"E se corre bem?" Começou com uma pergunta e deu cinco títulos como resposta. A história de Rúben Amorim no Sporting
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Do "e se corre bem?", depois de não acreditar que alguém pagasse a cláusula de rescisão no SC Braga, até ao "vamos ver" sobre a possibilidade de ser bicampeão, passaram-se quatro anos de Rúben Amorim ao comando da equipa principal do Sporting, uma era que acaba esta terça-feira. O treinador português vai para Inglaterra, onde irá orientar o Manchester United, com os leões a confirmarem que os red devils estão dispostos a pagar os dez milhões de euros da cláusula de rescisão.
Foram cinco títulos em 231 jogos (a contar com os embates frente a Estrela da Amadora, Manchester City e SC Braga). Aos dois títulos nacionais, em 2020/2021 e 2023/2024, juntam-se duas conquistas da Taça da Liga, em 2020/2021 e 2021/2022, e da Supertaça Cândido de Oliveira de 2021/2022. Faltou a Taça de Portugal, título que Amorim nunca venceu, apesar de ter estado numa final, na época passada, que perdeu para o FC Porto.
Mas o início da viagem remonta ao dia 5 de março de 2020. Ainda com muito pouca experiência nos bancos e sem o curso necessário para ser treinador na I Liga, Frederico Varandas decidiu pagar dez milhões de euros pelo treinador que, até esse momento da época 2020/2021, tinha dez vitórias nos 13 jogos disputados pelo SC Braga, nos quais tinha conquistado a Taça da Liga.
"E se corre bem?"
Foi nesse dia que se ouviram duas das declarações que ficarão para sempre na memória dos sportinguistas e do futebol português. Na apresentação como treinador do Sporting, numa transferência recorde de um treinador entre clubes da Liga portuguesa, Rúben Amorim foi questionado sobre o valor e respondeu: "Os adeptos do Sporting querem ganhar, independentemente do valor. O treino seria igual mesmo que tivesse custado zero euros. Nada muda em mim. Quando puseram essa cláusula comecei a rir, ninguém ia gastar dinheiro comigo, mas aconteceu isto e agradeço a confiança. No fim faremos as contas."
No entanto, uma frase que ainda ficou mais icónica nesse dia foi uma pergunta. "Por motivos financeiros não foi. Se não ganhasse aqui ia ganhar noutro lugar. Falam do risco. E se corre mal? Mas eu pergunto. E se corre bem? O facto de o Sporting precisar de uma nova vida... e se conseguirmos fazer isso? Talvez tenha escolhido o desafio mais difícil, mas foi o que quis", respondeu aos jornalistas que o questionavam sobre a razão para deixar o SC Braga naquele momento.
Um discurso motivador para um Sporting que vivia uma seca de 17 anos sem ser campeão nacional, mas que teve de esperar. Ainda se estreou com uma vitória por 2-0 frente ao CD Aves, mas uma semana depois da apresentação de Amorim em Alvalade, a Liga Portugal decidiu suspender os campeonatos profissionais por tempo indeterminado, devido à pandemia de covid-19.
O regresso aconteceu apenas em junho e o final dessa época não foi muito memorável para os leões. Dos 11 jogos, todos para o campeonato, o Sporting venceu seis deles, tendo empatado três e perdido dois (contra FC Porto e Benfica), acabando a I Liga no quarto lugar.
O início trágico e o final mágico da estranha época 2020/2021
O futebol voltou sem público no final de 2019/2020 e assim ficou durante toda a época de 2020/2021, tornando-a provavelmente na mais estranha temporada de sempre do futebol. Na primeira vez que Rúben Amorim arrancava nos leões desde a pré-época (e numa qualquer equipa, visto que no SC Braga também assumiu a equipa principal com a temporada a decorrer), os leões começaram com uma vitória mínima frente ao Aberdeen por 1-0, na terceira pré-eliminatória da Liga Europa, e com uma vitória confortável por 2-0 frente ao Paços de Ferreira na jornada inaugural da I Liga.
No entanto, o início aparentemente tranquilo acabou por ser trágico. No play-off de acesso à fase de grupos da Liga Europa, os leões receberam o LASK Linz, da Áustria, numa eliminatória de jogo único disputado em Alvalade. A derrota surpreendente em casa frente aos austríacos deixou o Sporting fora das competições europeias nessa época, já que nessa altura ainda não existia a Liga Conferência.
O desaire não abalou a equipa e em outubro desse ano, que ainda era o primeiro mês de competição, surgiu o primeiro jogo grande da época e talvez um dos mais importantes. O Sporting recebeu o campeão em título FC Porto, apontado como principal candidato ao título, que já tinha quatro anos de Sérgio Conceição. Nuno Santos até colocou os leões em vantagem, mas Uribe e Corona deixaram os dragões a vencer ao intervalo. O resultado manteve-se até perto do fim, quando Luciano Vietto (que viria a sair do Sporting dias depois) empatou a partida aos 87 minutos.
Os leões alavancaram para uma série de 12 vitórias em 13 jogos entre campeonato e Taça de Portugal, apenas com um empate frente ao Famalicão, antes de dois resultados negativos: a derrota frente ao Marítimo que eliminou os leões da Taça e o empate em casa frente ao Rio Ave para a I Liga. No final desse Famalicão-Sporting, devido a uma confusão que aconteceu no túnel de acesso aos balneários, nasceu mais uma frase icónica de Rúben Amorim, que até virou lema da passagem do técnico por Alvalade: "No túnel [em Famalicão] foi mais do mesmo. Tive de ir buscá-los lá fora, esta equipa é assim, se é para ser com um, vamos todos. Mas não se passou nada de mais."
Mas lá surgiu novo jogo grande para dar alento à equipa de Rúben Amorim. Sporting e FC Porto voltavam a encontrar-se, dessa vez em Leiria na meia-final da Taça da Liga, e os leões voltaram a estar a perder até bem perto do final da partida. Moussa Marega deu vantagem à equipa de Sérgio Conceição aos 79 minutos, mas depois surgiu um herói leonino: Jovane Cabral. O avançado, que agora representa o Estrela da Amadora, marcou aos 86' e aos 90+4' e levou a equipa treinada por Rúben Amorim para a final da competição. No derradeiro jogo, contra o SC Braga, o herói foi Pedro Porro, com um golo que deu o primeiro título pelos leões a Rúben Amorim.
A conquista catapultou o Sporting para mais uma grande série de resultados até praticamente ao final da época. Nos 20 jogos até ao final da temporada, todos para o campeonato, o Sporting venceu 15, destacando-se a vitória em casa frente ao Benfica com um golo tardio de Matheus Nunes e vários jogos com golos de Sebastian Coates perto do apito final. Nessa série, os leões empataram no Dragão e frente a Moreirense, Famalicão e B SAD.
O grande dia chegou a 11 de maio de 2021. O Sporting recebia o Boavista em Alvalade e precisava de uma vitória para se sagrar campeão nacional, 18 anos depois da última vez. Paulinho marcou o único golo da partida e a festa possível foi feita em Alvalade e pelas ruas de Lisboa. O verde voltou à rotunda do Marquês de Pombal, ainda que muito condicionada pelas restrições existentes por causa da pandemia.
A única derrota leonina na segunda metade da época e em todo o campeonato surgiu apenas na jornada 33, com os leões já campeões. Na Luz, o Sporting perdeu por 4-3 contra o Benfica de Jorge Jesus.
A luta inglória de 2021/2022 e o descalabro em 2022/2023, entre a estreia na Champions
A época seguinte trouxe várias novidades ao Sporting de Rúben Amorim. A principal foi o regresso dos adeptos aos estádios, com os sportinguistas a poderem ver pela primeira vez o Sporting de Rúben Amorim em Alvalade. A segunda foi a estreia do treinador na principal prova de clubes da Europa: a Liga dos Campeões.
A temporada arrancou com o terceiro título de Amorim pelo Sporting: os leões venceram o SC Braga por 2-1 e conquistaram a Supertaça Cândido de Oliveira. A época até começou bem, com quatro vitórias consecutivas, antes do empate em Famalicão e em casa frente ao FC Porto. Mas a estreia na Champions trouxe um banho de realidade aos leões e a Rúben Amorim: o Sporting foi goleado em casa pelo Ajax por 5-1.
Depois disso, a derrota na Alemanha frente ao Borussia Dortmund e nos Países Baixos perante o Ajax foram os únicos registos negativos dos leões na primeira metade da temporada, marcada ainda pela importante vitória em casa frente aos alemães que deram a passagem aos oitavos de final da Liga dos Campeões. No campeonato, o Sporting chegava a janeiro na liderança partilhada com o FC Porto.
Contudo, aí apareceram os resultados negativos, nomeadamente a derrota nos Açores contra o Santa Clara e o desaire em casa perante o SC Braga. Ainda assim, esse mês foi de baixos e altos, já que a final four da Taça da Liga correu de feição a Rúben Amorim (venceu o Santa Clara e o Benfica), conquistando a prova.
Em meados de fevereiro, a época do Sporting ficou perto de ficar sentenciada numa só semana. No campeonato, os leões foram ao Dragão com menos seis pontos do que o FC Porto e saíram de lá com a mesma diferença pontual, graças ao empate (2-2). A meio dessa semana, o Sporting foi goleado em casa pelo Manchester City por 5-0, na primeira mão dos oitavos da Liga dos Campeões, levando a que o jogo em Inglaterra servisse apenas para cumprir calendário.
Os leões nunca se conseguiram reaproximar do FC Porto na luta pelo título, principalmente devido ao empate frente ao Marítimo e à derrota em casa perante o Benfica. Pelo meio, foram eliminados pelos dragões nas meias-finais da Taça de Portugal, com duas derrotas em duas mãos. Na penúltima jornada, o FC Porto foi à Luz a precisar de um empate para ser campeão e saiu de lá com uma vitória por 1-0 e fez a festa. Apesar de ficar em segundo lugar, Rúben Amorim conseguiu os mesmos 85 pontos que lhe tinham dado o título nacional da época anterior, mas foram insuficientes perante os 91 pontos do FC Porto de Sérgio Conceição, que bateu o recorde de pontos da I Liga.
Se o nível da temporada, apesar dos resultados, indiciava nova luta pelo título em 2022/2023, a realidade tratou de mostra o contrário. Os leões só ganharam um dos primeiros quatro jogos no campeonato, tendo empatado em Braga e perdido no Dragão e em casa frente ao GD Chaves, abrindo desde cedo um fosso para o Benfica de Roger Schmidt que viria a ser campeão e para o FC Porto. Os leões acabaram por ficar no quarto lugar do campeonato, sem nunca ter conseguido estar perto de lutar pelo título.
Também ao contrário da época transata, a Liga dos Campeões até começou bem, com vitórias frente a Eintracht Frankfurt e Tottenham, mas os resultados seguintes não foram consequentes e os leões acabaram por cair para a Liga Europa. Na segunda prova europeia, o Sporting ainda eliminou o Midtjylland e o Arsenal (com o grande golo de Pedro Gonçalves do meio-campo), mas caiu nos quartos de final da prova perante a Juventus.
Na Taça da Liga, os leões chegaram novamente à final, mas perderam o derradeiro jogo para o FC Porto. Já a Taça de Portugal foi um dos momentos mais baixos da época leonina: o Sporting foi eliminado logo na 3.ª eliminatória pelo Varzim, equipa da Liga 3.
Super-Sporting: o regresso aos títulos
Chegados à época 2023/2024, a época passada, é o que todos se lembram: o Sporting avassalador que não deu grandes hipóteses no campeonato. A temporada começou de feição, com nove vitórias nos primeiros dez jogos da I Liga, tendo apenas empatado em Braga. Na Liga Europa, as coisas não iam tão bem, com uma derrota caseira frente à Atalanta e o empate na Polónia frente ao Rakow.
A 11.ª jornada do campeonato trouxe a primeira derrota leonina no campeonato: na Luz, o Sporting vencia até aos 90+4 minutos, graças a um golo de Gyökeres, mas João Neves e Tengstedt viraram o jogo na compensação. As derrotas no campeonato acabaram semanas depois, quando os leões perderam em Guimarães por 3-2 na 13.ª jornada.
Seguiram-se oito vitórias consecutivas em todas as competições, das quais se destacam os 3-0 ao Sturm Graz e os 2-0 tranquilos ao FC Porto. Os leões voltaram a perder em janeiro, frente ao SC Braga, na meia-final da Taça da Liga. Foi o primeiro ano em que Rúben Amorim não conseguiu alcançar a final da competição, incluindo a primeira vez ainda como técnico dos bracarenses.
Mas foi uma derrota num deserto repleto de bons resultados. A equipa de Rúben Amorim seguia líder do campeonato com o Benfica à perna (só empatou com o FC Porto nos últimos dez jogos), goleava várias vezes, como é o caso dos 5-0 ao SC Braga e os 8-0 ao Casa Pia, e avançava tranquilamente na Taça de Portugal, onde eliminou o Benfica nas meias-finais e garantiu o acesso ao jogo decisivo frente ao FC Porto. O único ponto negativo nessa fase foi a eliminação nos oitavos de final da Liga Europa, novamente frente à Atalanta.
Na 32.ª jornada, o Sporting derrotou o Portimonense por 3-0 e ficava com uma mão a agarrar no título de campeão nacional, que ficou confirmado no dia a seguir. O Benfica saiu derrotado de Famalicão e Rúben Amorim, Viktor Gyökeres e companhia fizeram a festa. Os jogadores saíram novamente à rua para festejar, mas, desta vez, de forma especial, já que não tinham as condicionantes da covid-19, como três anos antes. A festa fez-se entre Alvalade e a rotunda do Marquês de Pombal, como é hábito, e em vários pontos do país. Paulinho, o roupeiro, garantia a permanência de Amorim e Gyökeres, contra toda a especulação, e o treinador confirmou isso semanas mais tarde. Mas, nessa noite, o técnico voltou aos vaticínios.
"Disseram que só ganharíamos campeonatos de 18 em 18 anos, que só ganhámos porque não tínhamos público ou que jamais seremos bicampeões outra vez. Vamos ver...", disse perante os adeptos no Marquês de Pombal.
A festa foi feita, mas ainda havia jogos por jogar. Se os do campeonato eram só para cumprir calendário, havia ainda uma final da Taça de Portugal frente ao FC Porto. Os leões até partiram em vantagem, com St. Juste a abrir o marcador aos 20 minutos, mas Evanilson empatou cinco minutos depois e o defesa neerlandês foi expulso pouco depois. O empate manteve-se até ao prolongamento, quando Taremi deu o terceiro troféu consecutivo aos dragões e deixou a Taça de Portugal como a única mancha no currículo de Rúben Amorim no Sporting.
Bicampeonato? Vamos ver...
Para a presente época, o Sporting reforçou-se cirurgicamente no mercado e praticamente todos os comentadores desportivos em Portugal disseram que os melhores reforços dos leões foram as permanências de Rúben Amorim e Viktor Gyökeres.
A época arrancava com a Supertaça Cândido de Oliveira frente à incógnita que era o FC Porto, depois das eleições vencidas por André Villas-Boas e a substituição de Sérgio Conceição por Vítor Bruno no comando técnico da equipa. Os leões apareciam como favoritos claros à conquista do troféu e os primeiros 25 minutos da partida quase desfizeram as dúvidas: Gonçalo Inácio, Pedro Gonçalves e Viktor Gyökeres deixavam a equipa de Rúben Amorim a vencer por 3-0, ainda que Galeno tenha reduzido ainda antes do intervalo. Contudo, nem mesmo os sportinguistas mais cautelosos imaginariam o que vinha a seguir: Nico González e Galeno marcaram na segunda parte e levaram a decisão para o prolongamento. Iván Jaime marcou já no segundo tempo do tempo extra e os dragões venceram mesmo a Supertaça.
A derrota e a forma como foi não abalou os leões. Até à saída de Rúben Amorim, o Sporting venceu os nove jogos disputados no campeonato, destacando-se a vitória em casa frente ao FC Porto. Na Liga dos Campeões, a equipa de Alvalade apenas empatou frente ao PSV, tendo ganho a Lille e Sturm Graz.
Rúben Amorim deixa o Sporting na liderança do campeonato com 27 pontos, mais três do que o FC Porto e mais oito do que o Benfica. No novo formato da Liga dos Campeões, os leões surgem no oitavo lugar ao fim de três jornadas, com sete pontos. Na Taça de Portugal, o Sporting está na quarta eliminatória, depois de ter vencido o Portimonense na ronda anterior. Na Taça da Liga, os leões têm presença marcada na final four da competição, onde irão encontrar o FC Porto nas meias-finais.