João Leão à TSF: “O ideal era um esforço de compromisso que permitisse realizar o Orçamento do Estado”
Leão alerta para as consequências de uma crise política: “Se tivermos três eleições no espaço de três anos, aumenta muito a perceção internacional de ingovernabilidade”
Corpo do artigo
O ex-ministro das Finanças do Governo de António Costa, João Leão, considera que as circunstâncias atuais recomendam prudência de parte a parte e entende que os dois protagonistas da negociação do Orçamento do Estado – Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos – devem garantir que o orçamento é aprovado.
“O momento atual recomendaria que houvesse uma tentativa de compromisso de parte a parte”, afirmou o ex-governante, lembrando que isso “implica esforço de ambos os lados”, pois uma “negociação envolve sempre duas partes, o que é bastante exigente quando sabemos também que a visão para o país e o programa com que se apresentaram a eleições era diferente e também têm interesses diferentes”.
João Leão reconhece que “não é fácil compatibilizar” as diferenças dos programas com que cada um se apresentou a eleições e “o esforço de compromisso”. Porém, considera que “seria importante conseguir o tal esforço de compromisso para conseguir viabilizar o Orçamento do Estado”.
“Para o país, é importante estabilidade [e] evitar aumentar a incerteza, porque isso acaba por afetar a economia, a capacidade de implementarmos reformas e termos uma visão que é muito importante no país a médio prazo”, defendeu, alertando para as consequências de uma crise política.
“Se tivermos três eleições no espaço de três anos, aumenta muito a perceção [negativa], que pode criar perante os agentes económicos e os cidadãos, mas também a nível internacional, [de] uma certa ideia de ingovernabilidade que não é positiva para o país”, sublinhou.
“A meu ver, o ideal era fazer um esforço de compromisso que permitisse realizar o Orçamento do Estado”, defendeu o ex-governante, que foi um recordista na negociação de Orçamentos do Estado.
Atualmente, acompanha “com muito interesse” os acontecimentos políticos em Portugal, “sobretudo na parte que toca à economia, às finanças públicas”, apesar de se encontrar no Luxemburgo, como auditor do Tribunal de Contas da União Europeia, onde conversou com a TSF, para o programa Fontes Europeias. O ex-ministro das Finanças afirma que a atual situação não é motivo de surpresa para ele.
“Não me tenho surpreendido com nada, porque negociei sete Orçamentos do Estado, quer enquanto secretário de Estado do Orçamento, quer enquanto ministro das Finanças. Acho que foi recorde nas finanças públicas em Portugal, de apresentação de Orçamento do Estado nessas duas qualidades, e sempre, como era Governo de natureza minoritária, houve este drama”, afirmou. Observando as atuais circunstâncias, João Leão nota diferenças quando compara o Governo de Montenegro com o de António Costa.
“Apesar de sermos Governo minoritário, tínhamos acordo com os partidos parlamentares, ou seja, não estavam no Governo, mas havia acordo que balizava o que devia ser aprovado em cada orçamento, sobretudo nos primeiros anos, e esse entendimento dava maior estabilidade, por onde se tinha uma maior visão de médio prazo, muito importante na governação, sobretudo na área económica e financeira”, sublinhou.
“Não havia aquela perspetiva de que haveria eleições a qualquer momento, porque nós tínhamos acordo com os partidos que nos davam uma maioria parlamentar. Ao mesmo tempo, era Governo, portanto, dava maior perspetiva de estabilidade. Isso é diferente. Neste caso concreto, é um Governo altamente minoritário, mais minoritário do que na altura, e que não tem nenhum acordo parlamentar. Portanto, isso torna ainda mais difícil a aprovação do Orçamento do Estado”, admitiu.
A outra diferença é que o Executivo atual “procura fazer o Orçamento do Estado com o principal partido da oposição, o que é um pouco diferente também no nosso caso: nós, na altura, negociávamos o Orçamento com outros partidos que não eram principais, eram pequenos partidos e que não esperavam em breve vir a ser Governo. Portanto, criava uma dinâmica diferente da negociação do que é atual”, frisou.
Até 15 de outubro, o Governo tem de entregar o projeto orçamental em Bruxelas, mas João Leão desvalorizou o impacto da atual situação no âmbito da coordenação das políticas económicas na União Europeia.
“A Comissão Europeia está preparada para lidar com este tipo de situações. Na altura, aliás, eu fui o primeiro em Portugal que teve de lidar com essa questão porque tive o primeiro orçamento que não foi aprovado na Assembleia da República, apesar de todos os esforços que fizemos, não conseguimos a sua viabilização no final”, afirmou, lembrando que, “na altura, o Governo teve de comunicar essas dificuldades à Comissão Europeia”.
“A Comissão Europeia, tipicamente, insiste para os Estados-membros continuarem a entregar o projeto orçamental à Comissão Europeia, e depois mais tarde, ainda já depois das eleições, pedem para entregar o programa de estabilidade poucas semanas após a tomada de posse do novo Governo. Portanto, a Comissão Europeia pede que continuemos a entregar os instrumentos, sabendo bem que o novo Governo, depois, fará os ajustamentos que entender serem necessários”, destacou ainda.