O que comem e bebem os cardeais durante o conclave? "Ementa reflete a própria tradição da igreja"
Os 133 cardeais eleitores vão ter uma ementa com carnes brancas, peixe, legumes, mas sem espargos
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Os 133 cardeais eleitores vão, a partir das 16h30 desta quarta-feira, recolher à Casa Apostólica de Sana Marta, no interior do Vaticano, para o conclave que vai eleger o sucessor do Papa Francisco. Durante o conclave, os cardeais vão ficar isolados do mundo exterior, sem acesso a qualquer tipo de informação. No entanto, apesar de fechados, os cardeais eleitores vão ter de se alimentar. Para quem possa pensar que a clausura pode significar uma festa, na verdade, não é bem assim. Clausura significa também alguma privação: os cardeais vão ter refeições leves, à base de carnes brancas, peixe e legumes.
Em declarações à TSF, o chef Hélio Loureiro explica que, em causa, estão várias coisas, entre elas "a própria tradição da igreja, com tantos séculos de experiência que, certamente, vai apurando a sua alimentação". "Depois também tem a ver com a idade de alguns cardeais, ou seja, a partir de certa idade, têm que ter algum cuidado com a sua alimentação. Mas, depois, também tem a parte espiritual. Há uma coisa que nós, às vezes, não nos lembramos: o paraíso é simbolizado como uma coisa doce. Lembro-me do salmo 33 que diz: 'Saboreai e vede como o Senhor é doce.' Tem a ver com essa doçura, a terra do leite e do mel. Ou seja, todas as escrituras e os evangelhos falam-nos sempre da doçura que iremos experimentar no céu", afirma.
As refeições que os cardeais vão ter pela frente serão leves, mas há um alimento que não vai entrar na Capela Sistina: espargos. "É normal que estejam isentos de muitas gorduras, é normal que estejam isentos de carnes vermelhas, porque demora mais a digestão. Só vai ter carnes brancas e peixe, tem as massas, que são de fácil digestão. E depois tem uma coisa muito engraçada, que é a ausência de espargos. As pessoas às vezes não entendem isso, mas tem a ver com as flatulências e com o mau cheiro da urina. Nós temos de nos lembrar que estamos no século XXI, as casas de banho de hoje são como são, têm esgotos e autoclismos. Mas há 100 ou 200 anos não era assim", sublinha o chef.
E o vinho faz parte da tradição. O "Sangue de Cristo" entra na ementa dos cardeais eleitores, mas sempre com moderação. Hélio Loureiro lembra que "o vinho está muito ligado ao cristianismo e à nossa cultura judaico-cristão".
"A verdade é que até alguns cardeais, como, por exemplo, o nosso Américo, que diz, com muita piada, que só bebe em serviço, ou seja, ele só bebe vinho na missa, fora da missa não bebe vinho. E, como ele, outros cardeais também não têm esses hábitos alimentares, porque o vinho é um alimento para consumir às refeições. Eu acredito que alguns cardeais, como os da Ásia, por exemplo, que não têm os mesmos hábitos vínicos que nós temos no nosso quotidiano", diz.
O conclave mais longo da História durou cerca de três anos e, nessa altura, foi retirado o alimento aos cardeais para que tomassem uma decisão rapidamente. O chef Hélio Loureiro não prevê, desta vez, um conclave longo, sublinhando que, quanto mais tempo durar, mais irritadiços vão ficar os cardeais por estarem privados de alguns alimentos.
"Se o conclave durar muito tempo, isso pode acontecer. Todos nós temos essa experiência. Quando vamos de férias por muito tempo, 15 dias ou três semanas, ao fim de algum tempo começamos a ter saudades de alguns alimentos que fazem parte do nosso quotidiano. Todos aqueles que gostam de açúcar, que gostam de sobremesas, quando ficam privados disso, ficam mais ansiosos, mais rabugentos", destaca o chef.
Também ouvido pela TSF, Januário Torgal Ferreira, bispo emérito das Forças Armadas, lembra que os dias do conclave "são dias de grande responsabilidade e, do ponto de vista alimentar, as pessoas não podem cometer excessos". "É inegável que as pessoas têm, como em qualquer altura, grandes responsabilidades. E uma delas é ter juízo, juízinho, no que toca à alimentação", atira.
E doces? Esses não vão aparecer à mesa dos cardeais do conclave. "Os doces são para os dias festivos. Ainda que haja um ar de festa, eles vão escolher o pastor máximo da igreja, mas do ponto de vista da modéstia, e até da simbologia, estou plenamente de acordo [que não haja doces]", afirma Januário Torgal Ferreira.
À medida que nos vamos aproximando de todas as decisões, o bispo emérito das Forças Armadas pede "cabecinha fria". "Tem de haver aquele comedimento e equilíbrio a que qualquer cidadão é convidado. Alma sã em corpo são", acrescenta.
