Especialista defende “redução do esforço de pesca de lampreia para metade” para repovoar rios nacionais

Maria João Gala / Global Imagens (arquivo)
A pouco mais de dois meses para a abertura da época da lampreia, a escassez de peixe nos rios nacionais preocupa cientistas e comunidades piscatórias
Em alguns rios, como o Minho e o Mondego, o esforço de pesca já vai sofrer alguma redução em 2025, mas o diretor do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) e especialista em peixes anádromos (que se reproduzem nos rios e se tornam adultos no mar), Pedro Raposo de Almeida, considera que a medida não é suficiente para evitar “uma década muito negra pela frente”. Entende que, para produzir efeitos no repovoamento do ciclóstomo, o esforço de pesca nacional deveria ser reduzido “no mínimo, para metade”.
“O ideal era uma paragem total ou então quase total para também não eliminar a parte gastronómica e dos festivais. Isso é causa sempre muita perturbação, mas uma paragem substancial para termos efeitos”, considera o investigador, referindo que, se não forem tomadas medidas, após a safra de 2025, “não se podem esperar milagres”. E critica o facto de, na próxima época, a captura no rio Lima não contemplar restrições, enquanto no Minho, os pescadores aceitaram uma safra mais curta 15 dias e os do Mondego 10 dias (botirões), como medidas de recuperação da espécie.
“Situações como tivemos na reunião do Lima, em que não se reduziu sequer um dia, acho que as pessoas estão a enterrar a cabeça na areia. Os pescadores não estão a ser consentâneos com aquilo que lhes foi apresentado. (…) Fizemos esse apelo [da redução do esforço de pesca] e as pessoas foram irredutíveis. Acho que faz falta aqui também do ponto de vista da administração, alguma coragem para impor as regras”, declarou o investigador do MARE-Universidade de Évora, aludindo a uma reunião realizada esta segunda-feira, com responsáveis “do ICNF, IPMA, SEPNA e Capitão de Porto de Viana do Castelo”.
Pedro Almeida manifestou, contudo, ainda esperança de que “eventualmente o Secretário de Estado das Pescas, atuando a nível do ICNF e da DGRM, pode tentar coligir a situação e reduzir um pouco”. E admitindo que possa vingar também uma “medida interessante” de restrição de pesca “em quatro ou cinco quilómetros junto à barragem de Touvedo”.
“Se formos deixar os pescadores decidir, embora tenham informação, tentam sempre ir até ao limite e é lamentável. Tal como temos as coisas neste momento, sinceramente acho que podemos ter aqui uma década muito negra pela frente”, alertou o especialista, defendendo também a ideia de “translocar lampreias manualmente”, como “medida de exceção” a implementar no próximo período de faina. “Basicamente é comprar as lampreias aos pescadores e depois transportá-las até montante, aos locais de reprodução”, explicou, considerando que, para levar a cabo estas ações, “tem de haver apoios em termos financeiros”.
“Acho que este ano não fomos tão longe quando deveríamos ter ido”, disse Pedro Almeida, sublinhando: “O nível a que chegou o stock de lampreia, no mínimo, deveríamos reduzir para metade o esforço de pesca nacional. No mínimo, para sermos coerentes em termos de conservação da espécie e sobretudo da atividade pesqueira”. E conclui:
“Embora esperemos em 2025 um ano dito normal, era um ano importante em termos de recuperação porque poderia permitir o repovoamento dos nossos rios. Se vamos manter a pesca com o mesmo esforço, vamos perder essa oportunidade. Os números o que nos dizem, em termos de dinâmica populacional é que os anos a seguir são maus. Portanto, vamos entrar num ciclo negativo e não vamos ter outra oportunidade para repovoar.”
Augusto Porto, da associação de pescadores do rio Minho (Caminha), declarou, que na próxima época de lampreia, os pescadores vão trabalhar “de janeiro até ao último dias de março” e defendeu que seria “importante” que o Estado garantisse “subsídios de compensação já”.
“O abril deixamos de pescar. Fomos nós que fizemos essa proposta, porque achamos que faz todo o sentido se preserve”, afirmou, considerando que “não é o pescador que tem que acarretar com todas as despesas para a sobrevivência das espécie e do próprio rio”.
