"Pecado capital", estabilidade só "com maioria" e "um apagão para que se fizesse luz": foi assim o Debate da Rádio
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Justiça, estabilidade governativa, apagão, SIRESP, Defesa, eutanásia e redes sociais: foram estes os temas quentes que marcaram, esta segunda-feira, o derradeiro debate para as eleições legislativas antecipadas. Relembrando o motivo pelo qual Portugal vai a votos daqui a menos de duas semanas, no dia 18 de maio, o Debate da Rádio, com a presença de todos os líderes com assento parlamentar, abriu com a polémica da Spinumviva.
O primeiro-ministro em gestão, Luís Montenegro, referiu-se a uma "transmissão legal" à família, na altura em que assumiu o cargo de chefe de Governo, e garantiu que não cometeu um "pecado capital". Para Pedro Nuno Santos, "um primeiro-ministro não pode ter interesses particulares", pelo que entende que Montenegro "não tem idoneidade para o cargo".
"São temas que vão continuar a acompanhar Montenegro", acrescentou o socialista, lembrando que as eleições ocorrem "por causa de Montenegro". O entendimento de Pedro Nuno Santos é que Luís Montenegro "continuará a ser fonte de instabilidade" caso vença as eleições legislativas.
O líder socialista adiantou que ainda não foi ouvido pelo Ministério Público sobre o caso das casas que comprou em Lisboa e em Montemor-o-Novo, mas reforçou que quer ser ouvido antes de 18 de maio. Os portugueses "têm o direito de saber quem têm pela frente", disse, rejeitando igualar o próprio caso com o de Montenegro.
Pedro Nuno Santos defendeu ainda “a clarificação da estrutura hierárquica” do Ministério Público, mas rejeitou que queira tirar poder ao procurador-geral da República. Na resposta, Luís Montenegro mostrou-se disponível para melhorar mecanismos e criticou, por exemplo, os megaprocessos: “Temos de ter prazos perentórios e olhar para a área administrativa e fiscal.”
“Temos de tomar decisões”, acrescentou Luís Montenegro, rejeitando “processos que durem mais de uma década” para que a confiança dos portugueses na justiça aumente. Na opinião de Montenegro, há condições “para melhorar as regras” já na próxima legislatura.
Pedro Nuno Santos seguiu a mesma linha de raciocínio e acrescentou que se deve terminar “com o caráter suspensivo” de alguns processos, o que arrasta os casos no tempo. “Há trabalho para fazer e temos de ter atenção também ao acesso à justiça, independentemente das condições económicas”, disse. A justiça “deve ser alvo de grandes consensos alargados” e o PS “está disponível” para um consenso com a AD.
A coordenadora do Bloco de Esquerda, que começou por lembrar os 80 anos da Segunda Guerra Mundial, referindo-se ao "genocídio" que está a acontecer na Faixa de Gaza, considerou que "a justiça não deve intervir na política", mas "isso não significa" que não possam "existir tentações" em algumas situações.
Para Paulo Raimundo, é importante assegurar o papel da justiça, fugindo aos casos concretos sobre as interferências na política, mas admite que o procurador-geral da República, Amadeu Guerra, “está a ser, no mínimo, precipitado” tendo em conta as averiguações preventivas que abriu sobre Montenegro e Pedro Nuno Santos.
Do lado do Chega, André Ventura frisou que Portugal vai para eleições “por causa de Luís Montenegro" e que anteriormente o Governo também caiu por "corrupção" de António Costa. Para o líder do Chega, é preciso uma reforma na Justiça, sem interferência política. Além disso, a Justiça deve ser mais "mais forte e atuante", sublinhou, atirando: “Precisamos de uma reforma da justiça, mas não é para pôr os políticos a mandar na Justiça.”
Por outro lado, o presidente da Iniciativa Liberal, Rui Rocha, não quis falar sobre atuação do Ministério Público e rejeitou também comentar o trabalho de Amadeu Guerra: “Espero mesmo que a justiça esteja a fazer o seu trabalho, mas quero centrar-me nas questões políticas.”
Rui Rocha lamentou a “instabilidade política”, distribuindo culpas por todos os partidos, à exceção do seu que votou a favor da moção de confiança apresentada por Montenegro que levou à queda do Governo. “Ninguém consegue dizer o que vai fazer a seguir no dia seguinte às eleições”, atirou.
Já Rui Tavares, do Livre, apontou a Luís Montenegro já que “a Spinumviva continua como um veículo de influência”, apesar das palavras do primeiro-ministro, e voltou a desafiar Montenegro a deixar a empresa com uma gestão independente enquanto assume funções governativas.
“Quero saber o que o PSD vai fazer quando o Livre levar ao Parlamento a fiscalização da publicidade do jogo online. Como vai votar a AD? Como vai votar Montenegro?”, questionou.
Inês Sousa Real, do PAN, voltou a referir-se à polémica da Spinumviva como uma "artimanha" de Luís Montenegro: "Arrastou o país para eleições."
Relativamente à atuação da Justiça, Inês Sousa Real afirmou que "a extrema-direita também tem pessoas a ser julgadas" e "André Ventura começou o dia com Cristina Rodrigues a ser julgada". Voltou a atacar Ventura, acusando o líder do Chega de não ter limpado a bancada: "Tivemos uma dissolução e só por isso é que possivelmente foram afastadas."
André Ventura respondeu a Inês Sousa Real, considerando que a deputada do PAN está a fazer-se de "vítima" e tem "inveja" por não conseguir eleger tantos deputados como o Chega: "Antes de ser moralista, tem de ter uma bancada."
Cenários pós-eleições
Questionado sobre a estabilidade governativa depois do dia 18 de maio, Pedro Nuno Santos recusou ter viabilizado um Governo minoritário da AD e esclareceu que o partido, "com sentido de responsabilidade", deu condições para Luís Montenegro governar.
Para o futuro, o líder socialista espera conseguir uma "maioria" para garantir "estabilidade" que AD não conseguiu.
Luís Montenegro lembrou que “a tradição” é que o partido mais votado seja convidado a formar Governo pelo Presidente da República, tradição que foi furada, em 2015, pelo PS. O primeiro-ministro acrescentou que os socialistas “não aceitaram a derrota” no ano passado.
“Pedro Nuno Santos apareceu sereno nos debates até esta semana, agora está nervoso. O verdadeiro Pedro Nuno Santos apareceu, era tudo maquilhagem”, referiu Montenegro, enquanto o socialista foi pedindo ao primeiro-ministro para que “não faça esse número”.
Montenegro admitiu ainda que é preciso colocar um travão a eleições anuais, como tem acontecido, pedindo uma maioria reforçada. Apelou aos eleitores “para que concentrem o seu voto no partido que apresenta boas medidas” e lembrou que “no dia seguinte às eleições não é possível corrigir o voto”.
O ainda primeiro-ministro nem sequer "equaciona" o cenário de perder as eleições de 18 de maio. "Não significa falta de humildade, mas todos os indicadores que temos não tornam isso possível", afirmou.
Tal como Montenegro, Pedro Nuno Santos não equaciona o cenário de derrota e está “concentrado em ganhar as eleições”. Sobre sondagens, o socialista desvalorizou, e lembrou que, há um ano, as sondagens colocam o PS longe da AD.
“Estamos convictos na viragem política em Portugal”, disse, falando no aumento do descontentamento com o Governo de Montenegro.
Para André Ventura, "toda a gente sabe que não vai haver nenhuma maioria de esquerda" e, por isso, o cenário que se vai colocar é entre AD e Chega. O presidente do Chega está convicto que vai vencer as eleições legislativas e recusou viabilizar um programa do PS: "Estaria completamente louco."
Ventura recordou que há um congresso do Chega para este ano, pelo que atirou para essa altura uma decisão quanto à liderança do partido, caso não atinja os 50 deputados nas legislativas. Ventura notou, no entanto, que não é esse o cenário das sondagens.
Numa troca de palavras entre o Chega e o PCP, Paulo Raimundo "não alimenta troca- tintas". Já André Ventura lamentou que o PCP tenha votado contra propostas do Chega que estavam no próprio programa eleitoral: "Isso é cegueira." Os protagonistas aumentaram o tom numa troca acesa de argumentos.
Já a Iniciativa Liberal disse estar “sempre à altura das circunstâncias” e, embalado pelas palavras de Montenegro, Rui Rocha afirmou que “é possível corrigir o voto” de 2024. O liberal quer “políticas claras para termos mais casas”, também em matérias de impostos, mas rejeitou avançar com linhas vermelhas concretas.
“Há um conjunto de questões, que são as áreas em que a AD não conseguiu executar o programa, em que é preciso dar esperança ao país”, acrescentou. Questionado sobre um resultado negativo para a IL, Rui Rocha diz que é "um cenário que não coloca" e recupera o momento de tensão entre Raimundo e Chega para deixar uma acusação a André Ventura: "É um socialista intrinsecamente. Agora percebo que até estava a ser manso, é mesmo comunista." Para Rui Rocha, a "esquerda não tem propostas para o país".
Por seu lado, Mariana Mortágua defendeu que "a estabilidade não se decreta" e que "andamos num jogo de argumentos repetidos" entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Para a bloquista, é necessário que existam "deputados em número suficiente" para garantir a "estabilidade". "O Presidente pode dar posse até entender. Só vamos conseguir ter um Governo estável com uma maioria", considerou, acrescentando que "tudo o resto são mini-ciclos que não trazem nada de novo" ao país.
Mortágua não respondeu sobre se deixará a liderança do Bloco de Esquerda caso o partido não saia reforçado nas legislativas, desde logo, se não conseguir eleger um dos fundadores que são candidatos a deputados. A bloquista disse apenas: “Acho que vamos ter mais votos.”
Paulo Raimundo, do PCP, lembrou que, ao contrário do que dizem, o Presidente da República deu sempre posse ao partido mais votado. Em 2015, inicialmente, Cavaco Silva chamou Passos Coelho para formar Governo.
O Governo de Passos Coelho caiu porque existia “uma maioria alternativa”, mas, apesar desta discussão, Paulo Raimundo notou que os políticos esquecem-se “da estabilidade da vida das pessoas”. O que interessa, na opinião do comunista, são os salários. “Do que nos vale falar disto por horas e horas, se as questões essenciais ficam de fora?”, questionou.
Paulo Raimundo recordou ainda que o PS viabilizou o Orçamento do Estado de Montenegro, ao que Pedro Nuno Santos respondeu que, se não fossem os socialistas, o país tinha ido para eleições “ao fim de seis meses”.
“Pedro Nuno Santos subscreveu o desmantelamento do SNS”, respondeu o comunista, “que não quer discutir matemática, mas a vida das pessoas”. O secretário-geral do PCP admitiu que os quatro deputados comunistas são insuficientes, pelo que “está empenhado em resistir aos programas” da AD e PS: “Precisamos de mais força para impor mudanças de vida das pessoas.”
O comunista pediu ainda “mais força” para combater a direita, assim como a “hipocrisia e a demagogia”, “olhos nos olhos”.
Rui Tavares recusou "levar as pessoas ao engano" e sublinhou que Marcelo Rebelo de Sousa só vai dar posse a um Governo maioritário para evitar uma nova crise política. O Livre afasta-se da IL, argumentando que o partido de Rui Rocha "não tem clareza".
O porta-voz do Livre sublinhou que Isabel Mendes Lopes ganhou um debate ao ministro da Defesa e, por isso, está descansado quanto às alternativas de liderança no Livre. "Se o Livre tiver menos representação, eu farei uma reflexão pessoal e individual, que envolve só a mim", esclareceu.
Já Inês Sousa Real sugeriu que está disponível para um acordo com o PS ou com a AD, mas terá de “contar com agenda distinta”. No entanto, uma aproximação “a Montenegro” será “difícil” pela descida do IVA das touradas, naquela que é “uma política de contraciclo”.
“Temos de ter visão para o país se vamos ter soberania energética com as renováveis”, acrescentou. Na Madeira, o PAN deu a mão ao Governo de Miguel Albuquerque.
Sousa Real disse estar concentrada na recuperação do grupo parlamentar para o PAN, notando que “mais um deputado para os grandes partidos não fará diferença”, ao contrário do que sucede com o PAN. “Temos uma oportunidade de crescer. Qualquer reflexão sobre os resultados será feita após as autárquicas”, atirou.
O apagão e as falhas do SIRESP
O apagão da semana passada também subiu a debate. Luís Montenegro recusou recorrer à Starlink de Elon Musk e voltou a sublinhar o papel do Governo no momento do apagão. Para o ainda primeiro-ministro, a resposta do Executivo esteve à altura e "comunicar só por comunicar" de hora a hora não acrescentava nada. "Se tivéssemos comunicado de forma rápida e irresponsável, isso sim ia gerar menos tranquilidade", atirou.
Sobre o SIRESP, Montenegro esclareceu que em cima da mesa está uma reestruturação. Pedro Nuno Santos notou que “é fácil culpar o SIRESP”, já que o sistema “não fala”. Apesar dos elogios à rádio, Pedro Nuno Santos recordou que Luís Montenegro não utilizou o meio para comunicar com as pessoas, pelo que o Governo “falhou”.
“O SIRESP é conveniente porque não fala. Precisamos de saber o que querem fazer”, acrescentou o socialista, reforçando que “na gestão de crises o Governo é incompetente”.
Na perspetiva do BE, o apagão veio alertar para a soberania das infraestruturas: "Nunca sabemos se investimentos estão a ser feito são os que Portugal precisam." Mariana Mortágua considerou que o investimento em segurança deve, por exemplo, assegurar a segurança dos cabos submarinos.
Já Paulo Raimundo rejeitou que alguma vez tenha afirmado que se o sistema fosse público o apagão não teria acontecido. Por outro lado, garantiu que, nesse caso, Portugal poderia ter resolvido o problema de forma mais célere.
O comunista notou que “foi preciso um apagão para que se fizesse luz” sobre a soberania energética do país, lamentando que as comunicações tenham voltado a falhar “no dia em que não podiam falhar”.
Rui Tavares deu nota negativa à atuação do Governo durante o apagão: "Quem não passou no teste de realidade foi o Governo." Para o porta-voz do Livre, o Executivo devia ter começado o trabalho em dezembro quando o partido apresentou propostas para emergências.
Pela Iniciativa Liberal, Rui Rocha defendeu a “neutralidade tecnológica”, admitindo que a energia nuclear deve ser utilizada. Quanto ao apagão, Rui Rocha falou numa “enorme debilidade” com os hospitais a estarem perto do colapso. O líder da IL “não negou” a utilização de energia nuclear em Portugal, mas quer que, antes, sejam delineados estudos: “Antes disso, a questão não faz sentido.”
André Ventura também criticou a atuação do Governo durante o apagão e falou em "pura desorientação". O líder do Chega notou que nem o "Presidente da República recebeu uma SMS" e questionou: "Nós somos melhor do que Espanha em quê?"
"Além de não estar preparado para Governar normalmente, não está preparado para momentos de crise", atirou, dirigindo-se a Luís Montenegro. Sobre o SIRESP, Ventura lamentou o dinheiro que se anda a gastar "num sistema que falha quando é preciso" e responsabilizou o PSD e o PS.
Luís Montenegro garantiu que “não houve indicação para não haver comunicação”. Houve, no entanto, “indicação para o envio de um SMS” através da Proteção Civil. O primeiro-ministro disse que o SMS foi enviado quando existia informação fidedigna e quando já estava “salvaguardo” o abastecimento aos centros críticos.
“Tenho a certeza de que os portugueses reconhecem que existiu uma liderança serena”, acrescentou, notando que a liderança foi sua ao longo de todo o dia.
Montenegro reforçou que, “no essencial, a resposta dos portugueses foi positiva”. “Gerir crises exige responsabilidade, não é voluntarismo”, respondeu Montenegro a Rui Tavares.
Tal como a resposta à crise climática, "a resposta do Governo durante o apagão chegou tarde", considerou Inês Sousa Real. Para a deputada do PAN, é preciso apostar na soberania nacional e num plano nacional de energia assente nas renováveis.
Imposto europeu de defesa: o que defendem os partidos
Sobre um imposto europeu de defesa, Montenegro mostrou-se contra, assim como Pedro Nuno Santos, que defendeu a emissão de dívida. Paulo Raimundo também rejeitou “impostos para promover a guerra”.
Já Mariana Mortágua lamentou que partidos como o PS entendem agora que se deve emitir dívida europeia para Defesa. Quer, isso, sim, emissão de dívida para alimentar os serviços públicos.
Para o PAN, “não faz sentido criar impostos”, mas Inês Sousa Real quer respostas sociais. Telegraficamente, Rui Rocha disse “imposto europeu, não”. Também André Ventura responde com um “não”, mas lembrou que “existe uma ameaça no leste da Europa”, em crítica à esquerda, e Putin “não está na Rússia com cravos”.
Novo referendo à eutanásia?
Sobre um novo referendo à eutanásia, a AD e o Chega mostram-se a favor. A IL afirma que "não se referendam direitos individuais". Para o PS, é um "claro que não", partilhado pelos restantes partidos de esquerda.
São Bento em família
Questionado sobre o “São Bento em família”, Montenegro rejeitou ligações aos tempos da ditadura e afirmou que “não sabe qual o preconceito à volta da família”. “António Costa é um dos grandes líderes do PS”, respondeu Pedro Nuno Santos, quando questionado se o presidente do Conselho Europeu é “uma sombra”.
Regulamentar redes sociais?
Relativamente à regulamentação do acesso às redes sociais, o Chega afirmou que "não vai contribuir para limitar o acesso à informação". Também a IL mostrou-se contra.
Já para os restantes partidos, a regulamentação das redes sociais é uma prioridade. O porta-voz do Livre, Rui Tavares, considerou mesmo: "As rádios e as televisões são regulamentadas, era o que mais faltava as redes sociais não o serem."