Noite ao relento dá lugar à "revolta". Falta de agendamento marca abertura do 1.º centro de atendimento para imigrantes em Lisboa
Perto de 20 imigrantes estavam à porta do Centro Hindu, em Telheiras, mas acabaram por não ser atendidos, uma vez que não marcaram o atendimento com a AIMA. É o caso de Francis, um imigrante brasileiro que falou com a TSF
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Muitos estiveram na fila desde madrugada e acabaram por não ser atendidos no dia de abertura do primeiro centro de atendimento para imigrantes da Estrutura de Missão da AIMA, em Lisboa. Em causa está a falta de agendamento prévio, uma situação que surpreendeu muitos dos que passaram a noite ao relento à espera das 08h00.
O primeiro centro de atendimento para imigrantes da Estrutura de Missão da Agência para a Integração, Migrações e Asilo abriu esta segunda-feira, em Lisboa, com uma centena de funcionários, para começar a analisar os mais de 400 mil processos pendentes. Este centro está instalado no Centro Hindu, em Telheiras, com horário de funcionamento das 08h00 às 22h00, e funcionários da própria Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), mas também colaboradores de entidades da sociedade civil que já receberam formação técnica por parte das forças de segurança e outras autoridades competentes, disse o organismo à Lusa.
À hora de abertura estavam na fila perto de 20 imigrantes, sendo que o primeiro chegou à meia-noite. À TSF, o brasileiro Francis explica que vive há mais de dois anos em Portugal e conta que está em processo de tratamento de documentação "para continuar a ter uma vida plena" no nosso país.
"Sempre que vou à AIMA não consigo ter uma resposta precisa do meu processo", sublinha, acrescentando que o facto de não ter a sua situação regularizada "não chega a prejudicar" profissionalmente, mas "atrapalha em possíveis promoções na carreira".
Francis esperava ser atendido esta segunda-feira, mas não sabia que era necessário agendamento. Como ele, a maioria dos que estavam na fila não vão ser atendidos, porque não marcaram o atendimento com a AIMA.
"Não foi divulgado pelas redes sociais ou pela página oficial da AIMA o evento e sim pelas páginas dos noticiários, mas não disseram que o atendimento era com critério de agendamento. O meu caso está complicado, eu sou o primeiro desde a 00h30 e o senhor diz que não me vai atender e para eu ir a outro posto da AIMA, que a partir de hoje tem uma nova ordem para tratar do meu processo. Só que ele nem ouviu e nem sabe o que é, então fica um pouco complicado de trabalhar isso", adianta, sublinhando que ainda vai decidir se vai trabalhar ou seguir a orientação que lhe foi dada. "Eu não sei o que fazer, é muito tempo. Esta situação para os imigrantes acaba por ser revoltante."
Carla Valente, advogada de um imigrante do Sri Lanka que espera há dois anos e meio pela conclusão do processo de regularização em Portugal, garante que o processo de atribuição de nacionalidade em Portugal não funciona.
"A atribuição de residência em Portugal não funciona, não só na questão da manifestação de interesses, que, entretanto, deixou de existir, mas qualquer outra situação. Nós tínhamos dificuldades com o SEF, com a AIMA tornou-se bastante pior. É muito mais complicado conseguir um agendamento. Não há qualquer tipo de agendamento disponível", explica à TSF Carla Valente.
À porta da nova estrutura da AIMA, em Telheiras, a advogada fala da falta de formação dos quadros da agência.
"A maior complicação que notei ao longo destes anos é que havia muitos trabalhadores do SEF que estavam no atendimento e que não sabiam uma palavra de inglês. Portanto, a comunicação não era fácil, mas em termos de processo o site estava também em inglês e dizia quais eram os passos que tinham de dar e quais eram os documentos necessários para o efeito. Acho que há muita falta de pessoal, muita falta de formação e de preparação", considera, sublinhando que havia processos duvidosos, onde os técnicos da AIMA solicitavam documentação que não estava prevista na lei.
"Nós temos uma lei que diz explicitamente quais são os documentos que têm de apresentar e muitos funcionários do SEF exigiam outra documentação", acrescenta.
De acordo com a AIMA, o "objetivo [é] resolver os mais de 400 mil processos pendentes de análise", tendo o organismo salientado a "operação logística integrada e robusta" que foi necessária para que este centro estivesse hoje pronto.
A abertura do centro de atendimento de Telheiras concretiza a intenção manifestada em 22 de agosto pelo ministro da Presidência, António Leitão Amaro, de ter "em funcionamento no mês de setembro" os primeiros centros para atender imigrantes.
Além do apoio linguístico, os novos centros terão estruturas do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), da Segurança Social e também associações migrantes.
A Estrutura de Missão inclui um reforço, por um ano, de 300 elementos para a AIMA, estará em funções até 02 de junho de 2025 e inclui dois tipos de reforços.
Por um lado, está previsto um "grupo de especialistas, envolvendo trabalhadores da AIMA e ex-inspetores do SEF" que "podem ajudar a fazer o tratamento administrativo e documental dos processos" pendentes.
Por outro, a Estrutura de Missão contempla recursos para o reforço do atendimento presencial, com recolha de dados biométricos, num total de duas centenas de elementos.
Além do centro de atendimento em Lisboa, haverá mais 29 espalhados pelo país, segundo o presidente da AIMA, Pedro Gaspar, que salientou que estas novas estruturas são a primeira fase de um processo que pretende criar "uma rede capilar relativamente alargada", com a disseminação dos serviços pelo território.
Pedro Gaspar garantiu que os imigrantes estão a ser contactados para se legalizarem e frisou que "só assim se conseguiriam os mil agendamentos diários".
O responsável disse que, nos últimos três meses, quando foi apresentado o Plano de Ação para as Migrações e que revogou, de forma imediata, o regime da manifestação de interesse como forma de entrada em Portugal, foram atendidos mais de 90 mil imigrantes.
O presidente da AIMA adiantou que estão "quatro ou cinco procedimentos concursais a decorrer" para aumentar os recursos humanos e que vão ser "reforçados os mecanismos da mobilidade, que irão ser também implementados".
