José Sócrates sobre Mário Soares: "Era um reativo primário que exercia uma liderança de coragem"
Em entrevista à TSF, José Sócrates recorda o político e amigo Mário Soares, referindo que a relação entre os dois "transcendia a política, era uma verdadeira relação de amizade"
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No dia em que a Assembleia da República assinala o centenário do nascimento de Mário Soares, José Sócrates não está presente. O amigo do antigo presidente da República recusou o convite protocolar do Parlamento porque, diz, “tem um conflito com o Estado português, que é um conflito público e conhecido". "Por isso, não desejo estar em nenhuma cerimónia de Estado enquanto tiver este conflito", adianta, em entrevista à TSF, acrescentando ainda que não quer que a sua presença desvie as atenções do que é essencial nesta cerimónia de homenagem a Mário Soares.
A ausência da sessão solene, que decorre na véspera do aniversário de Soares, não o impede de relembrar o político e o amigo. Sócrates define-o como um homem de coragem que exerceu sempre uma liderança no PS, no Governo e enquanto Presidente da República, marcada “por uma coragem e uma vontade assumida de apontar um caminho e convidar os portugueses a segui-lo. Nunca foi um homem que se deixasse levar pelo calculismo, pela carreira, mas sempre procurou servir o seu país."
O antigo primeiro-ministro não esquece também o temperamento impulsivo de Soares e classifica-o, “de certa forma, com um reativo primário”. Para Sócrates, essa característica levou-o a momentos de rotura “sempre motivados por uma grande convicção e, portanto, por um movimento de impulso incontrolável”. O antigo chefe de governo lembra a rotura do socialista com o antigo regime, com o PCP, com o próprio PS e com o general Ramalho Eanes, quando decidiu não o apoiar na sua segunda candidatura.
Neste caso, afirma, “foi uma rotura assumida por forma a dar expressão ao sentido civilista da democracia que ele defendia e de terminar com uma certa tutela militar que existia no nosso país e que existiu durante uns anos a seguir à Revolução do 25 de Abril".
Além do político, há também a recordação do homem e do amigo. Memórias que vão para lá dos gestos grandiosos que passam pelo reconhecimento das imperfeições e dos erros. Questionado sobre se Mário Soares tinha essas imperfeições, o antigo chefe de Governo responde que sim, mas Sócrates sempre adorou "os homens imperfeitos". "Nunca acreditei em homens perfeitos e sempre detestei os anjinhos. Eu gosto dos homens que são, como todos, imperfeitos, pecadores e que assumem essa condição de humanos e nunca acreditei naqueles que se acham sobre-humanos."
A amizade entre Soares e Sócrates consolidou-se durante a campanha em 2007 e nunca mais desapareceu. Sócrates reconhece que, nos últimos anos de vida, o antigo Presidente tornou-se muito importante para si, pelo apoio que lhe deu enquanto esteve preso em Évora, e assume que a relação “transcendia a política, era uma verdadeira relação de amizade".