Novo ano judicial arranca com protesto silencioso à porta do Supremo Tribunal de Justiça
Os funcionários judiciais manifestam-se contra a proposta de revisão de carreira, apresentada pelo Governo no final do ano passado. Em declarações à TSF, o presidente do sindicato, António Marçal, considera que a proposta é uma "sentença de morte" para a profissão
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O novo ano judicial arranca com um protesto silencioso convocado pelo Sindicato dos Funcionários Judiciais, em frente ao Supremo Tribunal de Justiça. O presidente do sindicato, António Marçal, adianta à TSF que esta greve é uma manifestação contra a proposta de revisão de carreira, apresentada pelo Governo no final do ano passado. Uma proposta que António Marçal considera ser uma "sentença de morte" para a profissão.
“Em 2024, assinámos um acordo preliminar com o Governo que previa que o Governo apresentasse uma proposta de revalorização funcional e salarial da carreira. Passados seis meses, o Governo nada fez e, no final do ano, apresentou uma proposta que mais não é do que um pronúncio ou uma sentença de morte para a carreira, porque não tem um aumento, fala de aumentos de 28 euros. Nós somos a única carreira que somos obrigados a trabalhar depois da hora e não ganhamos um único cêntimo por esse trabalho - sobre isso, nada se diz. Ou seja, significa que nós temos um vencimento de ingresso que cada vez mais se aproxima daquele que é o ordenado mínimo nacional”, explica à TSF António Marçal.
A nível de expectativas para o ano judicial, António Marçal diz que tudo depende da reunião negocial com o Ministério da Justiça, agendada para esta quinta-feira. “Se houver já uma proposta intelectualmente séria e honesta, então nós poderemos trilhar um caminho que permita efetivamente recuperar pendências. Se não houver da parte do poder político uma aposta séria de investimento, então 2025 será marcado por muita turbulência nos tribunais e secretarias do Ministério Público”, sublinha.
"É tempo de se acabar com esta hipocrisia"
Quem também estará presente nesta reunião negocial é o Sindicato dos Oficiais de Justiça. Estes profissionais encontram-se com duas greves em curso, uma desde janeiro de 2023 e outra desde junho de 2024, em que reivindicam melhores condições de trabalho e o reconhecimento da carreira.
Tal como António Marçal, o representante sindical destes trabalhadores refere que o ano de 2025 dependerá do resultado desta reunião. Carlos Almeida afirma que vai para esta reunião de "pé atrás" e deixa um apelo ao Governo: "Já chega de hipocrisia."
“Vamos para esse processo negocial um pouco de pé atrás - por isso é que temos e as greves e continuamos -, porque, ao longo destes últimos anos, aquilo a que temos assistido é todos os representantes da justiça e do país a fazerem discursos que são sempre muito bonitos, muito redondos, mas é tempo de se acabar com esta hipocrisia, e de facto, darmos resposta aos problemas da justiça”, contesta.
Magistrados do MP querem melhores condições de trabalho
Já o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, espera que 2025 traga soluções que melhorem as condições de trabalho destes profissionais, depois do Observatório Permanente da Justiça ter alertado para um risco elevado de burnout para, pelo menos, metade destes profissionais. O presidente sindical, Paulo Lona, espera "que seja aprovado um estatuto de oficiais de justiça que valorize esta função, que permita que vários profissionais concorram e que haja um reforço de quadros de oficiais de justiça".
"Espero também que este ano traga um sistema informático adequado para a gestão dos inquéritos. Por outro lado, espero que também traga finalmente alguma preocupação com as condições de exercício de funções dos magistrados", acrescenta.
Alterações do estatuto da Ordem dos Advogados e a remuneração dos estágios
Já a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda Almeida Pinheiro, diz que as prioridades para este ano passam pela alteração do estatuto da Ordem dos Advogados, mas também por melhorar a providência da advocacia. Para este último ponto, a jurista avança que já há um grupo de trabalho.
"Neste momento temos um grupo de trabalho que se prevê que vá apresentar cenários novos e garantir-lhes direitos na parentalidade, na doença, na quebra abrupta de rendimentos. Contamos ter já cenários concretos desse trabalho e um resultado também de uma Inspeção ao património da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores em meados deste ano", afirma.
A bastonária quer também que "finalmente se concretize o aumento da tabela dos honorários do sistema de acesso ao direito e aos tribunais". "Temos também expectativas sérias de que possa ser e deva ser alterado o estatuto da Ordem dos Advogados em muitas linhas."
Fernanda Almeida Pinheiro pede ainda ao Governo que ofereça soluções para a remuneração dos estágios, sob pena de impedir o acesso à carreira. "Mais de 75% dos profissionais que exercem advocacia exercem-na em prática individual e não têm capacidade financeira para remunerar um estagiário. O valor que foi estipulado é incomportável para a maioria dos advogados. E, portanto, este problema não foi criado por este Governo, foi criado pelo Governo anterior, mas vai competir a este Governo resolvê-lo de forma definitiva, sob pena de se limitar as hipóteses dos jovens de aceder à profissão", atira.
Juízes pedem que se passe das palavras aos atos
O presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Nuno Matos, espera que o ano seja marcado por processos complexos, como a Operação Marquês e o caso BES.
"São processos que o sistema de Justiça tem de dar resposta e são desafios que se vão colocar neste ano de 2025. É evidente que todos nós percebemos que estamos a falar dos megaprocessos e não é fácil, muitas vezes, conferir a celeridade necessária a estes processos, porque a própria essência deles é complexa, mas colocam-se estes desafios", assegura.
Nuno Matos quer ainda que a estrutura do sistema da Justiça seja uma prioridade política e apela que se passe das palavras aos atos: "As palavras são ditas, os objetivos são traçados, mas depois, na prática, muitos deles não são concretizados. Ao nível legislativo, temos assistido a algumas alterações, mas depois custa-me ouvir estes discursos, chegar aos tribunais e ver que chove lá dentro, que não há condições para os cidadãos estarem com condições de segurança dentro dos tribunais, a falta de juízes. Aquilo que se pede é que os discursos não passem de discursos."
A cerimónia oficial está marcada para as 15h00, no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, e discursam a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, o Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra; a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice; o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz conselheiro João Cura Mariano; o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco; e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
