Gastos com defesa acima de 2%: eurodeputados divididos entre medida de "país autoritário" e "esforço adicional"
Ouvido no Fórum TSF, o eurodeputado comunista, João Oliveira, defende que a missão institucional do Exército português "não é andar a fazer a guerra dos outros, é defender a independência e soberania nacionais" e, por isso, apela a soluções de paz
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A necessidade de investir em segurança e defesa acima de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) tem sido tema de debate um pouco por toda a Europa. A discussão adensa-se no Fórum TSF desta quinta-feira com os eurodeputados portugueses a mostrarem visões contraditórias entre aqueles que denunciam uma medida "própria de países autoritários" e os que defendem um "esforço adicional" após um período de "sucessivas reduções".
O pedido foi feito pela NATO e entretanto reforçado pelo seu secretário-geral aquando da visita a Portugal. Foi aí que defendeu que canalizar 2% do PIB de cada Estado-membro já não é suficiente para a defesa da Europa, em linha com o que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou. Mark Rutte apresentou como argumento o facto de a "ameaça da Rússia" não estar "longínqua", sugerindo que Moscovo tem armamento que consegue atingir a costa portuguesa.
O primeiro-ministro afirmou no mesmo dia que Portugal está "disponível" para antecipar “ainda mais” o prazo para que o país atinja um investimento de 2% do PIB no setor da defesa. Portugal já se tinha comprometido a atingir a meta em 2029, mas Luís Montenegro admitiu que poderá ter de antecipar o objetivo.
Entre os eurodeputados portugueses ouvidos pela TSF, a divergência de opiniões é clara.
Ana Catarina Mendes, eurodeputada do PS, defendeu, no programa TSF Fontes Europeias, a necessidade de a União Europeia reforçar a sua autonomia estratégica em matéria de defesa e segurança, sublinhando a dependência militar da Europa face aos Estados Unidos e alertou para os riscos que podem surgir com as ameaças de Trump à NATO.
Ouvido no Fórum TSF desta quinta-feira, o eurodeputado do PSD Hélder Sousa e Silva argumenta que Europa pode reforçar o investimento "sem sobrecarregar de sobremaneira os orçamentos nacionais", numa altura em que se discutem a criação de eurobonds e o apoio do Banco Europeu de Investimento para "fomentar as indústrias da defesa". Indo mais longe, assegura mesmo que Portugal pode ficar a ganhar com isto.
Aponta, nesse sentido, que é "crucial" para o país que se criem vários grupos de empresas e que cada um dos 27 Estados-membros da União Europeia possa encontrar uma especialização para "cada uma das áreas da defesa". O objetivo, explica, é um "grande cluster europeu".
"Vou dar como exemplo Portugal, que se pode especializar em cibersegurança, em construção naval, em construção e manutenção de aeronaves, além dos fardamentos e da produção de equipamentos ligeiros", nomeia, acrescentando que, com estes "satélites", seria possível responder às "necessidades da Europa", ao mesmo tempo que se criava emprego e dinamizava a economia.
Só assim, afirma, é possível evitar aquilo que "muitas vezes se diz: que são dois ou três países que levam o dinheiro todo e que já têm hoje em dia indústrias de defesa muito desenvolvidas", identificando como exemplo o caso da Alemanha, França e Itália.
Quem refuta esta ideia é Catarina Martins. A eurodeputada do Bloco de Esquerda começa por defender que a "primeira mentira contada" quando se aborda este tema é sobre quais os países que vão beneficiar com esta subida: "Portugal não vai ganhar."
Avança que o país, ao atingir os 2% do PIB em despesas para o setor da defesa, vai "gastar imenso dinheiro para dar um complexo industrial militar que é multinacional, que alimenta sobretudos os EUA e alguns países europeus, como a Alemanha, Espanha e França".
"Este complexo militar industrial não tem pátria e o que importa é pôr os seus lucros em offshores para não pagar impostos, enquanto semeia uma guerra por todo o mundo. Só gastamos e perdemos sempre", garante.
Catarina Martins aponta ainda que os países da NATO "gastam muito mais em despesa militar do que todos os outros países juntos. Mas mesmo muito mais" e no seu conjunto - excluindo inclusivamente os EUA, gatam "quase quatro vezes o que gasta a Rússia".
"A União Europeia é o segundo espaço económico mais rico do mundo. Estar a dizer que a despesa militar se vai medir em percentagem de PIB, é ridículo. Isso é próprio de países autoritários e não de democracias e de economias frágeis e não de uma economia forte. É um absurdo. Quantas vezes mais é que nós precisamos de gastar do que todo o resto do mundo para nos sentirmos seguros? Isso não tem resultados", garante.
Entende, por outro lado, que é preciso um investimento de "reindustrialização dos países da Europa" e que para se trazer o sentido de "segurança" às populações é preciso dar resposta "às alterações climáticas".
Já o eurodeputado da IL João Cotrim de Figueiredo vai ao encontro da visão dos sociais-democratas e sublinha a necessidade de um maior investimento da Europa em matéria de defesa. O liberal alega que a redução sistemática do investimento neste setor, trouxe ao país um "atraso, de tal forma preocupante, que obriga agora a um esforço adicional, que é politicamente bastante delicado e que obriga a escolhas que serão naturalmente difíceis".
O eurodeputado comunista, João Oliveira, mostra-se contra esta narrativa e avisa que "preparar a guerra acentua os riscos da guerra". Por isso, considera que preciso "travar esse caminho" e apostar em soluções que promovam a paz.
"Em relação à posição de Portugal relativamente a esta questão, eu julgo que há dois elementos que devíamos ter como norteadores da ação política institucional do nosso país: o primeiro é de termos na Constituição o referencial do nosso posicionamento relativamente a estas questões - Portugal precisa de ter Forças Armadas e precisa de ter Forças Armadas bem equipadas e capazes de cumprir a sua missão institucional, que não é andar a fazer a guerra dos outros, é defender a independência e soberania nacionais. Em segundo lugar, o posicionamento de Portugal do ponto de vista internacional nestas questões não devia ser de alimentar a corrida ao armamento", destaca.
A cimeira europeia sobre defesa e segurança, que decorre na próxima segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025, sob a liderança de António Costa, que deverá discutir formas de aumentar o investimento europeu no setor, incluindo a possibilidade de canalizar mais recursos para a indústria de defesa da UE.
