Plano de Trump para "limpeza étnica" em Gaza "não é surpresa": "Caminho preparado por Biden apoia política de extermínio"
Em declarações à TSF, o professor Marcos Farias Ferreira acredita que, graças à força dos Estados Unidos, Trump pode mesmo conseguir concretizar o plano: "A máquina de ajuda militar e económica dos Estados Unidos é muito poderosa"
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Donald Trump defendeu, no sábado, que as nações árabes, como a Jordânia e o Egito, deveriam receber mais refugiados palestinianos da Faixa de Gaza, retirando potencialmente uma parte suficiente da população para "simplesmente limpar" o território. As palavras do Presidente norte-americano não surpreenderam Marcos Farias Ferreira, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, que defende que o plano de Trump resulta, em boa parte, da política assumida pela Administração Biden e pelos países europeus.
"Não deve ser surpresa nenhuma para ninguém que Trump venha, de uma forma despudorada, defender algo que é um crime internacional, uma violação clara de direitos do direito internacional e que aponta para aquilo que vão ser os próximos quatro anos", afirma à TSF Marcos Farias Ferreira, reconhecendo "uma dificuldade imensa de concretizar uma solução justa para a causa palestiniana".
"Também não deve ser surpresa nenhuma, porque este é o caminho preparado pela Administração Biden, que apoiou a política de extermínio da população de Gaza nos últimos 15 meses e, portanto, há uma política de alinhamento, de ajuda e de apoio incondicional àquilo que é um plano muito claro do Governo israelita e que foi apoiado pelos Estados Unidos, mas também pelos europeus, pelas instituições europeias e pela generalidade dos governos europeus", considera.
Donald Trump justifica as suas declarações com a destruição deixada pela guerra. Para Marcos Farias Ferreira, a escolha de palavras do líder da Casa Branca não foi inocente. "Estas palavras vão muito além da semântica, não é uma mera utilização vaga da palavra 'limpar'."
"Trump explicou exatamente aquilo que é a posição desta Administração quanto à questão da Palestina e quanto à questão de Gaza, que é expulsar a população palestiniana de Gaza para os países vizinhos, como a Jordânia e o Egito. Isso tem um nome: é limpeza étnica. A Administração Trump tem esta visão alinhada com aquilo que há muito tempo é a posição oficial do Governo de Israel", sublinha.
O professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas acredita que, graças à força dos Estados Unidos, Trump pode mesmo conseguir concretizar o plano. "Certamente que a pressão dos Estados Unidos vai ser grande, de forma mais coerciva, utilizando a própria ajuda dos Estados Unidos. Eu lembro, por exemplo, que Trump cancelou todo o tipo de ajuda internacional, exceto para Israel e para o Egito. Portanto, é possível que, através de instrumentos pacíficos, esta Administração vá pressionar os países vizinhos para que esta solução seja adotada", explica, acrescentando que "o mundo árabe e islâmico têm-se oposto não só por uma questão económica, não só por uma questão prática, mas também porque, a concretizar-se, põe em causa uma solução justa para as aspirações palestinianas".
"Eu diria que está dentro do horizonte dos possíveis, porque a máquina de ajuda militar e económica dos Estados Unidos é muito poderosa", termina.
No sábado, a bordo do avião presidencial, Trump disse aos jornalistas que mencionou o plano num telefonema com o rei Abdullah II, da Jordânia, e que falaria este domingo com o Presidente do Egito, Abdel Fattah el-Sissi.
"Gostava que ele levasse as pessoas. Gostaria que o Egito acolhesse pessoas. Estamos a falar de, provavelmente, um milhão e meio de pessoas, e simplesmente limpamos tudo e dizemos: 'Acabou'", acrescentou o chefe de Estado norte-americano.
Trump elogiou a Jordânia por ter aceitado mais refugiados palestinianos após o início da guerra entre Israel e o movimento palestiniano Hamas.
"Adorava que aceitasse mais [palestinianos], porque estou a olhar para a Faixa de Gaza inteira agora e está uma confusão. É uma verdadeira confusão", indicou o líder republicano, referindo-se ao que disse a Abdullah II.
Por sua vez, o ministro das Finanças israelita, Bezalel Smotrich, do partido de extrema-direita, considerou "uma excelente ideia" a proposta do Presidente norte-americano, Donald Trump, de "limpar" a Faixa de Gaza e enviar palestinianos para países da região.
"Depois de anos a glorificar o terrorismo, [os palestinianos] serão capazes de estabelecer uma nova e bela vida noutro lugar", acrescentou Smotrich, cujo partido é essencial para a coligação governamental de Benjamin Netanyahu, num comunicado.
Durante anos, acrescentou, os políticos propuseram "soluções impraticáveis", como a divisão de terras e a criação de um Estado palestiniano, "que põem em perigo a existência e a segurança do único Estado judeu do mundo", acrescentou.
"Só o pensamento inovador com novas soluções trará uma solução de paz e segurança. Trabalharei, com a ajuda de Deus, com o primeiro-ministro e o gabinete para garantir que haja um plano operacional para implementar isto a partir do mais próximo possível", sublinhou Smotrich.
Já os palestinianos prometem destruir a proposta do Presidente norte-americano de os deslocalizar para outros países, "tal como destruíram todos os projetos de deslocação [...] durante décadas", disse um alto responsável do Hamas.
"Confirmamos que o nosso povo, com todo o seu apoio, é capaz de reconstruir Gaza", afirmou Bassem Naïm, membro do gabinete político do movimento islamita palestiniano, contactado telefonicamente pela agência noticiosa France-Presse (AFP)
A proposta de Trump foi também rejeitada pela Jihad Islâmica, movimento islamita palestiniano aliado do Hamas em Gaza, que, num comunicado, sublinhou que a ideia de transferir palestinianos para países da região encoraja os "crimes de guerra e crimes contra a humanidade".
"[As] declarações deploráveis [de Donald Trump] alinham-se com os piores aspetos da agenda da extrema-direita sionista e continuam a política de negar a existência [...] do povo palestiniano", acrescentou o movimento, insistindo que as palavras do Presidente dos EUA encorajam "a perpetração contínua de crimes de guerra e crimes contra a humanidade".