"Passámos a noite na calçada." Imigrantes dormem na rua para serem atendidos pelos serviços consulares
Maioria espera reconhecimento do registo criminal do país de origem. Nas últimas horas, a TSF esteve na Rua do Rosário, onde centenas de pessoas fazem filas para serem atendidas, e ouviu relatos de desespero de imigrantes. Moradores e comerciantes também se dizem afetados, mas não culpam quem procura viver em Portugal
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Ainda não eram 08h00 desta quarta-feira e a fila já estava longa, com cem metros de comprimento, na Rua do Rosário, onde fica a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP) no Porto, que pertence ao Ministério dos Negócios Estrangeiros. Do outro lado da estrada, também há quem espere. O atendimento é por senhas e as pessoas são recebidas por ordem de chegada. Os moradores e os comerciantes estão desagradados com a situação, mas não apontam o dedo aos imigrantes. E há até quem ainda recorde a Covid-19, para se arranjar uma solução para o problema.
Os imigrantes, os comerciantes e os moradores com quem a TSF falou disseram que a afluência ao atendimento neste edifício aumentou significativamente desde a última sexta-feira.
A maioria das pessoas vem aqui para tratar do reconhecimento do registo criminal do seu país de origem. É o caso de Miguel Pires, de Angola, que revela à TSF que está na fila desde terça-feira. "Eu estou à espera desde ontem [terça-feira], desde as 10h00", afirma. Miguel Pires não vinha preparado para passar a noite na rua, mas decidiu fazê-lo, tal como outras pessoas, para assegurar o lugar na fila. "Dormimos aqui todos, passámos a noite na calçada e estamos aqui à espera de sermos atendidos. Achámos melhor ficar porque o documento é urgente, é para levar à AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo] e muitos de nós temos agendamento com a AIMA hoje [quarta-feira]", partilha, sublinhando que está a tentar entregar o documento a tempo. Miguel Pires descreve também o ambiente na rua como "muito caótico".
Já Fernando Cabral, outro imigrante de Angola, também está à espera desde esta terça-feira de manhã. À TSF, conta que os funcionários fecharam a porta ao atendimento à tarde: "Abrem a janela [que está na porta] e apenas falavam que já estavam encerrados, que não podiam atender." Questionado sobre se tentou saber quando poderia ser atendido, Fernando Cabral diz que a resposta foi só uma: "estamos encerramos", sem mais justificações ou previsões.
Os moradores e comerciantes consideram que a culpa não é dos imigrantes, mas de quem os deixa tanto tempo à espera nestas condições. Um peão, que não se quis identificar, fez uma pergunta à TSF: "Se durante a vacinação da Covid-19 fez-se uma taskforce, e as pessoas tinham agendamento e onde esperar para serem vacinadas, porque é que não fazem o mesmo aqui?"
A abertura das portas do edifício, às 09h00, contou com forte presença policial, para gerir a entrada das pessoas. Seguiu-se alguma confusão, com uma concentração mais forte de imigrantes e polícias à entrada.
Carlos Mendonça, proprietário de uma loja ao lado do edifício consular, desabafa que estes têm sido dias mais negativos para o negócio: "Viu alguém a entrar na loja? Eles colocam-se à frente da montra." O comerciante diz à TSF que contactou a Câmara do Porto à procura de soluções, mas sem sucesso: "[Disseram que] não podiam fazer nada, eles podiam estar no espaço público."
O comerciante espera que a situação seja resolvida, caso contrário prevê que terá de encerrar o estabelecimento. "O comércio vai fechar. No meu caso específico, se isto não andar, não vou estar a meter dinheiro para manter uma loja que não vende", afirma.
Por seu lado, Carla Rodrigues vive na Rua do Rosário e conta que as últimas noites não têm sido calmas. "Temos aqui cem a 200 pessoas a dormir [na rua] durante a noite, com o barulho associado a esse aglomerado de pessoas." O portão da garagem cedeu ligeiramente, diz, devido às pessoas que se encostaram a ele durante a noite.
Ao longo da rua, algumas pessoas esperam em grupo e tentam perceber a hipótese que têm de serem atendidas ainda esta quarta-feira. Falam entre elas, fazendo lembrar o ambiente de um mercado tradicional. Muitas trazem consigo os seus pertences em mochilas, malas ou sacos de plástico cheios, e há quem tenha trazido cadeiras dobráveis de campismo. Alguns cidadãos estão embrulhados com cobertores e têm documentos na mão.
Com tantas pessoas a ocupar o passeio, os peões circulam pela estrada. O trânsito está, por isso, mais complicado. Os carros têm de passar mais devagar e com precaução. A DGACCP fica perto do Hospital de Santo António e enquanto a TSF esteve na rua, nesta quarta-feira de manhã, passaram duas ambulâncias com dificuldade.
A TSF contactou o Ministério dos Negócios Estrangeiros para questionar sobre a situação. A resposta foi que os serviços estão a "procurar gerir uma afluência maior do que o habitual em resultado do processo de regularização em curso da AIMA, perspetivando-se uma normalização a breve trecho, até porque o Gabinete de Atendimento ao Público de Lisboa, que encerrou temporariamente uns dias, já voltou a funcionar em pleno". A TSF questionou ainda a tutela sobre quando a situação estará normalizada, mas não teve resposta em tempo útil.
