Projeto para Lisboa, disciplina de cidadania e policiamento. O que dizem autarcas, pais e polícias sobre medidas de Montenegro
No Fórum TSF, os autarcas alertam que as estruturas "muito intrincadas das empresas do Estado" acabam, muitas vezes, por "colocar barreiras burocráticas". Já os pais querem um "debate alargado" sobre a disciplina de cidadania e os polícias pedem "a dignificação das carreiras e a valorização dos profissionais"
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As sete medidas para o futuro anunciadas pelo primeiro-ministro, que passam pelo reforço da segurança e reabilitação da Área Metropolitana de Lisboa ao fim da "ideologia" na disciplina de cidadania, provocaram "surpresa" generalizada.
Luís Montenegro anunciou a criação de uma Sociedade de Gestão Reabilitação e Promoção Urbana, a que o Governo dará o nome de Parque Humberto Delgado, e que "será o instrumento para pensar, projetar e ordenar o Arco Ribeirinho Sul nos municípios de Almada, Barreiro e Seixal".
Ouvida no Fórum TSF, a presidente da Câmara Municipal de Almada, Inês de Medeiros, defende que o plano é demasiado genérico e sublinha que o Arco Ribeirinho Sul é um projeto que se arrasta há 20 anos. A autarca compara, por isso, este impasse ao impasse vivido com o novo aeroporto.
"Eu não ponho em causa a necessidade de um pensamento macro, mas estamos a caminhar para um mesmo processo tipo aeroporto. São mais de 50 anos, em que 25 já passaram, já estamos a meio caminho", lamenta.
Inês de Medeiros assinala igualmente que os autarcas sabem "exatamente o que é preciso fazer", tendo já chegado a "um acordo" com o anterior Governo de quais serão os passos "imediatos" a dar.
"A minha única preocupação é levar trabalho, começar já trabalho de base ao terreno e só espero que esta entidade - com quem terei todo o gosto de debater e de pensar numa estratégia global - não seja, na prática, uma forma de adiar, mais uma vez, aquilo que tem de ser feito. E tem de ser feito já", atira, revelando que desconhecia a medida apresentada este domingo.
O presidente da Câmara Municipal do Barreiro confessa também desconhecer o "grande projeto de reabilitação" anunciado para a Área Metropolitana de Lisboa. A ideia apresentada por Luís Montenegro passa por criar três polos para desenvolver de forma concertada as duas margens do Tejo.
"Não fomos contactados. Recebi [esta notícia] com alguma surpresa. Não fomos contactados, nem por via do Governo, nem por via intermédia", assegura, no Fórum TSF.
Frederico Rosa, autarca do Barreiro, confessa, ainda, que fica "alarmado", sobretudo por não saber se a medida significa uma "junção para criar uma mega estrutura que se ocupe de todas áreas ou não".
"E isso deixa-me preocupado", insiste, alertando que, por experiência, sabe que as estruturas "muito intrincadas das empresas do Estado" acabam, muitas vezes, por "colocar barreiras burocráticas de tempo a tudo o que são processos de decisão".
O autarca do Barreiro revela igualmente que está cansado de promessas e apela para que sejam tomadas medidas concretas.
"Já há muitos anos que ouvimos falar sobre o alargamento do Metro do Tejo, sobre a descontaminação dos solos e o total destes dois pontos e, por exemplo, não falo da terceira travessia porque ela, sendo estrutural, aqui para a península, nunca foi uma discussão do Arco Ribeirinho. Que passos podemos dar concretos para poder desde logo concretizar esta descontaminação de solos, que é fundamental - sem ela, os solos vão continuar por mais 20/30 anos como estiveram nas últimas décadas - e concretizar este alargamento do Metro no Tejo que tem vindo a ser estudado, não só de Almada, à Costa da Caparica, mas também ao Seixal, para o Barreiro, e até a Alcochete, que são projetos estruturantes", questiona.
Paulo Silva, presidente da Câmara Municipal do Seixal, revela a mesma surpresa com o anúncio de Luís Montenegro e destaca que já existia uma sociedade do Arco Ribeirinho, não sabendo, por isso, como é que estas duas entidades se vão articular. Ainda assim, o autarca está disposto a trabalhar com o Governo e assegura que vai procurar entender melhor o que se passa.
"A Câmara Municipal do Seixal, como sempre, quer ser parte ativa em todas as soluções para o desenvolvimento do nosso concelho. Estamos sempre do lado da solução. Estamos sempre disponíveis para trabalhar em prol do nosso território, em prol do nosso concelho", defende.
A fim de garantir o entendimento entre todas as partes, Paulo Silva avança que vai pedir uma reunião com o primeiro-ministro, "ou a quem ele delegar", para que se possa discutir "em concreto" o que é afinal "pretendido para este território".
No que diz respeito à educação, Montenegro anunciou o aumento da comparticipação pública por sala para garantir a universalidade do acesso ao ensino pré-escolar. A medida passa pela extensão dos contratos de associação no pré-escolar, pensando nas crianças e não em "ideologias", e inclui ainda a revisão dos programas do ensino básico e secundário, incluindo a disciplina de cidadania, libertando-a de "projetos ideológicos e de fação".
Em reação a estas declarações, Paulo Cardoso, da Confederação Nacional das Associações de Pais, defende que a disciplina se deve manter, mas concorda que é preciso fazer alterações.
"Foi uma das razões que nos levou a solicitar uma reunião com caráter de urgência com a presidência da República, no sentido de que não fosse aprovada a sua inclusão nas escolas, por uma questão muito simples: não podemos falar nas escolas de ideologia de género sem um debate alargado na sociedade", afirma, acrescentando que é também preciso "preparar os pais" para esta situação, até porque "ainda existem muitos pais e muitas famílias que nem sequer têm um conhecimento profundo sobre essa matéria".
Já no domínio da segurança, o chefe de Governo revelou a vontade de reforçar a proximidade e visibilidade das polícias na rua e maior abrangência para os sistemas de videovigilância. O primeiro-ministro prometeu criar equipas multiforças para integrar a PJ, a PSP, a GNR, a ACT, a ASAE e a Autoridade Tributária. A ideia é combater, "sem tréguas", a criminalidade violenta, o tráfico de droga e imigração ilegal.
Para o presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, as declarações de Montenegro não passam disso mesmo: anúncios. Paulo Santos confessa não perceber como é que a concretização desta medida possa ser efetiva.
"A continuarmos neste paradigma, - para um concurso abaixo daquilo que são as necessidades, aumentando as valências, numa criminalidade cada vez mais complexa, mais exigente - sem que haja um abanão na mudança do paradigma no que diz respeito à dignificação das carreiras e à valorização dos profissionais, não iremos conseguir cumprir aquilo que são os desígnios que são anunciados politicamente", garante.
Paulo Santos explica, por isso, que é precisa "uma reestruturação da PSP" e iniciar o debate sobre a "criação de políticas que permitam olhar para a realidade da segurança interna portuguesa com uma dispersão de polícia e de organismo a fazer o mesmo".
"E é preciso olhar para isto com seriedade e responsabilidade", atira.
Ouvido também no Fórum TSF, o presidente da Associação dos Profissionais da Guarda desconfia igualmente do anúncio do chefe do Governo e afirma que sem "mudanças estruturais", esta será apenas "mais uma medida que não vai sair do papel".
"Fica tudo muito bonito no papel e todos os anos saem nos Orçamentos do Estado, mas depois, na prática, é difícil de implementar, porque temos um défice de efetivos - e falamos em concreto na GNR, que tem cerca de quatro mil profissionais a menos -, com todos os sacrifícios diariamente para aquilo que é o essencial, como as patrulhas de ocorrências nos postos territoriais. Muita das vezes, os postos já não conseguem garantir todos os turnos e, por isso, ou têm de fazer alterações estruturais além de incrementar com mais concursos um número maior do que aqueles que têm ocorrido nestes últimos anos. Caso contrário, essa medida é mais uma que não vai sair do papel", sentencia César Nogueira.
