“Vão para a cama a chorar com fome. O que é que o mundo precisa de ver mais para ajudar os palestinianos?”
A fotojornalista que ganhou o prémio da World Press Photo lamenta a falta de empenho da comunidade internacional perante a catástrofe vivida em Gaza
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Mais do que contar o seu trabalho a quem a ouve, Samar Abu Elouf quer falar da fome que está a matar crianças e adultos em Gaza. Numa conferência de imprensa antes da inauguração da exposição em Portimão, a fotojornalista revela que conversa todos os dias com a família. Sempre que o faz invade-a um sentimento de tristeza, revolta e impotência perante a catástrofe vivida pelo povo palestiniano.
Samar, que ganhou o prémio da World Press Photo com a fotografia da criança vítima de um bombardeamento e, como consequência, ficou sem os dois braços, vive agora em Doha, no Catar, numa comunidade de palestinianos. Mas Gaza está sempre no seu pensamento:
À noite, não consigo dormir, porque falo com a minha irmã e eles estão sempre a chorar. Não conseguem dormir, estão com fome e não conseguem encontrar comida. A minha mãe perdeu 20 quilos. E eu vejo no mundo tanta comida e não consigo levar nada para a minha família
Na última noite, a irmã contou-lhe que os filhos, gémeos, só tinham um pão para comer, bocadinho a bocadinho para que chegasse para os dois ao longo do dia. "Vão para a cama a chorar com fome", lamenta.
Samar Abu Elouf conseguiu sair de Gaza com os quatro filhos, ajudada pelo The New York Times, o jornal para o qual trabalha. A Portimão chegou a convite da Associação Música XXI e da câmara municipal. João Neves dos Santos, o curador da exposição, revela que foi difícil obter o visto da embaixada portuguesa para a palestiniana viajar. "Foi ultra complicado (….) e recebeu o visto apenas no dia anterior a embarcar", conta.
Samar admira o trabalho dos jornalistas palestinianos que ficaram em Gaza e arriscam todos os dias a vida. É através do seu olhar que o mundo conhece o que se passa no território. Relatam diariamente os ataques israelitas e agora o grande problema: a falta de comida. "Eu sei o que significa para um jornalista estar a relatar o que se passa, quando estão a sofrer a mesma situação", sublinha, acrescentando: "Também eles choram porque estão com fome."
"O que é que o mundo precisa de ver mais para ajudar o povo palestiniano?”, questiona.
Mahmoud Ajjour, o menino de dez anos que a fotojornalista retratou, vive também no Catar, na mesma comunidade que Samar. Sem os dois braços, o rapaz tenta brincar como todas as outras crianças, mas nem sempre é fácil. "Quando cai e não consegue levantar-se fica zangado e já não quer brincar”, relata. "Mas tenta levar uma vida normal, ir à escola e brincar com as outras crianças."
Samar Elouf começou a ser fotojornalista há 15 anos e admite que na Palestina, para uma mulher, não é fácil afirmar-se na profissão: "Quando me viam na rua a fotografar, diziam-me: 'Vai para casa fazer comida'... e coisas do género."
"Quando viajei para o Egito em trabalho, o meu pai deixou de me falar durante dois meses e proibiu-me de ir a casa e ver a minha mãe", conta igualmente. Hoje já toda a família admira as suas fotos e o próprio pai lhe pergunta porque é que não faz esta ou aquela foto. Em 70 anos de vida, Samar foi a quinta mulher a vencer a World Press Photo.
Esta mulher tem um propósito: ir pelo mundo com as suas fotografias para mostrar o que se passa em Gaza. Assim queira o mundo ver. "Hoje estou aqui, obrigada”, diz com um sorriso no rosto.
A exposição da World Press Photo, com 42 fotografias de 30 fotojornalistas, vai estar patente até dia 10 de agosto, no edifício da antiga Lota de Portimão.