Corpo do artigo
Estamos no centro profundo de Portugal, perto da raia e longe de tudo. O Provence, da chef Maria Caldeira de Sousa, foi inaugurado há pouco tempo e é o seu novo manifesto culinário.
Estudiosa distinta da história da alimentação, Maria tem paixão pelo seu ofício e é incessante divulgadora dos tempos de outrora. Costumes, técnicas e sabores são-nos disponibilizados à mesa, numa cozinha respeitadora dos tempos de antigamente. Conheço a chef há bastante tempo e admiro muito o seu trabalho. Serei talvez diferente dos demais, mas é mais no incrível talento de Maria Caldeira de Sousa enquanto cozinheira do que na sua enorme bagagem cultural que me fixo. É que se está muito bem nesta mesa especial.
Há, por exemplo, canapés de azeitona galega da Beira Baixa e queijo de cabra fresco, deliciosos e muito equilibrados na boca. A genial Maria recorre de forma inteligente a intensificadores naturais de sabor como por exemplo ervas aromáticas. O sal direto raramente é aplicado. Isso fica claro na brilhante entrada de ovo recheado com maranho e hortelã, acompanhado de manteiga de cabra com medronho e cebolinha. E há um maravilhoso caldo da faina agrícola em panela de ferro, que integra todos os postulados numa cozinha de raízes que nos seduz logo. A chef Maria propõe nos pratos principais uma escolha copiosa de opções.
A chora de cachaço de bacalhau é uma forma moderna de homenagear os heróis dos tempos dos bacalhoeiros. O colagénio a ligar os ingredientes na perfeição, e o sabor a subir. Faz-se um maravilhoso lucio perca com batatinha assada em azeite, trabalho notável de valorização de um peixe de rio. Bate todo o preconceito que possa existir. A cabidela de cabra é semelhante à chanfana e tem origem aqui mesmo, nestas paragens da Beira Baixa. É deliciosa e equilibrada, no extremo oposto do prato pesado e gordo que nos habituámos a consumir ao longo dos anos. Fantástica é também a chanfana de polvo à padeiro, trabalho culinário imaculado da nossa chef.
Claro que há um maravilhoso arroz de cabrito à moda do Provence, servido com salada de alface envinagrada. E a aba de vitelo assada em tacho com charlote e batatinha, feita com carne de nível supremo, faz-nos regressar aos tempos mais recuados, em que um assado tardava dias a apurar.
Para terminar docemente, invista na fantástica mousse de medronho e amêndoa, cremosa e franca, com os diversos elementos a fazer-se sentir bem no palato. E não pode deixar de provar o tiramisú ao minuto, outra invenção notável da nossa chef. Nem pode deixar de voltar muitas vezes, há muito para explorar.