À boleia da libertação de Auschwitz, um aviso sobre crescimento da extrema-direita: "Não são as mesmas, mas circunstâncias são semelhantes"
À TSF, o historiador Fernando Rosas explica que "sem resolver os problemas essenciais da vida das pessoas, a extrema-direita continua a cavalgar com êxito o descontentamento, a frustração e a indignação"
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As circunstâncias não são exatamente as mesmas de há quase cem anos, mas o crescimento atual da extrema-direita tem semelhanças com o que aconteceu com o nazismo e o fascismo nos anos 1930. Quem o diz é o historiador Fernando Rosas que, à boleia do 80.º aniversário da libertação de Auschwitz, afirma que é preciso resolver os problemas das pessoas para que os regimes liberais não caiam.
"A primeira crise histórica dos sistemas liberais acabou no fascismo e na guerra. A segunda crise histórica dos sistemas liberais, que é aquilo a que assistimos e é o que eu trato no livro, está a conduzir ao aparecimento de novos tipos de regime, a um ambiente de guerra muito parecido com o de 1939, e nós não sabemos como é que acaba. Só sabemos uma coisa: é que sem resolver os problemas essenciais da vida das pessoas, a extrema-direita continua a cavalgar com êxito o descontentamento, a frustração e a indignação das pessoas com esta governação neoliberal e centrista, que tem governado os países da Europa", disse Fernando Rosas à TSF.
O historiador alerta para as diferenças entre a extrema-direita de então e a de agora: "A história deixou uma memória e é exatamente por, apesar de tudo, haver uma memória histórica que as coisas não são exatamente iguais àquilo que se passou nos anos 1920 e 1930. Ou seja, é por causa disso que a extrema-direita se tem que transfigurar, simular, disfarça de aceitação da democracia, do parlamentarismo, e de desistência da violência, etc. Esse disfarce deve-se ao facto de que exatamente há uma memória do que foi o fascismo e o nazismo. Agora, esse tipo de ideias tendem a florescer historicamente em circunstâncias históricas semelhantes. Não são a mesma coisa, mas as circunstâncias são semelhantes."
Fernando Rosas tem uma vasta obra sobre portugueses afetados pelo regime de Hitler e é coautor do livro "O Essencial sobre os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich", que motivou uma exposição que, por estes dias, está patente no Museu do Neorrealismo, em Vila Franca de Xira,
"Auschwitz é campo de misto, de extermínio e de concentração, ou seja, de extermínio imediato de quem lá chegava ou de trabalho escravo, nomeadamente trabalho escravo para as indústrias de guerra e para grandes empresas alemãs. Tinha duas modalidades de trabalho que era o trabalho escravo propriamente dito e o extermínio imediato, ou seja, era um campo que tinha essa dupla face. Passaram por lá, 1,3 milhões de pessoas. Foram assassinadas no campo um milhão de pessoas, o que significa que pouca gente sobreviveu ao horror do campo e, portanto, tornou-se um símbolo daquilo a que o fascismo e o nazismo puderam fazer, até onde foram capazes de ir", aponta.
Em 1933, pouco tempo depois de Hitler ascender ao poder, o parlamento alemão sofreu um incêndio, que acabou por destruí-lo quase na totalidade. O regime nazi atribuiu a culpa a um ativista do partido comunista, mas muitos historiadores acreditam que o incidente foi da autoria de um membro do partido nazi, de modo a dar um pretexto a Hitler para ganhar mais poderes e colocar em prática aquilo que pretendia para a Alemanha.
"Pergunta-me, vai haver um novo incêndio do Reichstag? Metaforicamente, provavelmente isso pode acontecer. É preciso é que a resistência cidadã possa ou impedir que isso aconteça ou responder adequadamente se isso acontecer. Isso é um problema em aberto, ou seja, eu acho que no mundo atual, quer no que respeita à paz e a oposição à guerra que os tambores da guerra estão soar por todo o lado, quer no que respeita à política externa internacional, etc, quer no que respeita às políticas internas de progressão da extrema-direita fascizante, está em aberto. E repito: oxalá não cheguemos tarde", espera.
