A jornalista Barbara Baldaia ouviu a história de vida de Daniela Bento, que mudou o BI recentemente
Esta terça-feira passam 5 anos sobre a aprovação da lei que retirou dos tribunais a alteração de identidade de género. A lei em vigor desde 2011 faz depender essa alteração apenas de um parecer médico. O que o Bloco pretende agora é dar o passo em frente, no sentido da auto-determinação, fazendo depender a mudança de identidade apenas da vontade das pessoas trans.
Ouvido pela TSF, o deputado José Soeiro explica as razões para apresentar este projeto: "As pessoas, por serem trans, não são necessariamente doentes. Houve uma altura em que a homossexualidade era considerada uma doença e deixou de ser. O mesmo acontece em relação à identidade de género. Não é uma questão de doença, é uma questão de identidade. Portanto, o Estado não deve fazer depender o reconhecimento de direitos de uma tutela médica sobre as pessoas".
O deputado do BE José Soeiro explica o projeto-lei que está a ser preparado
Também o Governo está a preparar legislação no mesmo sentido. O Gabinete da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade adianta à TSF que já está a trabalhar com o Ministério da Justiça "na alteração do regime da identidade de género". O Executivo adianta que está a recolher o contributo das organizações LGBTI, no sentido de perceber quais são os aspetos "mais relevantes nesta matéria".
O investigador Nuno Pinto sublinha que há neste momento um grande "policiamento dos médicos" em relação à identidade de género. É essa também a queixa de Daniela Bento, que conseguiu na semana passada concluir um processo que tinha começado em 2014 e mudar o nome no Bilhete de Identidade para finalmente se identificar com o que lê.
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Daniela diz que o relatório elaborado pelo médico da área da sexologia clínica foi feito com base em estereótipos sociais. "A pergunta mais frequente era qual o meu papel na sociedade. Se limpava a casa, essas coisas". O médico, diz ela, fez-lhe questões com o pressuposto de que ela devia cumprir a normatividade de um papel feminino anacrónico.
Para o psicólogo e investigador Nuno Pinto, este é um dos problemas da lei atual. O psicólogo diz que os "profissionais de saúde em Portugal nem sempre acompanham as guidelines internacionais".
Daniela precisou de um ano e meio para conseguir mudar de nome. Muito tempo para um simples papel, diz ela. Agora, vai começar o tratamento hormonal, que foi adiando para poder fazer criopreservação de esperma. O peito é uma questão importante para ela, sendo certo que quer "fazer tudo", o que inclui a operação aos genitais.
Do médico ouviu muitas vezes reservas e adiamentos do processo com o receio de que viesse a arrepender-se. Mas essa ideia, a ela, não lhe passa pela cabeça: "Eu sei quem sou". A legislação no resto da Europa produzida depois de 2011 já vai no sentido da auto-determinação, sublinha também o investigador.
A leitura que a sociedade faz de Daniela é que ela foi uma vez um homem, agora é uma mulher. Ela sabe quem é há muito tempo. No entanto, só há dois anos é que fez o coming out. Os estigmas e pré-conceitos que existem em relação à transexualidade não lhe facilitaram a vida. Vem de um meio pequeno, onde se associava muito a transexualidade à prostituição.
Membro da direção da ILGA, o psicólogo Nuno Pinto tem uma tese de doutoramento nesta área. Ele diz que o facto de ser dar mais visibilidade a estes casos tem ajudado muitas pessoas trans. Vai ao encontro do que sente Daniela, que diz ser mais livre desde que assumiu a identidade feminina e ter mais autoestima desde que mudou o nome no BI.
Agora, vai começar o processo de alterações corporais. E porque sabe que em Portugal esse é um processo demorado, não se cansa de repetir a si própria: um passo de cada vez.
A psiquiatra Margarida Neto mostra-se contra alterações à lei, defendendo que todos os trans devem ser acompanhados
Margarida Neto, médica psiquiatra, defende que a lei não deve ser alterada e que a mudança da identidade de género deve continuar a ser acompanhada por um profissional da área da saúde mental. O parecer de um médico "não visa patologizar, mas acompanhar, estar ao lado dessa decisão", sustenta.