"Isto é o nosso paraíso." Cidadã síria conta que povo "renasceu" após queda do regime de al-Assad
Em entrevista à TSF, Ghalia Taki não consegue esconder a emoção e mal consegue acreditar na queda de um regime que conheceu toda a vida. A síria conta, ainda assim, que "alguns têm medo porque não sabem o que vai acontecer", mas garante que "não há violência" em Damasco
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"Na Síria, renascemos hoje, dia 8 de dezembro." Quem o diz é Ghalia Taki, uma cidadã síria, de Damasco, que saiu do país há mais de 20 anos. Chegou a Portugal em 2014, onde ajuda refugiados. Passou a noite acordada, a acompanhar aquilo que se passa na Síria e em contacto com a família que ainda lá está.
Grupos rebeldes anunciaram a queda do "tirano" Bashar al-Assad, garantindo que libertaram todos os prisioneiros detidos "injustamente" e apelando aos cidadãos e combatentes que preservem as propriedades do Estado. "O tirano Bashar al-Assad fugiu (...) proclamamos a cidade de Damasco livre", anunciou a coligação de grupos rebeldes. "Depois de 50 anos de opressão sob o poder do [partido] Baas, e 13 anos de crimes, de tirania e de deslocações [forçadas] (...) anunciamos hoje o fim deste período negro e o início de uma nova era para a Síria."
Muito emocionada, em entrevista à TSF, Ghalia Taki mal consegue acreditar na queda de um regime que conheceu toda a vida.
"Ninguém conseguiu dormir, estamos muito contentes. Nós nascemos durante este regime e ninguém consegue acreditar que já conseguimos ver este dia. Não, nunca. Nós nascemos neste regime, então nem tínhamos a capacidade de imaginar que esse dia fosse chegar. Na Síria, renascemos hoje, 8 de dezembro", afirma, descrevendo, ainda assim, o medo que se sente no país.
"Alguns têm medo porque não sabem o que vai acontecer. Na Síria, nunca fomos livres e algumas pessoas têm reservas, têm medo, não sabem o que vai acontecer. Algumas estão em casa, não querem sair, outras estão na rua a celebrar e a dançar", conta à TSF a cidadã síria.
Questionada sobre se também já festejou, Ghalia responde que só consegue chorar e admite que "deseja voltar" à Síria. "O meu marido desde ontem que está a dizer que talvez possamos passar lá o novo ano."
Com as emoções à flor da pele, Ghalia tem dificuldade em exprimir a felicidade e vai misturando o português com o inglês para contar que se ouviram alguns tiros, mas não há violência em Damasco.
"Não há nenhuma violência. Eles ouviram apenas tiros, mas não há qualquer violência e o momento mais importante e mais emotivo foi quando vimos as pessoas a saírem da prisão. Conheço muitas pessoas que desapareceram há muitos anos. Não consigo expressar-me com tanta felicidade. É como se nos dissessem que, no final da nossa vida, teremos o paraíso. Isto é o nosso paraíso", sublinha.
Os rebeldes declararam este domingo Damasco "livre" do presidente Bashar al-Assad, após 12 dias de ofensiva de uma coligação liderada pelo grupo islâmico Organização de Libertação do Levante, juntamente com outras fações apoiadas pela Turquia, para derrotar o governo sírio.
O Presidente sírio deixou o país, perante a ofensiva rebelde, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH).
O OSDH, com sede em Londres e rede de informadores na Síria, já tinha indicado que, face ao avanço das forças rebeldes, o exército e as forças de segurança tinham abandonado o aeroporto de Damasco.
Mal se conheceram as notícias da queda do regime de al-Assad, centenas de sírios reuniram-se na grande mesquita no distrito de Fatih, em Istambul, um dos epicentros da comunidade síria, felizes por se "livrarem de Assad".
"Não pensei que isso aconteceria um dia, nem mesmo em três séculos! Ninguém esperava, é uma grande vitória!", exultou Mohamad Cuma, um estudante sírio que chegou de Alepo há três anos.
"É incrível, sentimos que renascemos", diz Sawsan Al-Ahmad, incrédula, segurando o filho numa das mãos. Esta mãe viveu os primeiros meses do cerco impiedoso de Homs pelas forças do regime sírio em 2011, e está encantada com a ideia de levar o filho "para a terra natal", agora que o governo da família Assad terminou.
Atrás dela, sob uma chuva torrencial, centenas de sírios entoam "Allah akbar!" ("Deus é Grande!"), alguns apelam à execução de Bashar al-Assad enquanto agitavam bandeiras da revolução síria.
No meio desse ao rebuliço, e audível a centenas de metros de distância, um homem segurava um retrato de Abdel-Basset al-Sarout, um ex-astro do futebol sírio que se tornou um combatente rebelde e morreu em 2019 em confrontos com as forças do regime de al-Assad.