Bruxelas alerta para um ambiente de ameaças, marcado pela guerra da Rússia, e pede capacidade estratégica própria
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Os líderes da União Europeia reúnem-se, esta quarta-feira, em Copenhaga, numa cimeira informal dedicada ao reforço da defesa comum e ao apoio à Ucrânia. Na reunião, os 27 farão um debate preparatório, para um roteiro de prontidão militar até 2030, numa altura em crescem os receios sobre a ameaça da parte da Rússia.
Na carta-convite que habitualmente envia aos 27 chefes de Estado e de Governo, o presidente do Conselho Europeu, António Costa, salienta que “as recentes violações do espaço aéreo na Polónia e na Roménia são um claro lembrete de que devemos acelerar e aprofundar os esforços”. Costa espera que os países europeus se empenhem “na construção de uma Europa capaz de responder de forma eficaz, autónoma e conjunta às ameaças de hoje e de amanhã”.
O objetivo central prende-se com a necessidade de garantir que a União estará pronta, em menos de cinco anos, para agir de forma credível, tanto na dissuasão como na resposta a agressões externas. “A ambição que estabelecemos, de reforçar decisivamente a preparação da defesa comum da Europa até 2030, corporiza esse compromisso”, afirmou António Costa, destacando ainda a necessidade de investir mais “de forma eficiente e racional, inclusive através de instrumentos comuns como o SAFE”, com cada euro a contribuir para “a nossa segurança comum e autonomia estratégica”.
Costa defende que a União Europeia deve acelerar o desenvolvimento de capacidades conjuntas, reforçar o apoio ao flanco leste da União e definir mecanismos de governação política que permitam acompanhar lacunas, medir progressos e reforçar a coordenação entre Estados-membros e instituições europeias.
O debate servirá de orientação para a Comissão Europeia e para a alta representante para a preparação de um roteiro detalhado para alcançar a meta de 2030, no Conselho Europeu de 23 e 24 de outubro.
Planos
Num documento de trabalho da Comissão Europeia e da Alta Representante, a que a TSF teve acesso, alerta-se para um ambiente de ameaças em permanente evolução, marcado pela guerra da Rússia contra a Ucrânia, pelo aumento de ciberataques e pelas violações de fronteiras aéreas. O texto defende que a União deve dotar-se urgentemente de uma capacidade estratégica própria, desenvolvida em conjunto, “capaz de responder em tempo real” e de atuar como “ator independente”, sem deixar de contribuir para a segurança transatlântica em estreita articulação com a NATO.
O documento elaborado pela Comissão e pela alta representante salienta que “o que a Europa e os seus Estados-membros fizerem durante o resto desta década moldará a segurança do nosso continente no resto do século”.
Entre as medidas em discussão estão projetos considerados emblemáticos para a segurança de todos os europeus, nomeadamente o “European Drone Wall”, concebido como uma rede de sistemas tecnológicos interoperáveis de deteção, rastreamento e neutralização de drones, bem como de utilização de veículos não tripulados para ataques de precisão.
Nos planos consta também o “Eastern Flank Watch”, destinado a reforçar a capacidade dos Estados da linha da frente da União para enfrentar ameaças que vão das operações híbridas às incursões aéreas, passando pela chamada “shadow fleet” russa no Mar Negro, mas também pelo risco de uma agressão armada.
Estes projetos, que a Comissão designa como “flagships”, pretendem garantir uma resposta pan-europeia para riscos considerados prementes. A proposta de Bruxelas é para avançarem rapidamente e serem financiados através de diferentes instrumentos europeus e nacionais, incluindo programas industriais, fundos de coesão e apoios específicos a regiões mais expostas a ameaças externas.
O plano global prevê ainda a mobilização de 800 mil milhões até ao final da década, através da agenda REARM Europe e do novo instrumento SAFE, destinado a facilitar a aquisição conjunta de equipamento militar.
Indústria
O executivo comunitário considera essencial dotar a Europa de uma base tecnológica e industrial resiliente, capaz de garantir inovação, produção em escala e redução de dependências externas. Isso implica apoiar empresas de toda a cadeia de fornecimento, incluindo startups, PME e empresas de média dimensão, atualizar regras de concorrência e auxílios de Estado e assegurar o acesso seguro a matérias-primas críticas.
A Comissão defende ainda a promoção de programas de compra conjunta de armamento, que permitam ganhos de escala, maior interoperabilidade e melhor relação custo-benefício.
Prontidão
Bruxelas deverá lançar uma medida de acompanhamento, com o Relatório Anual de Prontidão da Defesa, que visa monitorizar os progressos realizados pelos Estados-membros nas áreas prioritárias, incluindo defesa aérea e antimísseis, drones e sistemas antidrones, artilharia, ou a mobilidade militar. O relatório deverá também avaliar os avanços em matérias de ciberdefesa, guerra eletrónica, capacidades navais e de combate terrestre.
O relatório será discutido anualmente no Conselho Europeu de outubro, permitindo ajustar prioridades e dar novas orientações estratégicas.
Ucrânia
No documento, a Comissão destaca a importância da Ucrânia no esforço de preparação da capacidade de defesa europeia. Bruxelas refere que a Ucrânia deve ser ajudada a tornar-se numa espécie de “porco-espinho de aço, indigerível para qualquer invasor, através de garantias de segurança de longo prazo, com o fornecimento previsível de equipamento militar, parcerias industriais com a indústria europeia e manutenção do curso de adesão à União”.
Entre as medidas já lançadas está a criação de uma Aliança de Drones com Kiev, financiada por um adiantamento de seis mil milhões de euros no âmbito de um empréstimo do G7.
António Costa também refere na carta-convite que “a segurança [europeia] está ligada à segurança da Ucrânia” e que é necessário discutir em Copenhaga “como continuar a apoiar a Ucrânia e alcançar uma paz justa e duradoura”.
O presidente do Conselho Europeu lembra ainda que os Estados-membros da União mantêm-se na linha da frente no apoio económico, militar e político a Kiev e considera essencial garantir que essa ajuda se continuará de forma “fiável e previsível”.
Costa pretende ainda abordar é o processo de adesão da Ucrânia à União Europeia, elogiando os esforços que Kiev tem levado a cabo para a reforma do país, apesar do contexto de guerra. O presidente do Conselho Europeu considera que essa determinação deve traduzir-se em “passos reais” no caminho para a integração europeia.
A reunião informal em Copenhaga não terá decisões formais, mas pretende construir um entendimento político entre os 27, para dar orientações à Comissão e à alta representante e preparar terreno para o Conselho Europeu de 23 e 24 outubro, em Bruxelas. Nessa cimeira, os líderes deverão formalizar a estratégia de defesa para 2030 e definir a linha de ação quanto ao apoio a Kiev, incluindo no plano financeiro e militar.