Dia Mundial da Saúde Mental: "Sentir que não se está sozinha, numa fase tão má das nossas vidas, é muito bom"
As Equipas Comunitárias de Saúde Mental são um dos principais pilares da reforma que está em curso no país. A TSF falou com dois pacientes
Corpo do artigo
Joana (nome fictício) é acompanhada há algum tempo pela Equipa Comunitária de Saúde Mental de Loulé. Neste dia, a doente até nem vinha a nenhuma consulta, mas apeteceu-lhe dar uma palavrinha a quem a segue. Joana, de 27 anos, foi diagnosticada com síndrome de personalidade borderline. "No meu caso é ser impulsiva, ter ansiedade, ser desconfiada", enumera à TSF. Chegou até aquela equipa porque a determinado momento da sua vida tentou suicidar-se.
O mesmo se passou com Pedro (nome fictício), de 44 anos. É acompanhado por aquela equipa há quatro anos. Há alguns anos saiu de Espanha, onde trabalhava, e resolveu regressar a Portugal. "Andei perdido por Lisboa, Porto, Braga. Passei por vários hospitais a pedir ajuda, mas depois fugia", conta. Sofria de uma psicose maníaca e desses tempos garante que não se recorda de nada. Até que compulsivamente o internaram no Hospital de S. João, no Porto, e o conduziram até ao Algarve, onde tem família. Conta que já esteve internado no departamento de psiquiatria por duas vezes, uma delas por tentativa de suicídio depois da morte da avó, a quem era muito ligado.
Pedro e Joana fazem parte das estatísticas do suicídio no Algarve, região que, depois do Alentejo, tem o maior registo de pessoas que põem termo à vida. São acompanhados pela Equipa Comunitária de Saúde Mental de Loulé, onde trabalham em conjunto dois médicos psiquiatras, duas enfermeiras, duas psicólogas, uma assistente social e uma terapeuta ocupacional. Realizam consultas, acompanhamento psicológico individual, intervenções de grupo, visitas domiciliárias e intervenções sociais e comunitárias centradas no utente, funcionando em articulação com os cuidados de saúde primários. "Estas equipas são fundamentadas pela desinstitucionalização [dos doentes], pela proximidade dos cuidados e pelo paradigma de integrar a pessoa na comunidade em que vive", explica Ana Cristina Trindade, médica responsável pelo departamento de psiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA).
O psiquiatra Luis Ramos lembra que nas visitas domiciliárias a equipa administra não só a terapêutica aos doentes, mas tenta perceber a envolvência familiar e fazer uma avaliação mais global da situação.
Joana e Pedro deslocam-se mensalmente ao Centro de Saúde de Loulé onde trabalha a equipa de especialistas. Pedro queixa-se à enfermeira de que tem andado depressivo, já devia ter levado a injeção mensal há alguns dias que lhe estabiliza o humor. "Só me apetece estar deitado, no escuro", desabafa. A enfermeira garante-lhe que, após tomado o medicamento, vai melhorar. Este doente já consegue frequentar um curso de cozinha: "Desde pequenino que quis ser cozinheiro." Afirma o seu gosto por fazer pato no forno e quiches, prometendo à enfermeira que lhe fará um petisco no Natal.
Joana também confessa à assistente social que está feliz com o emprego que arranjou há cerca de uma semana numa loja de um centro comercial. "O meu gerente está muito contente comigo", garante. No entanto, lida todos os dias com o estigma ligado à sua doença. "Quando se diz 'tenho uma doença mental', as pessoas dizem logo 'é maluca, devia estar num centro psiquiátrico'", lamenta. Por isso, para ela, é fundamental o apoio da Equipa Comunitária de Saúde Mental. "Sentir que não se está sozinha, numa fase tão má das nossas vida, é muito bom", sublinha.
No Algarve, existem cinco Equipas Comunitárias de Saúde Mental.