Do "empobrecimento" ao "desfasamento" da realidade: como reagem os partidos à "renda moderada" de 2300 euros anunciada pelo Governo
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O primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou, na quinta-feira, novas medidas para enfrentar a crise na habitação. Entre as propostas do Governo está a descida do IVA para os 6% para a construção de casas até 648 mil euros e, no caso do arrendamento, o pagamento de 10% de IRS para contratos de "renda moderada" até 2300 euros. O tema subiu a debate, esta sexta-feira, no Fórum TSF: o Chega diz que não vai opor-se ao "alívio fiscal", o PS garante que nunca vai aceitar que uma renda de 2300 euros seja considerado um valor moderado, o Livre fala em "desfasamento" da realidade e a IL argumenta com o "empobrecimento" da população. Já o movimento Vida Justa fala em medidas que "gozam com as pessoas que trabalham".
O Governo decidiu acabar com o conceito de renda acessível e criar o de renda moderada, com valores entre os 400 e os 2300 euros, sem limites municipais, para garantir a transparência.
A deputada do Chega Marta Silva promete uma posição construtiva no Parlamento: "Vamos apresentar as nossas propostas de alteração, como sempre fazemos. Somos construtivos e apresentamos propostas de melhoria da lei. Se não forem aceites as nossas propostas, também não vamos inviabilizar aquilo que é um alívio da carga fiscal."
Já Vasco Franco, que faz parte do grupo de trabalho do PS para a habitação, confessa estar "estupefacto" com a ideia de que 2300 euros é uma "renda moderada". "Uma camada muito importante da população portuguesa só terá acesso à habitação quando for feita habitação para arrendamento acessível, quer pelos municípios, quer pelo Estado central, através do IHRU, quer pelas cooperativas que estão disponíveis para colaborar, desde que lhes deem condições", considera.
Os socialistas garantem que vão "focar-se" na habitação aquando da discussão do Orçamento do Estado e defendem que "poderá haver benefícios fiscais que possam ser considerados admissíveis, mas não com plafonds de 2300 euros e de 648 mil euros".
O foco tem de estar em dotar o Orçamento do Estado das verbas necessárias para se avançar rapidamente na construção de habitação para arrendamento acessível
Alexandre Poço, deputado do PSD, acredita que esta medida para o arrendamento pode ser eficaz e não vai causar um aumento da especulação.
"Eu sei em que realidade vivo, mas nós, de uma vez por todas, temos de ter políticas ousadas e ambiciosas. O que estamos a dizer é: 'As rendas até 2300 euros, que já abrangem uma parte esmagadora das rendas praticadas no mercado, passam a ter uma fiscalidade de 10%.' Com isto, entendemos que é um incentivo a que quem é proprietário de uma casa a coloque no mercado de arrendamento", argumenta.
Por seu lado, Angélique da Teresa, da Iniciativa Liberal, desconfia das propostas do Governo para a habitação e pede políticas públicas que garantam rendas que as pessoas possam pagar.
"O que temos de pôr em cima da mesa são os interesses dos inquilinos e dos arrendatários e, por isso, as medidas têm de ser equilibradas para ambos os lados. Caso contrário, é impossível avançar com uma emergência cada vez mais urgente", afirma a deputada, sublinhando que "Portugal está a empobrecer a olhos vistos".
"Estamos cada vez mais a precisar que o Estado 'ajude' uma classe média que está cada vez mais empobrecida. Por isso é que agora passamos para as rendas moderadas, porque o Estado não faz políticas públicas na habitação que permitam que haja um aumento da oferta e, com isso, a possibilidade de baixar os preços das casas", lamenta.
O Livre quer debater primeiro as propostas do Governo, mas o deputado Jorge Pinto avisa, desde já, que não é pelos impostos que se resolve a crise na habitação.
Políticas fiscais, por si só, não bastam. O que é claro é que políticas de baixa de impostos, a maior parte das vezes, representam, em paralelo, uma perda de rendimento para o Estado e uma não uma resposta
O deputado do Livre assinala que, "baixando um imposto, alguém vai beneficiar com isso, mas não é forçosamente quem deveria beneficiar". "Estamos a falar de valores completamente desligados da realidade", atira.
Por último, Vasco Cardoso, da comissão política do PCP, encara a proposta de "renda moderada" de 2300 euros como um "insulto" aos portugueses: "Vivemos num país em que 60% dos trabalhadores e maioria dos reformados recebe menos de mil euros por mês. Como é que 2300 euros podem ser considerados uma renda moderada? É um insulto, mas é um insulto que tem um objetivo: facilitar a transferência de recursos públicos para os bolsos da especulação imobiliária, confirmando que este é um Governo que, em vez de encontrar soluções, transforma cada problema numa oportunidade de negócio, particularmente, para os grupos económicos e para a banca, que têm acumulado fortunas à conta desta dificuldade que a maioria da população enfrenta."
O Fórum TSF convidou todos os partidos políticos com grupos parlamentares. O CDS não respondeu ao convite.
"Isto é uma forma de estar a gozar com as pessoas que trabalham"
Também no Fórum TSF, Rita da Silva, do movimento Vida Justa, considera que as novas medidas anunciadas pelo Governo representam um desrespeito pelos trabalhadores.
Isto é uma forma de estar a gozar com as pessoas que trabalham, acho que o Ministério da Habitação não pode chamar-se Ministério da Habitação, tem de começar a chamar-se Ministério dos Interesses Imobiliários
"As medidas que têm vindo a ser anunciadas para a Habitação beneficiam o negócio imobiliário, a propriedade que pratica rendas abusivas, os preços elevadíssimos e as casas de luxo. As reduções fiscais que o Governo anunciou ontem [quinta-feira], quer seja para rendas que considera moderadas até 2300 euros, ou para casas que custem até 648 mil euros, é apontar, normalizar e estimular o nivelamento dos preços por cima", acrescenta.
