Tribunal Constitucional considera inconstitucionais alterações à lei de estrangeiros. Marcelo veta diploma
A decisão surge depois de o Presidente da República ter tido dúvidas constitucionais relativamente ao diploma. Foram chumbadas cinco normas do decreto do parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional
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O Tribunal Constitucional anunciou esta sexta-feira que considerou inconstitucionais as alterações à lei de estrangeiros, chumbando cinco normas do decreto do parlamento que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. O Presidente da República vetou o diploma.
“Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional de hoje, que considerou inconstitucionais cinco disposições do diploma que submetera a fiscalização preventiva da constitucionalidade, o Presidente da República vai devolver à Assembleia da República, sem promulgação, nos termos do n.º 1 do artigo 279.º da Constituição, o Decreto da Assembleia da República que altera a Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional”, lê-se numa nota oficial.
O diploma, enviado pelo Presidente da República ao TC para fiscalização da constitucionalidade no dia 24 de julho, será agora devolvido ao parlamento para que sejam expurgadas as normas que violam a lei fundamental.
Após a leitura deste acórdão, no Palácio Ratton, em Lisboa, o presidente do TC, José João Abrantes, frisou que a decisão foi aprovada por maioria, apesar de, em todas as normas declaradas inconstitucionais, ter havido sempre pelo menos quatro juízes que ficaram vencidos.
Os juízes conselheiros José António Teles Pereira, João Carlos Loureiro, Gonçalo Almeida Ribeiro e Maria Benedita Urbano discordaram da decisão do TC relativamente às cinco normas declaradas inconstitucionais.
Entre as normas chumbadas, estão várias relativas ao reagrupamento familiar, designadamente a que prevê que cidadãos estrangeiros com autorização de residência válida e que residem legalmente em Portugal têm direito ao reagrupamento familiar apenas com membros da sua família menores de idade, desde que estes tenham entrado legalmente em Portugal e residam no país.
O presidente do TC, José João Abrantes, salientou que esta norma, “ao não incluir o cônjuge ou equiparado, pode impor a desagregação da família” e pode conduzir “à separação dos membros da família constituída desse cidadão estrangeiro”, o que disse traduzir-se numa violação de direitos constitucionais.
Da mesma forma, o presidente do TC disse ser inconstitucional outra norma do decreto que prevê que um cidadão, para pedir o reagrupamento familiar de membros da família que se encontrem no estrangeiro, tenha de residir legalmente no país há pelo menos dois anos.
José João Abrantes frisou que “a imposição de um prazo absoluto, isto é, de um prazo cego de dois anos”, é “incompatível com a proteção constitucionalmente devida à família, em particular à convivência dos cônjuges ou equiparados entre si”.
O TC declarou ainda inconstitucional outra norma que aumenta de três para nove meses o prazo para análise dos pedidos de reagrupamento familiar, que podem ser prorrogados por outros nove meses em “circunstâncias excecionais associadas à complexidade da análise do pedido”.
José João Abrantes considerou que, “ao somar um prazo de decisão de nove meses, prorrogável até 18 meses”, aos dois anos que os cidadãos estrangeiros teriam de esperar para poder pedir o reagrupamento familiar, esta norma “não é compatível com os deveres de proteção da família a que o Estado se encontra vinculado”.
Outra das normas consideradas inconstitucionais prevê que os requerentes de reagrupamento familiar, assim como os membros famílias visados, “devem cumprir medidas de integração”, como aprender a língua portuguesa e “os princípios e valores constitucionais portugueses”, conforme seria “regulado em portaria dos membros do Governo”.
O TC considerou que esta norma viola o princípio constitucional de que é “da exclusiva competência” da Assembleia da República legislar sobre direitos, liberdades e garantias, não podendo ser definida por portaria do Governo.
No entanto, o TC considerou constitucional a norma do decreto que estabelece que quem é titular de certas autorizações de residência, por atividade docente, de investimento ou cultural, tem direito “ao reagrupamento familiar com membros da família”, mesmo que não sejam menores, como sucede com outras autorizações de residência, o que o Presidente da República considerou potencialmente discriminatório.
O presidente do TC considerou que esta norma “não se afigura desproporcionada nem discriminatória” relativamente ao artigo da Constituição que prevê que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
A decisão do Tribunal Constitucional surge após o Presidente da República ter pedido a fiscalização preventiva deste decreto em 24 de julho, tendo pedido que o TC se pronunciasse "com caráter de urgência", ou seja, num prazo máximo de 15 dias, que termina esta sexta-feira.
O decreto foi aprovado em 16 de julho na Assembleia da República, com os votos favoráveis de PSD, Chega e CDS-PP, abstenção da IL e votos contra de PS, Livre, PCP, BE, PAN e JPP.
O diploma foi criticado por quase todos os partidos, com exceção de PSD, Chega e CDS-PP, com vários a considerarem-no inconstitucional e a criticarem a forma como o processo legislativo decorreu, sem ouvir associações de imigrantes ou constitucionalistas e com a ausência de pareces obrigatórios.
No requerimento enviado por Marcelo Rebelo de Sousa ao TC, o Presidente da República pediu a fiscalização preventiva da constitucionalidade das normas sobre direito ao reagrupamento familiar e condições para o seu exercício, sobre o prazo para apreciação de pedidos pela Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA) e o direito de recurso.
