade de denunciar o contrato: "Já há sinais nesse sentido". Na última reunião, adianta, "as negociações fracassaram".
Filipe Barrias prefere manter os valores no segredo do negócio, mas garante que a renda que estão a pagar não é baixa. "Já estamos a pagar rendas relativamente elevadas. Também somos senhorios, também compreendemos a situação, mas achamos que interromper a existência de um café centenário não é o melhor caminho para a cidade", frisa.
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A esperança do administrador do café é que uma nova legislação possa inverter o caminho. O Majestic, que é dos mesmos donos, vive uma situação diferente. A família Barrias chegou a acordo com o senhorio.
Esta sexta-feira, discute-se no Parlamento uma proposta do Partido Socialista que pretende criar um regime de proteção contra o aumento significativo das rendas das lojas e outros estabelecimentos de interesse histórico e cultural. Trata-se de uma iniciativa que pretende limitar a latitude do atual regime do arrendamento urbano, cujo regime transitório termina em 2017, mas que, diz o PS, depois disso, abre portas ao despejo dos inquilinos, um desfecho que pode também acontecer a pretexto da realização de obras de requalificação profunda ou de demolição.
Pedro Delgado Alves, deputado socialista relator do projeto de lei, diz que o articulado vai dar às câmaras o necessário respaldo para proteger esses estabelecimentos.
O deputado socialista Pedro Delgado Alves explica o objeto do projeto-lei
A iniciativa já teve nos últimos dias o aplauso do presidente da câmara de Lisboa e não é diferente a avaliação de Rui Moreira. O autarca do Porto sublinha que é preciso conservar este tipo de espaços mais tradicionais, com uma marca própria, até porque quem visita a cidade não vem para ver o mesmo que existe noutros destinos.
O presidente da Câmara do Porto elogia a medida apresentada pelo PS
Inquilinos e autarcas das maiores cidades a favor da proposta do partido socialista, mas há o outro lado: o dos proprietários dos edifícios, ou seja, os senhorios, e esses estão contra o projeto-lei do PS. António Frias marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, diz que esta vai resultar numa "injustiça".
António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários, critica a iniciativa.
O presidente da Associação Nacional de Proprietários sublinha ainda que as rendas estão nesta altura limitadas a 6,7% do valor patrimonial do imóvel fixado pelas Finanças, pelo que não faz sentido falar de rendas especulativas.