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O debate intenso no Parlamento acabou como se esperava, mas foi mais incerto do que se previa. O Governo de Luís Montenegro mostrou-se "disponível para consensualizar com o PS", chegou a admitir recuar na moção de confiança, suspendeu os trabalhos durante uma hora, mas o desfecho foi o chumbo e o silêncio: o país pode mesmo ir para eleições antecipadas. Já o PS recusou negociar com o Executivo, lamentando que o voto de confiança tenha sido usado para desviar as atenções da comissão parlamentar de inquérito.
Coube ao primeiro-ministro abrir o debate. Luís Montenegro assumiu desde logo estar "disponível" para prestar mais esclarecimentos à oposição, a uma eventual comissão parlamentar de inquérito (CPI) ou à Procuradoria-Geral da República.
Como "quem não deve, não teme" e, considerou, "esta é a hora da clarificação", o chefe de Governo desafiou o PS a dizer quais eram as questões que queria ver esclarecidas. Em contrapartida, suspendia a sessão.
O que nos choca e lamentamos é a postura do maior partido da oposição. Não resistiu à insinuação. Se o PS quisesse escrutínio tinha apresentado as suas perguntas, mas não o fez.
As respostas que se seguiram não foram otimistas, com os partidos políticos da oposição a não poupar críticas a Montenegro. O PS acusou o primeiro-ministro de estar "zangado" com uma crise desencadeada por ele próprio e a bola andou sempre assim: ora de um lado, ora do outro.
Pedro Nuno Santos apelou ao Governo para retirar a moção de confiança e aceitar a CPI, algo que considerou "fundamental para dissipar qualquer suspeita sobre o primeiro-ministro". Por seu lado, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, admitiu que estavam reunidas as "condições para haver consenso" para “proteger as instituições” e pediu, por isso (e sem sucesso), a suspensão dos trabalhos por meia hora. A ideia da AD e do Governo era então, nesses 30 minutos, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos reunirem-se para chegar a um eventual acordo.
A suspensão não foi à primeira, porque, para os socialistas, "os esclarecimentos não são ao PS, são em público", mas à segunda: o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, acabou por suspender o debate da moção de confiança durante uma hora a pedido do deputado Paulo Núncio, do CDS.
Por esta altura, discutia-se a duração da CPI. Seriam 15, 60 ou 90 dias? Hugo Soares pediu um "prazo razoável" para não "enlamear" o país, mas defendeu que 90 dias era "demasiado tempo com insinuações e falsidades" sobre o primeiro-ministro. Entretanto, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Pedro Duarte, adiantou que o Governo propôs o final de maio como prazo limite para ter as conclusões da CPI “e a partir daí o país poder continuar a andar para a frente”.
“Infelizmente aquilo que tivemos foi uma recusa liminar. O PS não só não apresentou nenhuma contraproposta como disse que não alteraria um milímetro daquilo que era a sua posição. Perante esta circunstância, nós infelizmente temos de concluir que parece que o PS está mesmo fortemente empenhado em que o país mergulhe numa crise política”, prosseguiu Pedro Duarte.
Poucos minutos depois, a Assembleia da República chumbava a moção de confiança apresentada pelo Governo. Votaram contra o PS, Chega, BE, PCP, Livre e PAN. A favor estiveram o PSD, CDS-PP e IL.
De novo a caminho de legislativas antecipadas, Pedro Nuno Santos lamentou o que se passou no Parlamento e acusou o Governo de usar a moção de confiança para desviar atenções da CPI apresentada pelo PS: a atuação do Executivo “foi vergonhosa”.
Isto foi tudo mau. Não é digno da nossa democracia, nem da forma como os partidos se devem relacionar entre si.
O secretário-geral do PS garantiu que não houve nenhuma conversa com o primeiro-ministro e rejeitou que tenha havido qualquer negociação para a CPI: “Quiseram passar a ideia de intransigência do PS, mas os portugueses não são tontos."
Do lado do Chega, o líder André Ventura considerou que o debate desta terça-feira foi um "conluio direto" entre PSD e PS para ver quem "salva Portugal". No fundo, afirmou, "um arranjinho de última hora" que é demonstrativo do "estado" a que o país chegou.
À esquerda, o PCP classificou a moção de confiança como uma "fuga em frente" do primeiro-ministro, para "evitar que se retirassem as devidas conclusões". O Livre, BE e PAN lamentaram a falta de respostas de Luís Montenegro - que, consideraram, arrastou "o país para esta crise política".
Depois de chumbada a moção de confiança, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, convocou os partidos para audições no Palácio de Belém, na quarta-feira, e o Conselho de Estado, para o dia seguinte.
Uma empresa familiar e um alegado conflito de interesses: o caso que levou à queda de Montenegro
A polémica começou a 15 de fevereiro, quando o jornal Correio da Manhã avançou que a família de Luís Montenegro era detentora de uma empresa imobiliária. A controvérsia está, precisamente, no objeto social muito abrangente da mesma, que prevê a prestação de serviços de “consultoria de gestão, orientação e assistência operacional às empresas ou a organismos (inclui públicos) em matérias muito diversas”, como “o comércio e a gestão de bens imóveis, próprios e de terceiros, incluindo a aquisição para revenda, arrendamento e outras formas de exploração económica”. Prevê igualmente a “exploração agrícola, turística e empresarial, a exploração de recursos naturais e produção agrícola, predominantemente vitivinícola”.
Apontava-se, assim, um potencial conflito de interesses, tendo em conta as alterações à lei dos solos, promovidas pelo Governo. Essas alterações permitem, entre outros aspetos, a reclassificação de solos rústicos para solo urbano, desde que para fins de habitação ou conexos. Uma situação que, nas palavras do PS, é "muito semelhante" com a de Hernâni Dias, o ex-secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território que acabou por demitir-se após ter sido, segundo Luís Montenegro, “imprudente” ao criar duas imobiliárias familiares (já depois de integrar o Governo).
A celeuma instalou-se, com a oposição, nomeadamente o PS e o Chega, a pedirem explicações ao primeiro-ministro.
*Com Ana Sousa, Carolina Quaresma, Cláudia Alves Mendes e Francisco Nascimento