NATO em guerra contra os russos? Alerta de Putin é "forma de criar medo na totalidade dos países" da aliança atlântica
As explicações são de Arnaut Moreira. Em declarações à TSF, o major general refere que a afirmação do presidente russo faz parte da estratégia da "guerra psicológica" de Putin
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O Presidente russo, Vladimir Putin, avisou, na quinta-feira, os países ocidentais que uma autorização do Ocidente para o uso de mísseis de longo alcance contra a Rússia significaria que a NATO está em "guerra" contra os russos. Em declarações à TSF, Arnaut Moreira, especialista em geopolítica, considera que esta afirmação não é mais do que uma forma de criar medo entre os países da NATO, como parte da estratégia da "guerra psicológica" de Putin.
"A NATO não tem armas, quem tem armas são os países da NATO. A NATO não dá arma nenhuma, porque a NATO não tem armas para dar. Os equipamentos militares que a NATO utiliza pertencem aos países, são dos países e são os países que libertam esses equipamentos ou não. Dizer que a NATO deu armas ou que a NATO vai entrar em conflito porque a Grã-Bretanha e os Estados Unidos libertaram autorização para empregar armas que são suas, essas armas são suas e responsabilizam esses países. Essas armas não são da NATO. Trazer a NATO para dentro da discussão destina-se sobretudo a duas coisas: por um lado, criar medo na totalidade dos países da NATO, por outro, justificar perante a opinião pública interna na Federação Russa de que o inimigo que defronta a Federação Russa não é Ucrânia, mas é a NATO, e isso justifica a imensa dificuldade em atingir objetivos rapidamente", explica à TSF Arnaut Moreira.
O major general Arnaut Moreira descreve aquelas que são as preocupações russas neste momento. "O que preocupa a Federação Russa é que, a partir do momento em que os alcances dentro da Federação Russa começam a aumentar consideravelmente, também é mais difícil gerir politicamente a estabilidade do regime pelo Kremlin."
Para o especialista, "as consequências na Federação Russa não são apenas de natureza militar, mas são também consequências políticas". "Enquanto o conflito se produz apenas naquilo que é a periferia das suas fronteiras, a Federação Russa pode dizer que garante a segurança da população russa, mas a partir do momento em que há centenas de quilómetros no interior do território russo que vão poder passar a ser batidos isso traz também uma alteração daquela imagem de normalidade, que é a imagem que o Kremlin procura passar desde que lançou aquilo que chama a sua operação militar especial", esclarece.
Os chefes da diplomacia do Reino Unido e dos Estados Unidos estiveram em Kiev e o pedido da Ucrânia para usar mísseis de longo alcance vai estar, esta sexta-feira, na mesa de conversas entre Joe Biden e o primeiro-ministro britânico, na Casa Branca. Arnaut Moreira afirma que este pedido ucraniano surge na sequência de uma medida tomada pela Rússia.
"Antony Blinken foi muito claro a dizer que a Federação Russa introduziu uma alteração no cenário. É que tendo Antony Blinken já garantido que a Federação Russa recebeu, a partir do Irão, os mísseis balísticos Fath-360, isto introduz também uma alteração muito qualitativa naquilo que é a capacidade operacional da Federação Russa. Nesse sentido, isso poderia justificar uma alteração da posição política da autorização do emprego deste novo tipo de armas, portanto, de alguma maneira, também sem querer, parece-me a mim, talvez um pouco descuidadamente, a Federação Russa não terá lido que a importação de mísseis balísticos a partir do Irão poderia ter como consequência a libertação, por parte dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de outros países que fornecem este tipo de armas, e a autorização para que essas armas possam ser utilizadas no interior da Federação Russa", refere, sublinhando ainda as consequências que estas movimentações diplomáticas podem ter na escalada do conflito na Ucrânia, que dura há mais de dois anos e meio.
"A escalada da guerra pode ser feita de duas maneiras. A primeira é aquilo que eu chamo 'escalada tecnológica do armamento', isto é, um dos contendores utiliza um tipo de equipamento com uma tecnologia nova e o outro sente-se liberto do ponto de vista moral e do direito internacional para poder replicar o mesmo tipo de tecnologia", explica.
No caso da Federação Russa, "já chegou ao final". "Enquanto do ponto de vista do Ocidente há milhares de sistemas novos tecnologicamente avançados que podem continuar a ser fornecidos à Ucrânia, a Federação Russa já esgotou os seus melhores sistemas, tudo aquilo que poderia utilizar do ponto de vista convencional e tecnológico já não tem capacidade - e a falta dessa capacidade está visível no facto de ter começado a ir buscar tecnologia norte-coreana e iraniana", assegura.
O major general considera que os Estados Unidos têm razões para mostrar mais cautela do que o aliado britânico em dar "luz verde" a este pedido da Ucrânia, nomeadamente, porque podem ser mediadores do conflito.
"O Reino Unido tem menos responsabilidades no sistema internacional do que têm os Estados Unidos. Isso faz muita diferença. Se nós formos ver, os Países Bálticos foram os primeiros a libertar, porque também têm menos responsabilidades no sistema internacional. Os Estados Unidos, que lideram a esta ordem mundial, têm um nível de responsabilidade tão grande, que, por um lado, não querem fazer sozinhos, isto é, não querem libertar sem ter a certeza de que são imitados, de que são seguidos pelas outras grandes democracias liberais, nomeadamente por aquelas que dispõem este tipo de armamento, como a França, a Inglaterra ou a Alemanha. Por outro lado, porque sentem a responsabilidade de que, no final, os Estados Unidos provavelmente serão mediadores deste conflito e desta solução", assinala.
Arnaut Moreira explica que "como mediadores futuros num espaço de tempo que nós não estamos ainda a ver, nem a delimitar também não querem complicar a sua situação de mediador desse conflito". "É muito natural que tenham muitas cautelas naquilo que são as soluções que têm para que, do ponto de vista militar, a Ucrânia possa equilibrar esta guerra do ponto de vista dos armamentos e das autorizações", acrescenta.
A Ucrânia tem vindo a pedir autorização para atacar alvos no interior do território russo com mísseis fornecidos por países como os Estados Unidos e Reino Unido. Ainda esta quinta-feira, o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, criticou o "atraso" nas discussões sobre esta questão.
Até agora, os Estados Unidos, em particular, têm-se recusado a fazê-lo por receio de uma escalada que poderia levar a um conflito direto com a Rússia, uma vez que ambos os países são potências nucleares. No entanto, quarta-feira, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, prometeu a Kiev que iria analisar os pedidos militares da Ucrânia "com caráter de urgência".
A Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022, com o argumento de proteger as minorias separatistas pró-russas no leste e "desnazificar" o país vizinho, independente desde 1991 - após a desagregação da antiga União Soviética - e que tem vindo a afastar-se do espaço de influência de Moscovo e a aproximar-se da Europa e do Ocidente.
A guerra na Ucrânia já provocou dezenas de milhares de mortos de ambos os lados, e os últimos meses foram marcados por ataques aéreos em grande escala da Rússia contra cidades e infraestruturas ucranianas, ao passo que as forças de Kiev têm visado alvos em território russo próximos da fronteira e na península da Crimeia, ilegalmente anexada em 2014.
Já no terceiro ano de guerra, as Forças Armadas ucranianas confrontaram-se com falta de soldados e de armamento e munições, apesar das reiteradas promessas de ajuda dos aliados ocidentais, que começaram, entretanto, a concretizar-se.