Perto de Avis, Fernando Pimenta prepara a participação nos quartos Jogos Olímpicos da carreira. O treinador já perdeu a conta ao número de medalhas. Pimenta e Hélio Lucas partilham a vontade de elevar o ritmo até Paris
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“Fazemos mais uma?”. A cinco metros de distância, Fernando Pimenta responde ao treinador. “Se fazemos mais uma? Claro que fazemos, temos de fazer, tem de ser." É ténue a fasquia entre o limite da intensidade do treino de um atleta olímpico e o risco de fadiga que impeça o rendimento no momento crucial. Fernando Pimenta sabe disso, mas também sabe onde tem de estar para se bater com a concorrência nos quartos Jogos Olímpicos de uma carreira sem paralelo em Portugal.
São cerca das 10h00. Há uma pequena descida de terra batida entre o ginásio e a água onde Fernando Pimenta prepara os jogos de Paris durante um estágio no Alentejo. Estamos na barragem do Maranhão, construída sobre a ribeira de Seda, perto de Avis. Esta é uma manhã amena para o mês de julho neste local. Estão 28 graus, alguns graus menos do que nos últimos dias.
0 metros
“Hoje ele está algo cansado, mas é normal nesta fase”, assume Hélio Lucas. O treinador de Fernando Pimenta há mais de vinte anos - e há mais de 140 medalhas em provas internacionais -, encaminha-nos para um pequeno barco de borracha colocado no cais.
O barco é mais curto do que o caiaque de Fernando Pimenta, tem um formato arredondado, ao centro um assento que coloca o condutor numa posição cimeira. Há ainda um altifalante preso do lado direito, ligado ao sistema de som, um cabo que leva até um microfone junto à boca do treinador.
Para onde devemos olhar ao assistir ao treino de Fernando Pimenta? “Há que ter atenção à cadência em que vai, à velocidade, à amplitude de remada, se a técnica está boa - os pulsos altos ou não -, qualquer movimento deve ser no sentido de dar maior capacidade de deslocamento ao barco”, explica Hélio Lucas. “Aqui há corrente, espere um pouco, agora vamos acelerar”.
100 metros...
“Estás bem para fazer aqui?”, pergunta o treinador. Pimenta concede com um gesto afirmativo. “Vamos então fazer aqui”. Rápidas instruções sobre o objetivo de intensidade e a distância a cumprir. As bóias dão informação espacial a Fernando Pimenta no trajeto retilíneo.
Estão espalhadas pela água boias que apontam as distâncias percorridas. Boias laranja, muitas, algumas brancas e outras amarelas. Start, stop. Parar, reiniciar. A frequência de remada, a velocidade, a distância a percorrer são elementos discutidos entre treinador e atleta. É assim há vinte anos entre Hélio Lucas e Pimenta.
200 metros...
“Até passar a bacia, e, depois, vrummmm. O movimento é distendido, com rotação, distendido para agarrar. Ao passar a anca um impulso forte. Sai, roda para acrescentar à frente, ok? Ainda podes agarrar muito mais à frente, temos vindo a falar nisso”. Forte, mais forte.
300 metros...
“Esta prova olímpica em Paris vai ser muito disputada. O nível competitivo está muito alto. Esta categoria de K1 1000 metros tem sempre dois atletas húngaros, dois alemães (risos), só aí já vão quatro candidatos ao pódio - que só tem três lugares -, depois o australiano, o bielorrusso, aqui o meu colega (atleta argentino), e eu, também me posso colocar nesse lote de possíveis medalhados. Mas o lote é bastante grande, há também os dois espanhóis. Há que dar o nosso melhor”, explica Fernando Pimenta. Aos 34 anos, encara a quarta participação em Jogos Olímpicos.
400 metros...
Aos 34 anos, Fernando Pimenta busca o ouro olímpico, após a prata em K2 1000 metros de Londres 2012 - com Emanuel Silva -, e o bronze em Tóquio 2020.
500 metros, uma boia branca
“Vamos com muita potência, ok? Prepara e … yup … pup … pup … pup… aceleração à frente, sem deixar perder”. O megafone dá uma ajuda. Fernando Pimenta vira um pequeno relógio que tem no barco. O atleta quer mais informações sobre o que conseguiu fazer. “Vamos esquecer o relógio, ok?”, reage o treinador. Metros à frente há mais a fazer. A água está calma.
600 metros
“Neste dias é treinar e descansar, treinar e descansar, treinar e descansar, é este a rotina. Não dá para muito mais, não podemos interferir com a performance”, resume Fernando Pimenta. “O dia a dia é ocupado com treino. Temos feito entre duas a quatro sessões de treino por dia. Um dia inteiro quatro sessões, à terça e à quinta apenas de manhã, duas sessões”.
O estágio em Avis já vai longo. Em breve Fernando Pimenta muda-se de pagaias e bagagens para Montemor-o-Velho. É lá que vai discutir os nacionais de canoagem antes de partir para Paris.
700 metros
“Agora recuperamos mais. Um minuto e pouco”. A voz do treinador está agora mais serena. “Hãn?”. A distância entre barcos não ajuda ao diálogo. “Agora reparamos um minuto e quarenta!”. O treino entra na reta final mas ainda há objetivos de intensidade a atingir, mesmo que seja necessário dar ao corpo uma pausa mais longa.
Fernando Pimenta não quer travar. Agora Paris, e, depois, sem dúvida, Los Angeles em 2028.
“Têm sido [tempos de ]muita intensidade física e psicológica. Muito tempo longe de casa, muito tempo longe da família. Muitos estágios e tudo isso começa a pesar bastante. Tenho vindo a falar disso com o meu treinador. É certo que há pessoas que dizem que eu devia terminar (risos). Mas eu ainda é bastante cedo para terminar a minha carreira, ainda me sinto com capacidade para aguentar mais um ciclo olímpico e, depois terminar como eu desejo, com uma competição em Portugal ao mais alto nível”.
800 metros
Está desenhado um plano para depois dos Jogos de 2024. As férias ficam para o outono. “Só temos planeado parar a 22 de setembro. Depois dos Jogos vêm os mundiais de distâncias não olímpicas, já estou apurado para algumas categorias: K1 5.000 metros, K1 500 metros. Depois, quero fazer uma prova de k4 misto. Três semanas depois tenho o mundial de maratonas, e quero dar o meu melhor para revalidar o título de short-race (k1) e, com o meu colega José Ramalho, revalidar o título de k2 maratona”.
900 metros
Não há pausas mais longas do que o suposto. “Faltam 20, agora 15 segundos. Muito mais perna no movimento. Stoooop”.
“A concorrência tem sido sempre grande. Falamos de potências mundiais como a Alemanha, a Hungria, a Chequia, que são países que investem muito no desporto. Dentro deste lote, o Fernando é o atleta com mais idade. Há sempre jovens que vão aparecendo, gerações que chegam, e ele é o único que se tem mantido a bater-se com os mais jovens. Penso que se chegar à final [em Paris 2024, k1 1.000 metros], com uma pontinha de sorte, pode nos poder brindar com um bom resultado”, atesta o treinador, Hélio Lucas.
“O Fernando está próximo do seu melhor, vamos fazer agora uma etapa final de preparação. Ele já mostrou este ano, nas taças do mundo e no campeonato da Europa, ele está a um bom nível. É lógico que queremos que ele esteja no seu auge nos Jogos Olímpicos. Por isso, há que cuidar mais dessa última parte da preparação. Em termos físicos e de experiência está no seu auge”.
1000 metros, boia amarela, stop
Os últimos segmentos do treino revelam uma maior intensidade. O sol está perto do ponto mais alto. É hora de repousar o corpo. Fora do caiaque, ao lado do ginásio, uma pequena máquina controla a temperatura de uma banheira de crioterapia. Dos 28 graus de Avis para os oito graus da água, à sombra do edifício do ginásio.
Só com muita ambição se chega às 144 medalhas na carreira. Fernando Pimenta conta os dias para as provas de qualificação. “Faltam duas semanas mas deviam faltar dois meses”.