Tiago Oliveira: "Estamos muito longe de poder subscrever um acordo desta dimensão"

Tiago Oliveira, o secretário-geral da CGTP
Rita Chantre
O secretário-geral da CGTP diz, numa entrevista à TSF e ao JN, que a prioridade é responder às prioridades diárias das pessoas. E considera assustador e enviesado, o debate instalado sobre a imigração, onde fala de limites à entrada de pessoas, mas não da exploração a que estão sujeitos os trabalhadores imigrantes.
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Gosta deste governo que aumenta, ou anuncia que vai aumentar os salários aos polícias, aos militares, aos professores, aos médicos, aos enfermeiros... Isto, lido assim, parece música para os ouvidos de um sindicalista?
É importante discutir aquilo que de facto faz a diferença na vida das pessoas. Que governo é que nós temos? A CGTP, tem dito desde o início que não podemos esquecer o passado das políticas que nos conduziram até aqui. Se hoje a análise que fazemos das dificuldades que todos nós sentimos, sejam professores, sejam médicos, seja no setor público, no privado, se temos estas dificuldades que temos, obviamente é fruto de políticas que têm sido seguidas. Políticas de décadas, e não de há quatro ou cinco anos. E esse rumo de degradação das condições de vida e de trabalho, obviamente tem rostos e tem culpados. E a CGTP denuncia isto desde o início. Não é com este governo que a gente vai encontrar um caminho diferente. Seja no que diz respeito à valorização dos salários, seja no que diz respeito à valorização das condições de vida, ou à alteração da legislação de trabalho. Aquilo que nós denunciamos - e já denunciamos isto por várias vezes - é que basta olhar para aquilo que é o compromisso que este governo tem no seu programa para ver aquilo que está a ser discutido em sede de Concertação Social, para percebermos por onde é que pende e qual é o caminho que pretende seguir. Portanto, não é de facto um governo que vai alterar aquilo que são décadas deste rumo e este rumo é que nos conduz a salários de miséria, a dificuldades, a termos um mês com dias a mais para o salário que temos. E, obviamente, o nosso ponto de vista é isto tudo. Temos que romper, temos que mudar de políticas, temos que olhar para quem é a maioria. E a maioria são os trabalhadores, são os reformados, são os jovens, e só com outra política é que isso é possível.
Então, mas estes aumentos não são satisfatórios? Estes que têm sido anunciados ou que têm sido mesmo concretizados, em alguns casos?
A questão central e aquilo que é preciso afirmar é que estes aumentos que aconteceram, são fruto não de uma posição determinada pelo PSD, mas sim da luta de todos esses trabalhadores. Nós não podemos esquecer que a luta dos professores tem mais de seis anos. Determinada, focada, aguerrida, combativa. A luta dos profissionais de segurança, igualmente. E, obviamente, aquilo que este governo procurou foi capitalizar esse descontentamento para na campanha eleitoral avançar com medidas que respondessem, de facto, a todo esse descontentamento que existia. Corresponde a todo esse descontentamento que existia. Não quero dizer que tenham sido satisfeitas na plenitude, porque há obviamente muitas coisas que necessitam de resposta, mas foi a luta deles, foi a luta determinante que permitiu que esse rumo fosse seguido. E aquilo que a CGTP tem dito é que é com a luta dos trabalhadores que a gente irá conseguir inverter o rumo que está aí pela frente de continuação de medidas de dificuldade e de incerteza que temos para o futuro.
Vamos então à questão do salário mínimo. A CGTP quer 1000 € já em janeiro, é um aumento de 180 €. O Governo apresenta aos parceiros uma proposta de um aumento de 50 € ao ano até 2028, ou seja, serão 1020 € no último ano de mandato, isto a partir do princípio que o mandato deste Governo vai ser cumprido. A diferença está entre um aumento anual de 20% proposto pela CCTP e de mais de 4% ao ano no caso do Governo, que de resto propõem aumentos semelhantes para os restantes salários. Com a inflação a 2%, pergunto-lhe, onde é que estão as virtudes e os defeitos destas duas estratégias?
Nós não temos esperança que a política vá ser diferente. Aquilo que o Governo propõe de aumento de atingir os 1.020 euros em 2028, indo 20 euros acima daquilo que era a proposta inicial, no nosso ponto de vista não responde às necessidades emergentes que todos nós sentimos no nosso dia-a-dia. A CGTP tem dado números concretos que justificam esta reivindicação que temos de atingir os mil euros já a partir de 2025, já era a nossa reivindicação para este ano. E um dado concreto, por exemplo, está transcrito na nossa política reivindicativa só para termos uma verdadeira dimensão daquilo que tem sido o peso brutal que incide sobre quem trabalha. A média de aumento das taxas no crédito de habitação, desde dezembro de 2021 até dezembro de 2023, é de mais de 50%, cerca de 52%. Nós contactámos trabalhadores todos os dias e esses trabalhadores, aquilo que nos perguntam todos os dias, é como é que 300€, 400€ ou 500€, vão responder a este tipo de aumento. Não é com 50€. Nós podíamos desejar ter um país de grandes empresas, como as associações patronais costumam dizer. A verdade é que nós temos um país que a realidade é esta, um país onde 90% das empresas são micro e pequenas empresas. Nas microempresas, 91% das vendas é para consumo interno. Nas pequenas empresas, 86% das vendas é para consumo interno. Portanto, estamos a falar que 90% das empresas, a nível nacional, que dependem praticamente do consumo interno. E, do nosso ponto de vista, e o passado recente demonstra isso, só com a valorização dos salários é que conseguimos alavancar a economia e pôr o país a andar para a frente. Porque se depois olharmos para o reverso da medalha, aquilo que nós vemos é que as grandes empresas, essas que mais têm e que são os 19 principais grupos económicos do país têm 33 milhões de euros de lucros limpos por dia. Portanto, são duas realidades. E o que nós entendemos é que há capacidade, o país precisa e há necessidade de aumentar, de facto, o salário de forma significativa. E esse aumento da parte da CGTP é, atingimos os mil euros já no início de 2025, mas sendo já uma proposta que decorre da nossa reivindicação para 2024.
Mas, então, podemos concluir que não encontra virtudes, não obstante, ir além daquilo que estava consertado com o Governo anterior.
Aquilo que estava consertado com o Governo anterior e que a CGTP não subscreveu, confirma-se hoje porque é que não subscreveu. Aquilo que foram os valores do Acordo de Rendimentos que foi subscrito, não serviu da alavanca dos salários. Porque se servisse da alavanca dos salários, nós não estávamos todos os anos a rever os valores do Acordo de Rendimentos. Se nós todos os anos estamos a rever o Acordo de Rendimentos e os valores, é porque aquilo que é assinado fica muito aquém das necessidades e da resposta que as pessoas precisam. E por isso, aquilo que nós denunciámos desde o início é que aquilo não servia da alavanca para os salários, mas sim de teto para o aumento dos salários. E é o que a gente verifica, quando nos sentamos para discutir os salários de trabalhadores, quando nos sentamos para discutir a melhoria das condições de vida, aquilo que vem para cima da mesa é sempre o valor de referência que foi acordado no acordo de rendimentos e que, do nosso ponto de vista, não responde às necessidades. Por isso é preciso ir muito mais longe.
Olhando para as prioridades da CGTP e para a proposta que foi apresentada pelo Governo aos parceiros, há uma preocupação da intersindical com a compensação pelo trabalho suplementar e também pelos tempos de descanso, há uma aposta em beneficiar, no caso do Governo, fiscalmente prémios salariais ligados, por exemplo, à produtividade. A CGTP sente-se afrontada com este tema dos prémios ou há aqui margem para negociar este assunto?
Não nos sentimos afrontados de maneira nenhuma com a questão dos prémios. Nós somos é claros naquilo que dizemos. Aquilo que nós dizemos é que hoje em dia muitas empresas, se calhar a maioria das empresas, já pratica a aplicação de prémios aos trabalhadores na base da produtividade, da acessibilidade, da pontualidade, de critérios que as próprias empresas definem. Portanto, aquilo que nós dizemos é que neste momento, as empresas já o fazem.
E isso deve ser alvo de benefícios?
Estar a discutir, a melhoria de rendimentos dos trabalhadores na base de prémios é que, do nosso ponto de vista, é errado. Ou seja, por contraponto ao aumento, não haver aumento salarial, mas haver aumento dos prémios, é isso? E dou o exemplo concreto de dois fatores. Primeiro, a questão da atribuição de prémios é facultativa. Qualquer empresa dá-se bem entender. Do nosso ponto de vista, é uma atitude logo discriminatória, porque há trabalhadores que vão ter acesso a prémios, há outros trabalhadores que não vão ter acesso a prémios. Segundo, a questão que para nós é fundamental, e que é a questão dos salários, mas que está inerente aos prémios, é que o prémio a qualquer momento pode ser retirado e a partir do momento em que é retirado, o trabalhador volta à estaca zero, às dificuldades que tinha antes. Portanto, do nosso ponto de vista, a questão central da discussão não é prémios e não vamos discutir prémios porque não é aqui que temos que fazer o nosso trabalho, a nossa batalha é no salário, que é aí que está a garantia do trabalhador que, quando chegar ao fim do mês, tem lá o seu dinheiro para fazer face às custas que tem durante o mês. Discutir prémios é estar a retirar o essencial da discussão.
Mas incluir nessa discussão, um benefício fiscal para permitir a criação desse 15º mês, isso é algo que é viabilizado pela CGTP? Há alguma coisa contra?
Os prémios têm várias coisas contra. Por exemplo, nós já tivemos a oportunidade de colocar nas reuniões que tivemos, por exemplo, a questão de isentar o prémio. Como é que nós podemos ter a mesma atitude perante um prémio de um trabalhador que tem o seu salário de 730 euros, e depois podemos dizer que tomar a mesma atitude de isenção a um administrador da EDP que leva, se calhar, um prémio de milhares e de dezenas de milhares. Portanto, do nosso ponto de vista, as coisas não podem ser colocadas dessa forma. Nós estamos de acordo com os trabalhadores, essa atenção deve ser tida, não pode ser vista desta maneira lata, em que aqueles que muito têm, para alguns dava jeito.
A CGTP encontra na proposta do Governo algo que encaixe nas ambições de negociação para benefício dos trabalhadores e que assim de repente quase não aparece. Mas encontra?
Nós tentámos discutir e tentámos colocar aquilo que é da parte dos interesses dos trabalhadores. Vou-vos aqui um exemplo concreto para percebermos uma questão fundamental que está no documento que tem um impacto enorme na vida de todos nós.
Em qual documento? No da CGTP ou no Governo?
No do Governo. A questão do salário médio. Podemos partir do princípio que aqui está uma medida de impulso dos salários. Até podemos partir desse princípio, de que há aqui uma medida que vai além do salário mínimo, e que olha para os restantes salários. E que há aqui uma alavanca para os restantes salários. Até pelas questões que têm existido e que já está completamente assumida, que é o esmagamento que existe nas tabelas salariais superiores por causa do aumento do salário mínimo. Mas aqui a questão fundamental e que nós colocámos é esta: não é por decreto que se determina a aplicação de aumentos salariais nas empresas. E esta medida que está aqui, mais uma vez, só aplica a empresa que a quiser aplicar, também tem esta questão do carácter discriminatório entre trabalhadores. Mas depois tem outro fator fundamental: é que só se discute e negoceia aumentos salariais no setor privado através da contratação coletiva. Porque é na contratação coletiva que nós sabemos que aquilo que é lá discutido depois tem aplicação a todos os trabalhadores do setor. Ora, enquanto existir na legislação de trabalho a caducidade da contratação coletiva e colocar nas mãos dos patrões a possibilidade de, em cada negociação, ameaçar com a capacidade da contratação coletiva sempre que queremos discutir salários, então estamos a pôr, desculpem lá a expressão, se calhar é melhor, mas estamos a pôr a faca e o queijo na mão de um lado só e não estamos em matéria de igualdade na negociação. Nós queremos sentar e discutir a melhoria das condições de vida, a melhoria dos direitos, a melhoria dos salários. E aquilo que vem (dos patrões) é: até podemos discutir salários, mas então vamos discutir também horários, então vamos discutir a diminuição do pagamento do trabalho extraordinário, então vamos discutir a desregulação das matérias do trabalho e é isto que nos é sempre colocado. E nós já dissemos ao Governo por várias vezes que isto tem que ser revertido. Portanto, quando me perguntam relativamente àquilo que está no documento e se descortinamos avanços, dificilmente o conseguimos fazer. Até porque, tirando a questão da matéria salarial, tudo o resto e basta olhar para o documento, têm em atenção os interesses das empresas.
Mas parece-lhe que em sede de concertação social, os sindicatos, os centrais sindicais estão em desvantagem em relação aos patrões?
Depende sempre do posicionamento e da leitura que o Governo quiser ter.
E com este Governo, o que é que está a acontecer?
Com este Governo, basta olhar para aquilo que está aí no documento e perceber que lá está, como agora acabei de dizer, para os trabalhadores tem duas ou três matérias, todas as outras estão preocupadas com as confederações patronais. Mas então vamos tentar ser mais precisos. Vamos tentar ser mais precisos. Há algo que evite o desfecho habitual de vista continua a perpetuar os baixos salários. Vamos dar aqui um exemplo concreto. Há dois anos atrás o aumento do salário mínimo foi de 55 euros. Este ano o aumento do salário foi de 60 euros. A proposta é que a gente regresse a valores inferiores. A proposta é de 50 euros. Portanto, que sinal é que estamos a dar para as empresas? Que sinal é que estamos a dar para o país? É que vamos puxar para trás. E o que nós dizemos é que tem que ser o contrário, é que tem que alavancar a nível dos salários, porque as dificuldades das pessoas, essas são diárias e é preciso responder às mesmas. Neste momento, e as discussões estão a acontecer, mas da parte da CGTP está a manter este acordo, estamos muito longe daquilo que é a posição da CGTP.
Acha boa estratégia retirar da equação desta negociação a parte da função pública. Neste caso, eu penso que o Governo não revelou ainda sequer a proposta da aumento da função pública. A CGTP gosta desta ideia de fazer uma negociação à parte entre aquilo que é a estratégia salarial, a programação salarial para a função pública e para a generalidade dos trabalhadores?
A questão da administração pública não é discutida em sede de Concertação Social.
Portanto, deve continuar a ser assim?
Exatamente. Do nosso ponto de vista, deve continuar a ser discutida com os sindicatos que representam os trabalhadores da administração pública, diretamente, como tem sido feito, e não colocar no contexto da concertação social as questões que são questões dos setores públicos do Estado.
Mas depois a estratégia, a política salarial deve ser semelhante, não só ao nível das condições de trabalho como ao nível da política salarial? Deve-se seguir mais ou menos os mesmos parâmetros?
O setor público, e nesta semana vimos a luta dos médicos, dos enfermeiros, dos profissionais de saúde, a luta de professores. Portanto, há reivindicações muito próprias e concretas que têm a ver com a administração pública, que devem ser discutidas com os sindicatos da administração pública e não colocadas neste patamar.
6% é um mau número para tratar deste assunto, ao nível dos aumentos da função pública?
A partir do momento em que a CGTP tem as reivindicações que tem em cima da mesa, obviamente que temos que ser honestos e olhar profundamente para aquilo que é um alavancar significativo dos salários, mas terá que ser discutido com os sindicatos do setor.
De qualquer forma o Governo já fechou vários acordos setoriais, por exemplo com professores, com as forças de segurança, com os enfermeiros, ainda falámos há pouco, e ainda há negociações em curso com médicos na agenda já para dezembro. No entanto, os sindicatos afetos à CGTP ficaram de fora. E eu pergunto o que é que isto significa. Vão manter-se as greves? A contestação vai continuar na rua?
A questão está bem colocada. Os sindicatos da CGTP ficaram de fora e agora temos que ver a resposta que os trabalhadores deram e estão a dar ao facto dos sindicatos terem ficado de fora. Logo a partir do momento em que, por exemplo, com o setor dos enfermeiros, foram estabelecidos acordos com alguns sindicatos, o sindicato afeto à CGTP, Sindicatos de Enfermeiros Portugueses, fez uma grande ação de luta, com a participação enormíssima de adesão à luta do nosso sindicato, o que revela que, de facto, a CGTP teve do lado certo ao ficar de fora na proposta apresentada. Portanto, para nós, o essencial é responder aos interesses dos trabalhadores e falar com os trabalhadores. Se a luta vai ter dimensão, há de ter dimensão mediante as circunstâncias que nos são colocadas. A CGTP já avançou desde o próximo dia 7 de outubro a 8 de novembro, com um mês de ação, de mobilização e de luta. Vamos para as empresas, vamos discutir com os trabalhadores, vamos estar junto dos trabalhadores, vamos ouvir os seus problemas, mas também vamos dizer na cara dos trabalhadores, ouvindo os seus problemas, aquilo que é preciso ser feito e qual é o caminho que temos que trilhar para elevar as nossas condições de vida. E vamos mobilizar esses trabalhadores para uma grande manifestação nacional, que já marcamos para o próximo dia 9 de novembro, em Lisboa e no Porto, uma manifestação nacional que irá ter, de certeza, milhares de trabalhadores na rua, em resposta àquilo que são as dificuldades que sentem, porque nós dizemos muitas vezes, nós não podemos levar para casa os desaforos do dia-a-dia. Nós muitas vezes sentimos, fruto dos salários, fruto da pressão patronal, fruto da desregulação dos horários, fruto de todas as questões que nos são colocadas, chegamos a casa e desabafamos com o companheiro e com a companheira e parece que é um assunto que deve ser levado para casa, mas os nossos problemas não têm que ser levados para casa, os nossos problemas têm que ser colocados e levados para aqueles que nos tratam mal e se quem nos trata mal é o patrão que está na empresa que não reconhece o nosso trabalho ou o governo que não responde às necessidades que nós todos sentimos, então é para aí que a gente tem que encaminhar o nosso descontentamento e a nossa luta. Mais uma vez digo, porque é fundamental. É sempre com a luta dos trabalhadores que conseguiremos alterar o rumo, seja ele qual for.
Isto é uma estratégia que é conhecida da CGTP, eventualmente não é só da CGTP, de outros sindicatos também, mas que é coincidir algumas destas semanas de luta com o auge do processo orçamental. O orçamento há-de chegar ao Parlamento, daqui a duas semanas...
10 de outubro.
Sim, e portanto a semana de luta da CGTP começa a 7 de outubro e vai estender-se até novembro, que é a altura da aprovação do orçamento de Estado na Generalidade, um pouco antes talvez. Está a acompanhar este longo processo de negociação política do Orçamento de Estado para 2025 e, nomeadamente, o cruzamento de ideias entre os principais partidos parlamentares. Como é que está a acompanhar?
Acho que é impossível não acompanhar. Obviamente, isto é um fator importante para o país, relevante para o país, relevante para os trabalhadores e é óbvio que temos que acompanhar e estar atentos. Mas a questão aqui fundamental é aquilo que é colocado em matéria de orçamento de Estado, do nosso ponto de vista, e é isso que é o nosso papel, que terá impacto na vida de quem trabalha. Matérias como algumas linhas vermelhas que estão a ser introduzidas têm que ser bem discutidas, porque são matérias que têm impacto no orçamento, mas são matérias que não digo que digam respeito aos trabalhadores, mas dizem respeito ao mundo do trabalho e que... e não é só respeito ao mundo do trabalho, há aquilo que é a decisão política de cada partido.
Está a falar de quê?
As empresas são responsáveis por mais de 50% da receita de IRC. O que é que eu quero dizer com isto? Quero dizer que uma medida deste tipo tem um objetivo concreto, que é aliviar aqueles que já há muito têm e não têm impacto em quem mais precisa, que são as micro e pequenas empresas. Portanto, são opções políticas aquelas que nós estamos aqui a ter nesta conversa. pergunta anterior, eu ainda não percebi bem a posição da CGTP.
Para a CGTP é indiferente haver ou não haver orçamento?
Não é indiferente, mas a questão central é que terão que ser os partidos a discutir e não colocar isto no patamar de uma posição da CGTP. Terão que ser os partidos a discutir, terão que ser os partidos a decidir e, pelos vistos, esse processo está a ser construído.
Mas para os trabalhadores o que será melhor: haver orçamento ou haver uma crise pública?
Nós não sabemos qual será o posicionamento do Presidente da República relativamente a esta matéria. Não podemos, do nosso ponto de vista, colocar um fantasma sobre a questão do orçamento, se é aprovado ou não, quando já houve exemplos de processos de duodécimos. Portanto, não queremos entrar numa discussão onde, do nosso ponto de vista, há protagonistas que terão que ser eles a sair desse caminho.
O país está a precisar de eleições antecipadas? E seriam vantajosas as eleições antecipadas para os trabalhadores ou seriam, ao contrário, prejudiciais?
O que eu posso dizer é que no posicionamento da CGTP relativamente ao governo que temos e à política que esperamos deste governo, que diz respeito à valorização dos salários e à melhoria das condições de vida, não é aqui que a gente deposita esperança, nem acreditamos que vá haver uma inversão de políticas que possibilite isso. Caberá aos decisores políticos encontrar o caminho que querem para o país e a CGTP cá estará para construir o caminho que entende que deve construir.
A CGTP está mais próxima do modelo de manifestações de interesse como porta de entrada de imigrantes em Portugal para trabalhar, ou de um modelo mais restritivo deste governo, de recrutamento por necessidade de setor a setor, ou até por quotas anuais de entrada de trabalhadores estrangeiros em Portugal? Qual é a posição da CGTP em relação a isto?
A posição da CGTP relativamente a isso é que a maneira como a pergunta é colocada até me dificulta sinceramente dar a resposta.
Mas exclui o quê? O que é que está aqui a ser excluído que seria a melhor opção?
Para já isso vem de uma premissa que está a ser construída, que é completamente errada, e conduz-nos a outro tipo de discussões que influenciam a sociedade e que pessoas com responsabilidade não a podem assumir nem a podem ter. E isso preocupa-me.
É a limitação da entrada de pessoas para trabalhar em Portugal, é isso? Esse fator tem de ser excluído da discussão?
Vamos lá ver uma coisa. O próprio governo português faz campanha em países fora para reportar trabalhadores para os países. E não faz essa campanha na Alemanha, por exemplo, ou na Suécia, ou na Suíça, ou na Finlândia. Gostava de ver aqui um alemão a trabalhar com um salário mínimo nacional português, um suíço, um francês. Não, (o governo português) vai fazer essa campanha a países onde sabe que vai recrutar trabalhadores que, fruto das dificuldades que sentem, vão procurar melhoria das condições de vida cá. Quando nós vamos para fora, quando emigramos para fora, o que é que vamos procurar? Procurar melhoria das condições de vida. Colocar na sociedade esta discussão, da forma como está a ser colocada, do meu ponto de vista tem sido assustador. São trabalhadores que procuram melhorias de condições de vida, são trabalhadores que hoje, sem eles, setores importantes da sociedade teriam sérias dificuldades de mão de obra. São pessoas como nós que todos os dias precisam de trabalhar para obter o seu sustento, e por isso, a circulação normal de pessoas é algo que deve ser natural, deve ser acolhido, porque nós também o fazemos, porque é uma coisa normal. Portanto, dentro desse aspecto, acho que estamos com uma discussão enviesada e complicada.
Acha que não temos um problema em Portugal em relação a isso, e que a discussão nem sequer faz sentido?
Eu acho que, se temos problema em Portugal, é a exploração destes trabalhadores. Isso é que é o problema. É a gente olhar para as notícias que vêm do Alentejo, para as notícias que vêm do Douro, e perceber que estes trabalhadores vêm para cá porque, alguém os vai lá buscar, trazem-nos para cá, e depois chegam cá e tem salários de miséria, horários de trabalho de miséria, completamente desregulados, sem apoio nenhum, sem organização nenhuma. Acharmos que isto acontece de forma natural é estarmo-nos a enganar.
Está a dizer que há um aproveitamento por parte de alguns empresários portugueses, eventualmente até sem escrúpulos.
Se eles estão a trabalhar cá, estão a trabalhar para alguém. E se estão a trabalhar para alguém, esse alguém é que os está a explorar. E eu, por exemplo, conheço processos de empresas de transportes que foram buscar trabalhadores fora e que andam aí a conduzir em situações complicadíssimas, por oportunismo que é colocado para defender os interesses sempre de alguém, não é? E quem sofre são sempre os trabalhadores. E sobre essa questão, a nossa posição é: quem procura trabalho, quem procura viver e ter uma vida melhor, tem esse direito. É isso nós, quando vamos para fora, procuramos.
Falávamos há alguns anos do perigo dos robôs para o emprego. Isto parece que já foi há tanto tempo. Agora temos a inteligência artificial, a digitalização, enfim, são coisas que fazem parte das nossas vidas. Estas são ameaças importantes aos postos de trabalho?
Do nosso ponto de vista, não. Pelo contrário. Do nosso ponto de vista, aliás, costuma dizer-se, “se o mundo pula e avança, então que avance também num sentido de garantir a melhoria de vida dos trabalhadores”. Não há problema nenhum com a introdução de novas tecnologias no mundo do trabalho. Aquilo que nós dizemos é que essa introdução tem que reverter para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Nós vemos a introdução das novas tecnologias nas grandes superfícies, nas empresas, mas não vemos, por exemplo, aumentar os salários, não vemos, por exemplo, a diminuir a carga horária, não vemos, por exemplo, os trabalhadores a ganharem direitos com essa introdução. Quem está a ganhar com essa introdução são sempre os mesmos, são sempre as empresas que capitalizam com isso. Pelo contrário, aquilo que a gente assiste hoje em dia é uma cada vez maior desregulação dos horários de trabalho, normalizar o trabalho ao fim de semana, normalizar o trabalho aos dias de feriado, normalizar o trabalho noturno e por turnos. Quer dizer, se há tanta coisa de boa a acontecer no mundo a nível de revolução tecnológica, porquê que os trabalhadores em pleno século XXI cada vez olham para a sua vida e veem a sua vida de pernas para o ar. E a questão fundamental não é a introdução de novas tecnologias. A questão fundamental é o que é que essas novas tecnologias podem trazer para a melhoria das condições de vida e de trabalho das pessoas. E a CGTP, aquilo que reivindica é que todos esses processos sejam tidos em conta, olhando para o futuro, olhando para quem trabalha.
Acha que a sociedade funcionaria melhor se cada cidadão recebesse uma prestação única do Estado? Estou a falar do Rendimento Básico Universal. Há quem diga que uma vantagem óbvia e imediata seria a extinção da pobreza, porque toda a gente teria direito a um rendimento digno.
Se me colocasse isso na perspectiva de que o CEO da EDP ou da Jerónimo Martins, ou de todas essas grandes empresas, estaria no mesmo patamar de discussão e de salário, se calhar poderíamos avaliar. Mas a questão aqui fundamental, e isso é algo que está a começar a surgir e está a ser visto. Nós vamos acompanhar essa evolução, vamos acompanhar essa discussão, mas precisamos mesmo é de responder ao imediato às necessidades que em trabalha.
