“Pseudo-reforma e conjunto de powerpoints.” Ex-ministro e associação criticam mudanças anunciadas na educação
Em declarações à TSF, Manuel Heitor afirma que esta reforma não contempla as discussões mais atuais que se estão a realizar em vários países europeus sobre a necessidade de avaliar rapidamente os projetos e de os financiar
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Depois de ouvir o ministro da Educação, Ciência e Inovação anunciar a reforma que extingue a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e cria a Agência para a Investigação e Inovação, o ex-ministro Manuel Heitor considera que esta é “uma alteração sem sentido”. Em declarações à TSF, o antigo ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior do Executivo de António Costa aponta três questões que considera críticas, com principal enfoque no investimento.
”Não podemos ofuscar essa prioridade com pseudo-reformas que não levem a um aumento efetivo do investimento em ciência e inovação e no ensino superior”, critica. “Sabemos que temos um défice de investimento de muitas décadas. Cresceu entre 2015 e 2022, voltou a diminuir em 2023, parece que foi retomado em 2024, embora ainda não haja valores finais, mas essa é a questão crítica”, continua. “Essa é a prioridade que não se vê espelhada nesta mudança”, sublinha.
Uma segunda questão que levanta dúvidas a este antigo governante é a fusão entre a FCT e a Agência Nacional de Inovação (ANI). Manuel Heitor considera que não é fazendo a união entre as duas instituições que se resolve o problema, pois “há questões muito mais críticas na reestruturação, como a capacidade de atrair cada vez pessoas mais qualificadas para estes cargos que são absolutamente imprescindíveis”.
“Não é apenas com um conjunto de powerpoints que se percebe os detalhes internos à própria reestruturação”, critica, fazendo alusão à apresentação do ministro Fernando Alexandre, na quinta-feira.
O ex-ministro considera também que esta reforma não contempla as discussões mais atuais que se estão a realizar em vários países europeus sobre a necessidade de avaliar rapidamente os projetos e de os financiar.
“Portugal tem os tempos médios de financiamento da Europa de cerca de um ano e meio, que são muito longos”, concretiza. ”Em toda a Europa temos de modernizar muito estes mecanismos”, salienta. ”Sabemos que são sistemas muito complexos, que precisam ser experimentados, e esta reforma parece-me uma questão muito superficial, de mudar nomes, fazer a fusão de agências, mas não entrar naquilo que é hoje o debate europeu sobre a necessidade de modernizar os sistemas e de os atualizar a uma era cada vez mais dependente do conhecimento científico”, sustenta.
Bolseiros de investigação lamentam processo sem qualquer auscultação
A Associação de Bolseiros de Investigação Científica garante que toda a comunidade científica foi apanhada de surpresa. ”É um processo bastante estrutural que está a ser iniciado sem qualquer auscultação, seja das associações que representam os trabalhadores, seja das próprias instituições de ensino superior e ciência”, critica Sofia Lisboa. A representante desta associação lembra que há pouco tempo realizou-se o Encontro de Ciência, organizado pela FCT, pela Ciência Viva e pelo própria Ministério, e “não houve uma pista neste sentido”.
Os bolseiros de investigação estão também preocupados com o facto da inovação e a investigação serem “postas no mesmo cesto”. “São coisas muito diferentes”, acentua Sofia Lisboa. ”Daquilo que conhecemos da ANI até agora, é uma agência voltada para conhecimento aplicado e, portanto, uma lógica daquilo que interessa ao setor económico e isto não pode ser nem de perto, nem de longe as preocupações da ciência”, diz a investigadora.
Sofia Lisboa defende que é fundamental pensar a ciência como um bem público e com um valor social mais amplo. “A ciência não pode ser confundida com aquilo que são os interesses do mercado e da economia de curto prazo”, conclui.