Motos a ultrapassar pela direita, circular entre carros e fim da inspeção: "projeto de lei suicida" ou "regulação de prática"?
"Setenta por cento das mortes nas vias rodoviárias urbanas" correspondem a "peões, ciclistas e condutores de veículos motorizados de duas rodas". O que querem os deputados mudar nas regras de circulação de motociclos foi o tema do Fórum TSF desta quinta-feira
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Associações e deputados discutiram esta quinta-feira, no Fórum TSF, as várias propostas de alteração à forma como os motociclos circulam na estrada. Entre elas destacam-se a ultrapassagem pela direita, a circulação entre carros e o fim da inspeção para estes veículos. As associações falam em "projeto de lei suicida" e os deputados defendem-se com a "regulamentação de uma prática" comum.
A Assembleia da República debate esta quinta-feira os diplomas do PSD que visam promover "o uso com segurança dos motociclos" e eliminar no Código da Estrada a obrigatoriedade prevista num decreto-lei de 2012 de sujeitar a inspeção "motociclos, triciclos e quadriciclos com cilindrada superior a 250 cm3, bem como reboques e semirreboques com peso superior a 750 kg" - que nunca entrou em vigor por estar dependente de uma portaria.
Apesar de as propostas dos sociais-democratas serem as únicas em debate e votação na tarde desta quinta-feira, o PS também propôs a possibilidade de as motos poderem fazer ultrapassagens pela direita e permitir a circulação entre filas.
Para o presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa, Alain Areal, as propostas dos partidos políticos não têm em conta a segurança, sendo que critica, sobretudo, a circulação entre carros, afirmando que "coloca os condutores em situações de risco acrescido". A ultrapassagem pela direita também mereceu oposição.
"Isto merece algum cuidado e alguma reflexão. De que forma é que isto se tenciona fazer? É tudo muito vago e tudo o que é muito vago parece-me arriscado. Podemos estar a correr o risco de estar a legalizar um comportamento de risco, o que não me parece bom para a segurança rodoviária", aponta, no Fórum TSF.
O deputado socialista Carlos Brás contraria esta ideia e entende que a medida proposta pelo seu partido pretende "vai restringir o comportamento de risco, limitando a determinadas circunstâncias e observando determinados requisitos".
"O que nós queremos fazer é regular uma prática que, neste momento, não tem qualquer regulação do ponto de vista do direito", esclarece.
As críticas de Alain Areal adensam-se: lamenta também a votação do fim das inspeções às motas por considerar que o país está perante propostas avulsas.
Em reposta, também no Fórum TSF, o deputado social-democrata Gonçalo Lage garante que não é isso que acontece. Sublinha que nenhuma das iniciativas foi apresentada "sem primeiro ouvir todos os intervenientes e sem realizar vastas e várias reuniões com várias associações e com vários interessados nesta matéria".
"Todas [as propostas] têm sustentação de estatísticas e de números. Ou seja, não são perceções, não são achismos. São todas elas fundamentadas e fundamentadas com estudos europeus bastante densos sobre a matéria que nos permitem tirar várias conclusões", nota.
Olhando para as propostas dos dois partidos, Pedro Montenegro, consultor e formador de segurança rodoviária, rejeita a possibilidade de as motas poderem circular entre filas, afirmando que a medida é "preocupante e não aceitável".
"As mortes dos utentes mais vulneráveis não estão a diminuir tão rapidamente como as de outros veículos automóveis e, realmente, acontecem mais frequentemente nessas mudanças de faixa", justifica, reconhecendo, contudo que a maioria destas acontecem a "muito mais do que 30 km/h, mesmo em veículos motociclos com menos de 120 cm³".
"O problema aqui é que 70% das mortes nas vias rodoviárias urbanas são peões, ciclistas e condutores de veículos motorizados de duas rodas", insiste.
Pedro Montenegro teme igualmente o fim das inspeções às motas: segundo a diretiva europeia de 2014 que regula esta matéria, em alternativa às inspeções, é proposta a implementação de medidas de segurança.
O consultor destaca que nestes veículos "o risco de acidente é muito maior", sobretudo devido a falhas técnicas nos motociclos.
"Aqui, a falha técnica - e mesmo os automóveis - existe porque são muito desprezados o estado dos pneus, principalmente em termos de pressão de ar e de validade de pneu, que não deve ultrapassar os seis anos e que não é minimamente controlado. Assim como o verdadeiro estado dos amortecedores, que são os órgãos que mais falham tecnicamente quando acontece um problema técnico de um veículo de duas rodas ou um veículo automóvel", afirma.
Pelo contrário, Carlos Barbosa, presidente do Automóvel Clube de Portugal, defende que as inspeções às motas, até agora, ainda não avançaram, e que esta é uma matéria que, mais cedo ou mais tarde, terá de ser alterada.
"Goste-se ou não se goste, eu acho que isso vai ser inevitável. É evidente que as motas não se deterioram tanto como o automóvel e, sobretudo, os erros nas motas são muito mais humanos do que pelo material que está estragado", frisa.
Carlos Barbosa considera assim que a "lei europeia" terá de ser transcrita para a legislação portuguesa, pelo que, se não for aprovada este ano, "será para o próximo".
"Já adiámos quatro anos e estou convencido de que a Comunidade Europeia não nos vai deixar adiar muito mais tempo", explica.
De resto, o líder do Automóvel Clube de Portugal arrasa as propostas dos socialistas, considerando mesmo que estão a "empurrar os motociclistas para o abismo, para os hospitais, para desares e para a morte".
"Esses deputados do PS, se forem a Alcoitão e virem os rapazes que lá estão e por que é que lá estão, ficarão a perceber que esta proposta é completamente estúpida e, além de estúpida, é perigosa", critica.
Assegura que o clube não "está de acordo com esta proposta, porque não faz qualquer espécie de sentido perverter o código da estrada e poder ultrapassar".
"Somos frontalmente contra. Isto é uma proposta de lei suicida, que é mandar as pessoas das motas para os hospitais e para a morte", atira.
Expressa ainda dúvidas sobre que estudos fundamentam estas propostas: "O estudo das trotinetes? Estão gozar connosco, com certeza. As trotinetes não têm nada que ver com os motociclistas."