Eça de Queiroz no Panteão. "Um reformista" com "nudez crua da verdade" que "transformou a literatura em língua portuguesa"
Como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, Eça de Queiroz chegou ao "lugar dos imortais". A cerimónia, que contou com a presença de 300 convidados, ficou marcada por vários discursos e leituras de excertos de obras do escritor
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Aguiar-Branco tece elogios a Eça de Queiroz, que, no fundo, foi "um reformista" com uma capacidade "única" de olhar para Portugal. "Há críticas que só aceitamos quando são feitas pelos nossos. Há verdades que só os mais próximos nos podem dizer. Eça de Queiroz conquistou na cultura portuguesa esse estatuto", refere.
"É, mais do que qualquer outro, o escritor que nos descobre os vícios, o que nos denuncia, o que brinca mesmo à distância do tempo com os nossos defeitos coletivos. Normalmente, esforçamo-nos para encontrar atualidade e alguns paralelismos nas palavras dos antigos. Com Eça, temos de nos esforçar para não a encontrar."
Também é preciso cuidar dos mortos. É esta a mensagem de Marcelo Rebelo de Sousa, no dia em que Eça chega ao "lugar dos imortais": “Quantos escritores portugueses estão tão vivos como Eça de Queiroz?”, pergunta.
“Vivos porque os lemos de facto, por oposição a termos lido por obrigação escolar, por oposição a serem um vago nome de rua ou de jardim. Quantos serão esses mortos aos quais damos vida porque os lemos?”
"A maior homenagem a Eça será, sem dúvida, reeditá-lo, estudá-lo e, acima de tudo, lê-lo", menciona o Presidente, acrescentando que a ida para o Panteão é um "ato de justiça".
Eça "era completamente oposto a um vencido na vida" e, entre outras caraterísticas, destaca o "génio de um retrato", a "lucidez de um reparo", a "ironia auto-irónica", a "elegância sem falhas", o "à vontade com os debates intelectuais", o "pessimismo distanciado" e a "nudez crua da verdade".
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, e o primeiro-ministro, Luís Montenegro assinaram o Termo de Sepultura do Panteão Nacional.
E exemplifica: "Elites fascinadas com o estrangeiro e tantas vezes desligadas das vivências nacionais, de burgueses citadinos deslumbrados com o materialismo, de gente simples em serras abandonadas pelos círculos do poder, de jovens decididos a revolucionar o mundo que caem na resignação e no cinismo. Fala-nos de burocracias que desesperam até os mais pacientes, e de políticos - imaginem - que lidam mal com as farpas da imprensa."
Atrás de uma "escrita culta e deliciosa ironia", está a "capacidade única e desapaixonada" como o escritor via o país. Mais do que um escritor, Eça foi "um reformista", aponta o presidente da Assembleia da República.
Por fim, traz a polémica para cima da mesa: "Se fosse de Baião, também não gostaria de abdicar da sua companhia. O seu lugar sempre foi o óbvio: entre os nossos maiores, onde pertence, nesta sala em que o silêncio fala com eloquência."
Toma agora a palavra Afonso Reis Cabral para o elogio fúnebre. "Aqui estamos para acompanhar Eça de Queiroz na manhã em que entra no Panteão Nacional. Aqui estamos muitos, mas somos poucos. Antes de nós, diria até connosco, está uma legião de leitores que acompanha Eça de Queiroz desde que, em 1866, publicou o primeiro texto de uma obra que transformou a literatura em língua portuguesa", começa por afirmar o trineto do escritor.
"Continuar a ser lido no século XXI com sotaques e semânticas e ortográficas de vários países de língua portuguesa", mas também com traduções, ser estudado pela academia e ser adaptado para o cinema, "é a verdadeira prova da posteridade". Isso levou-o à "casa que se quer dos que permanecem no imaginário, até dos que mudaram o imaginário coletivo como o Eça certamente mudou".
Reis Cabral fala das obras de Eça, do tempo em que viveu, das discussões travadas e sobre quem era este homem, "aperfeiçoador obsessivo da língua" que construiu Os Maias.
“Da leitora que aguarda pela carrinha da biblioteca itinerante ao aluno do ensino secundário que aguarda pelos desafios da vida e tantos outros incontáveis leitores, Eça de Queiroz chega ao Panteão Nacional em nossa companhia. Que este dia seja o símbolo do nosso compromisso e agradecimento”, encerra.
"Eça foi um artista metódico e compulsivo"
O primeiro-ministro, Luís Montenegro, já está no Panteão Nacional para a cerimónia de transladação dos restos mortais de Eça de Queiroz.
Outros políticos também já marcam presença, tal como o secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, o líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, e o líder dos comunistas, Paulo Raimundo.
Os militares da GNR já transportaram a urna de Eça para o interior do Panteão Nacional e a mesma já está colocada ao centro do edifício.
Ouve-se agora o hino nacional por membros do coro do Teatro de São Carlos.
Marcelo, Aguiar-Branco e Montenegro estão a entrar no Panteão Nacional. Chegadas as três principais figuras do Estado, agora é aguardar pela urna de Eça.
No Panteão Nacional, está tudo pronto para receber os convidados que vão assistir à cerimónia de trasladação de Eça de Queiroz.
Após uma breve passagem pelo Parlamento, onde se entoou o hino nacional, o caixão de Eça de Queiroz já segue para o Panteão Nacional. Deverá chegar pelas 11h00.
A Casa de Tormes é, desde 1990, a sede da Fundação Eça de Queiroz, no concelho de Baião, distrito do Porto. É a única casa que pertenceu ao autor de “Os Maias”, “O Primo Basílio” e “A Cidade e as Serras”, entre outros livros.
Situada na freguesia de Santa Cruz do Douro, a moradia, construída em granito, é hoje uma casa-museu que recebe milhares de visitantes por ano e onde é possível conhecer melhor as várias dimensões da vida e obra do escritor.
Esta terça-feira, a TSF esteve no Panteão Nacional, para conhecer os detalhes da cerimónia. Santiago Macias, diretor do Panteão Nacional, explicou que "o corpo vai chegar [depois de] um cortejo pelas ruas de Lisboa, que vai trazer os restos mortais de Eça de Queiroz até ao Panteão".
É considerado por muitos o maior romancista português e vai, a partir desta quarta-feira, ter um lugar no Panteão Nacional, local onde estão alguns dos principais protagonistas da história de Portugal. Sophia de Mello Breyner Andresen, Aquilino Ribeiro e Almeida Garrett, entre outros, já estão naquele museu, que se destina a prestar homenagem e a perpetuar a memória de cidadãos portugueses que se distinguiram no país. Agora, também Eça de Queiroz vai ter o seu lugar naquele espaço.
A cerimónia de transladação dos restos mortais de Eça de Queiroz vai ter lugar esta quarta-feira, a partir das 11h00.
Eça de Queiroz é quase unanimemente considerado um cronista de excelência que retratou a sociedade portuguesa e a política no final do século XIX, de uma forma que nos parece que pouco ou nada mudou, em 150 anos, em alguns traços do país.
Mas Eça também ajudou a definir uma identidade nacional, através de romances como "Os Maias", "O Primo Basílio", e obras como "A cidade e as serras".
A poucos dias da cerimónia de descerramento de uma placa que dará honras de Panteão Nacional ao escritor, o bisneto de Eça e também escritor Afonso Reis Cabral explicou à TSF que o que o bisavô escreveu no final do século XIX "é um país visto ao espelho" e que, "ainda hoje, olhamos para a nossa história pelo monóculo de Eça de Queiroz".
A trasladação dos restos mortais de Eça de Queirós para o Panteão Nacional, em Lisboa, decorre hoje a partir das 09h00, numa cerimónia que começa na Assembleia da República e inclui música e leitura de excertos de obras.
A trasladação acontece 125 anos após a morte do escritor, quatro anos depois de aprovada pelo parlamento e quando finalmente terminou uma contenda judicial, na sequência de ações interpostas por alguns dos bisnetos do escritor que não queriam que os restos mortais de Eça de Queirós saíssem da aldeia de Santa Cruz do Douro, no concelho de Baião, onde estão depositados, para o Panteão Nacional.
No dia em que Eça de Queiroz recebe honras de Panteão Nacional, os especialistas em literatura reveem a obra do escritor. A figura grande das letras é consensual na sua escrita genial, com o olhar arguto para a vida da alta da burguesia, os falsos moralismos, a crítica social, tudo dito e escrito com uma filigrana de palavras onde o humor, muitas vezes com ironia e sátira, está presente.
