Viagem de poucos dias acaba em aventura de nove meses: "Foi uma oportunidade para terem mais tempo na Estação Espacial"
Em declarações à TSF, Rui Moura, investigador com formação de astronauta nos Estados Unidos, refere que, apesar de estarem preparados para imprevistos como este, as longas estadias no espaço têm várias consequências para o corpo humano
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Na próxima semana, devem voltar à Terra os dois astronautas norte-americanos retidos na Estação Espacial Internacional desde junho. A viagem, que deveria ser de poucos dias, prolongou-se durante mais de nove meses, uma vez que a nave, que estava a fazer o primeiro voo tripulado, sofreu problemas de propulsão e não teve condições para garantir o regresso. A nova equipa chegou, este domingo, e o regresso a casa está, finalmente, à vista. Em declarações à TSF, Rui Moura, investigador da Universidade de Aveiro com formação de astronauta nos Estados Unidos, considera que toda a situação acabou por ser uma "oportunidade" para os dois astronautas que ficaram no espaço bastante mais tempo do que o planeado.
As equipas que selecionam os astronautas, normalmente, têm por tendência selecionar pessoas que sejam flexíveis e adaptáveis. As próprias agências preparam os astronautas para ter sempre um plano B e um plano C", explica à TSF Rui Moura, referindo que ambos os astronautas acabaram por participar em "experiências científicas".
Foram mais dois pares de mãos para fazer uma quantidade vasta de experiências necessárias na Estação Espacial. Uma das grandes tarefas que os astronautas fazem é a manutenção da Estação Espacial, que requer muitas horas de manutenção, desde coisas simples, como limpeza, até substituição de alguns componentes. Foi uma oportunidade de eles terem mais tempo no espaço, que é aquilo que os move. Qualquer astronauta gostaria de beneficiar do maior tempo possível na Estação Espacial
O investigador sublinha que, apesar de a formação preparar os astronautas para imprevistos como este, as longas estadias no espaço acabam por ter consequências para o corpo humano.
"Aquela que é irreversível é a dose de radiação que recebem, que é muito superior àquela que recebemos aqui na Terra. A própria carreira em termos das agências espaciais é regulada pela radiação, porque ela dita uma probabilidade de contrair cancro nos próximos anos. Depois, há outro fator que é a perda de massa óssea, que também é praticamente irreversível, o próprio tratamento é contraproducente também. E depois ainda há, às vezes, alguns tripulantes que perdem alguma acuidade visual. Obviamente que também vão ter atrofia muscular e o próprio coração perde alguma capacidade muscular, porque ele faz menos esforço durante aqueles nove meses para bombear o sangue e tem uma certa contração muscular. Quando regressam à Terra, os próximos meses são no sentido de recuperar pelo menos a parte muscular e voltarem a adaptar o sistema de ouvido interno às condições de gravidade", descreve.
Os dois astronautas americanos devem regressar a casa nos próximos dias, num processo em tudo semelhante a outros do mesmo género.
"Vai ser um regresso normal como tem sido aqueles da cápsula da Space X, The Crew Dragon, que tem uma operação totalmente independente, ou seja, é a própria empresa que garante a manobra. Portanto, eles vão ter a saída da cápsula, há um processo de abrandamento em termos da velocidade orbital para diminuir em altitude e depois uma gradual aproximação da atmosfera terrestre. Depois, há uma entrada na atmosfera que culmina com uma amaragem próxima do Texas", conta o investigador, acrescentando que, "em princípio", irá correr "tudo bem".
Butch Wilmore e Suni Williams estão retidos a bordo da ISS desde junho passado, na sequência de falhas na nave espacial Boeing Starliner que os transportava. O que inicialmente se previa ser uma viagem de alguns dias durou mais de nove meses, período bem mais longo do que as habituais rotações de seis meses dos astronautas a bordo da ISS.
Poderão iniciar o regresso na próxima quarta-feira, alguns dias após a chegada da nova tripulação.
A estadia dos dois astronautas é mais curta do que o recorde espacial norte-americano de 371 dias, estabelecido pelo astronauta da NASA Frank Rubio, a bordo da ISS em 2023, ou o recorde mundial do cosmonauta russo Valeri Polyakov, que passou 437 dias consecutivos a bordo da estação espacial Mir.
