Depois da recusa do Governo em apoiar a Raríssimas, a associação tem estado em contacto com o Instituto de Segurança Social e tem esperança que "esta casa não feche". Reportagem TSF na Casa dos Marcos, na Moita
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Está na hora do lanche da manhã, na Casa dos Marcos, na Moita. Na sala azul, nove utentes petiscam enquanto ouvem músicas da Disney. A monitora Sandra Trindade explica à TSF que a música é a actividade com que mais facilmente consegue "alcançar todos" os doentes mentais ou com doenças raras que passam os dias nesta valência da associação Raríssimas.
O utente mais jovem tem 24 anos, o mais velho está prestes a completar 48, afirma Sandra, que por vezes perde a noção do tempo. Para ela, estes "meninos" são "eternos jovens": "Estamos aqui há tantos anos. Parece que os anos não passam por nós nem por eles."
O mais velho na sala azul é Rui Ferreira, filho do presidente da Raríssimas. "Todos nós nesta direcção, somos pais", sublinha Fernando Ferreira Alves, que confessa ter sentido "um soco no estômago" quando a associação foi informada, no início de Janeiro, que o Estado não iria atribuir o apoio do Fundo de Socorro Social. "Se a Raríssimas fechar, para onde vamos?"
A Casa dos Marcos apoia uma centena de utentes: 39 em cuidados continuados, 24 no lar, cerca de 30 em actividades lúdicas diárias e cinco em residência autónoma. "Alguns utentes não têm família (...) estão [na casa] até a sua vida acabar. Eles precisam de muito carinho", realça Fernando Ferreira Alves, que também está preocupado com o futuro das 113 pessoas que trabalham na Raríssimas. Se não receber apoios, a Casa dos Marcos só conseguirá aguentar "talvez dois meses".
Ainda assim, o presidente está "convencido que esta situação, muito brevemente, deve ficar resolvida", depois de contactos com o Instituto da Segurança Social. Fernando Ferreira Alves vê "uma luz ao fundo do túnel": "Tenho esperança que esta casa não feche."
Apesar do futuro incerto, o vice-presidente António Claudino garante que "a vida aqui continua". Um dos sócios mais antigos da associação, António, também teve a filha Sara na Raríssimas durante quatro anos. A "criança-adulta", de 36 anos, não anda, não fala, "precisa de cuidados 24 horas". Recentemente, mudou-se para outra instituição, para "estar mais próxima da irmã, que vai tomar conta dela, se nós morrermos".
A maioria dos utentes não consegue ter uma vida autónoma. Os irmãos Mitó e Hélio Rodrigues sofrem de ataxia com apraxia oculomotora, uma doença genética que os obriga a deslocarem-se em cadeira de rodas. Duas vezes por semana, fazem fisioterapia na Raríssimas, para evitar que as articulações fiquem anquilosadas, esclarece a fisioterapeuta Andreia Almeida.
A doença "prejudica o movimento das mãos, dos pés, das pernas" e alguns doentes acabam por ficar em "posição fetal", afectando os cuidados. "Não conseguem colocar fraldas, não conseguem vesti-los. Portanto, é muito importante evitar que esse tipo de situações extremas possa eventualmente acontecer."
Diagnosticado aos 13 anos com ataxia com apraxia oculomotora, Hélio recorda: "No princípio, não queria aceitar, nem ir para a cadeira de rodas." Foi o irmão que o convenceu e, agora com 50 anos, Hélio precisa de ajuda nas tarefas mais simples. Todas as manhãs, recebe a visita de "senhoras que vêm ajudar" e, se a Raríssimas encerrar, "é muito mau". Deixaria de fazer fisioterapia e "estar aqui é diferente", salienta.
No centro de actividades e capacitação para a inclusão da Casa dos Marcos (CACI), todos os dias são diferentes.
Desde o início do ano, os nove utentes já fizeram trabalhos alusivos ao Carnaval, ao Dia dos Namorados, ao Dia do Pai e já preparam a Páscoa.
A meio da manhã, dançam ao ritmo do samba para "soltar a franga e mexer o esqueleto", refere a monitora Paula Braga. Assim, "trabalham todo o corpo, a motricidade fina, a parte muscular", com "alegria, amor e cumplicidade", sempre com "desafios novos". Miguel, de 30 anos, assegura que, apesar das dificuldades na mão esquerda, resultado de um problema no hemisfério cerebral, é "igual como os outros". "Também tenho muitas capacidades", acrescenta.
É por estes "meninos" que o vice-presidente António Claudino pede: "Confiem em nós. Venham ver a instituição. Estamos abertos a que venham ver o que fazemos e que controlem como vamos gastar as ajudas que nos dão."