Agate de Sousa acredita no recorde do salto em comprimento. “A própria Naide já disse que eu posso um dia lá chegar”
Agate de Sousa teve de esperar cinco anos para competir por Portugal. O processo de naturalização da atleta terminou a tempo dos Europeus de Roma deste ano e vai estar nos Jogos Olímpicos pela primeira vez
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“São 50 euros se fores aos 20 metros. 50 não, 100 euros!” Agate de Sousa sorri. A postura com que encara o último salto mostra algum cansaço, o treinador sabe disso, brinca com ela ao aumentar a parada.
O desafio do treinador é um último impulso para o fecho da sessão de treino na caixa de areia do Centro de Alto Rendimento do Jamor. O exercício exige atenção e controlo perfeito do movimento do corpo ao longo de saltos intermédios até à execução final perto da caixa de areia.
O corpo de Agate de Sousa cai ligeiramente para a frente no último salto antes da caixa, o peito vai na direção das coxas. Agate não completou o salto. Abana a cabeça e sacode a areia das pernas.
O treino terminou. “O meu treinador gosta de apostas. É uma forma que ele nos desafiar durante os treinos.” O treinador de Agate é um antigo atleta olímpico português, recordista nacional do decatlo, Mário Aníbal.
Cada salto é filmado e analisado entre treinador e atleta. Estamos a semanas da primeira participação olímpica de Agate de Sousa, a segunda prova internacional da atleta com as cores portuguesas, cores pelas quais esperou cinco anos, até ver completo o processo de naturalização. São passos bem medidos, e, para a atleta natural de São Tomé, o fim de uma espera que provocou alguma angústia.
“Quando cheguei a Portugal eu queria fazer desporto mas também queria estudar. A minha mãe é gestora, o meu pai economista, foi por isso que escolhi economia. Só ao longo do tempo eu e o meu treinador fomos percebendo que podíamos fazer do atletismo uma carreira.”
A evolução é evidente e coloca Agate de Sousa, aos 24 anos, como a segunda atleta portuguesa com a melhor marca de sempre no salto em comprimento. “Veja os meus resultados. Eu cheguei [a Portugal] com 6,05 metros e, ao longo de tempo, a cada ano, passei do registo de 2019 para uma marca de 6,81 metros, uma marca de nível internacional, em 2023, 7,03 metros, uma marca muito boa. É o resultado do trabalho feito ao longo dos anos. Este ano, 2024, uma medalha nos Jogos Europeus, o que mostra que estamos no bom caminho.”
A recompensa pela espera com uma medalha de bronze nos Europeus de atletismo em Roma, 2024.
“Foi uma longa espera, algo que em vários momentos me fez ficar em baixo. Houve fases em que treinar era complicado. Isto por causa do tempo [que demorou]. Eu já estava a mostrar bons resultados e não podia competir. Mas foi a minha escolha, não posso culpar ninguém. Correu tudo no seu devido tempo. Na primeira internacionalização ganhei uma medalha, era como se estivesse à minha espera.”
Pelo meio uma pandemia, com Agate de Sousa longe da família, obrigada a permanecer no Centro de Alto Rendimento. “O Centro de Alto Rendimento foi a minha primeira casa em Portugal. Fez com que eu não me sentisse triste por ter deixado São Tomé. Senti-me em casa, num local onde havia outros atletas. Durante a pandemia, eu não estava ainda muito socializada, talvez por isso não tenha sido tão difícil.”
Os companheiros de treino com quem convivia ajudaram. “A Rosalina Santos, a Beatriz Andrade, a Juliana Guerreiro, o Paulo Conceição - que já não treina -, o Hugo, o Luís, que também já não está no atletismo…”
Naide Gomes, a referência e o objetivo
Mesmo em frente à pista onde acaba o treino, acima de uma larga janela para o espaço exterior, um poster de Naide Gomes, detentora do recorde nacional, 7,12 metros. Também ela são-tomense e atleta olímpica por Portugal.
“A Naide Gomes é uma inspiração, é o meu ídolo. Sempre que tenho alguma questão eu tenho a possibilidade de falar com ela. Ela também veio de São Tomé, chegou a lugares onde eu quero chegar também.” Lugares mais distantes, como a marca nacional, o recorde de salto em comprimento é de 7,12 metros. “A própria Naide já disse que eu posso um dia lá chegar.”
“Acho que com a medalha de bronze já entrei na comunidade do atletismo internacional. Mas acredito que depois dos jogos as pessoas vão reconhecer a Agate de Sousa, mas também o meu treinador, Mário Aníbal.”
Agate de Sousa ainda não fez muitas perguntas sobre o que vai viver em Paris 2024, mas sabe que o treinador pode ajudar. “Ele tenta passar-me o que viveu no atletismo. Esteve em Sidney 2000 no decatlo. Ninguém melhor do que ele para me explicar como tudo funciona. Por acaso ainda não lhe perguntei como funcionam as coisas nos Jogos Olímpicos. Mas ele diz-me sempre que nós não vamos aos Jogos Olímpicos para ganhar experiência. A experiência é ganha antes, e, depois, levamo-la para os jogos."
Passada larga para um horizonte largo
“No ano passado fiz 12 provas. Sou uma atleta que gosta de competir, de socializar com as outras atletas. Se eu tiver que ir a competição vou. Os meetings são o palco onde os grandes atletas aparecem. São uma forma de nos conhecermos na competição, sobre a forma como vamos lidar com as grandes competições”, explica.
A prova de salto em comprimento de Paris é preparada com cuidado. Em 2024, Agate de Sousa teve de lidar com o primeiro problema físico sério da carreira, com marcas ainda presentes.
“Desde que cheguei nunca tive de lidar com uma lesão séria, como este ano. Na primeira prova de pista coberta tive um toque no joelho. Desde então temos estado a gerir até este momento. Há três semanas eu não conseguia treinar. Acabei de regressar esta semana. Agora é gerir a lesão, só participar nas competições importantes. Nestes momentos difíceis, não me posso esquecer do clube, no meu caso, do Sport Lisboa e Benfica, com uma equipa muito grande. Têm-me dado uma ajuda importante para ultrapassar estas pedras que aparecem no caminho.”
Aos poucos a condição física regressa, contando agora os dias para a estreia em Paris.
Há sempre algum nervosismo, como em Roma, no dia em que surpreendeu a Europa com um terceiro lugar na primeira grande prova internacional.
“Sente-se sempre aquele friozinho na barriga. Mas não diria que senti grande pressão, afinal era a minha primeira grande internacionalização. As pessoas não esperavam nada, o mais normal era eu não ter ganho uma medalha. Mas eu estava a treinar bem, dias antes estava a fazer o meu recorde pessoal. E isso é o mais importante, o que nós sentimos nos treinos. Nós sentimos quando vai correr bem na prova.”
“O primeiro objetivo é passar à final, fazer o primeiro salto de entrada na competição e depois lutar pelos melhores lugares da competição. Treinar quatro anos para competir um dia (risos), não diria que é injusto, mas… Podem ser dois dias, se chegar à final. Depois dos Jogos Olímpicos abre-se outro ciclo, mas também vamos ter um mundial de pista coberta, um europeu de pista coberta, e um outro mundial em setembro (2025) mundial ao ar livre.”
Lê-se na parede do pavilhão retangular do Jamor “Paris 2024, Los Angeles 2028 e Brisbane 2032”. Um caminho longo. “Nos próximos Jogos quero estar, isto se o corpo me permitir. Digo o corpo porque a mente está sempre pronta. Pelo menos a minha (sorriso largo).”