Economia, Capitólio, Ucrânia, aborto e animais de estimação. O essencial do debate entre Trump e Kamala
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Economia, saúde, aborto, imigrantes, as guerras em Gaza e na Ucrânia foram alguns dos temas abordados no debate entre dois candidatos à Casa Branca. Uma troca de ideias por vezes acalorada com críticas e acusações. Kamala Harris acusou Donald Trump de ser "fraco" e dividir o país, enquanto o antigo presidente republicano insistiu na ideia de que os democratas estão a "destruir" os EUA.
Trump acusa Harris de "copiar plano de Biden" para economia
O candidato presidencial republicano, Donald Trump, classificou na terça-feira a vice-presidente e a sua adversária democrata, Kamala Harris, de "marxista" e acusou-a de não ter planos económicos próprios, copiando políticas do atual Presidente, Joe Biden.
"Ela não tem um plano. Ela copiou o plano de Biden e resume-se a quatro frases. Quatro frases que são apenas 'vamos tentar reduzir os impostos'. Ela não tem programa", disse Trump durante o primeiro debate entre os dois candidatos na cidade norte-americana de Filadélfia.
"Ela é marxista. Todos sabem que ela é marxista. O pai dela é um professor marxista de economia, e ele ensinou-a bem", declarou o republicano sob o olhar atento de Harris, que sorria e abanava a cabeça enquanto ouvia o magnata falar.
O ex-presidente já havia feito ataques pessoais semelhantes contra Harris e evocou na terça-feira o pai da vice-presidente, Donald Harris, com origens humildes e que obteve um doutoramento na Universidade da Califórnia, Berkeley, além de se tornar professor em Stanford.
No debate de terça-feira, o ex-presidente voltou a afirmar que a inflação nos Estados Unidos é "provavelmente a pior da história" norte-americana, uma falsa alegação que a imprensa norte-americana rapidamente clarificou, embora assinalando que a inflação durante o corrente Governo de Biden tem sido maior do que o normal nos últimos anos.
"Eu criei uma das maiores economias da história do nosso país. Eles destruíram a economia", acrescentou Trump, prometendo que se voltar à Casa Branca irá restaurar a economia do país.
Ainda nos primeiros momentos do debate, após acusações de Kamala Harris, Donald Trump recusou qualquer ligação ao Projeto 2025, um polémico programa governamental desenvolvido por grupos ultraconservadores caso o republicano regresse à Casa Branca, qualificando algumas das propostas como "boas e outras más".
"O que vocês ouvirão hoje à noite é um plano detalhado e perigoso chamado Projeto 2025, que o ex-presidente pretende implementar se for eleito novamente", disse Kamala Harris.
"Como vocês sabem, e como ela sabe, não tenho nada a ver com o Projeto 2025. Isso está aí, eu não li. Não quero ler, propositadamente. Não vou ler", assegurou Trump.
O Projeto 2025, promovido pela Heritage Foundation, um 'think tank' de extrema-direita, propõe um roteiro para uma mudança radical na Administração norte-americana se Trump vencer as eleições de 05 de novembro.
Os seus planos incluem o desmantelamento de várias agências do Governo federal e a demissão de milhares de funcionários públicos para os substituir por pessoas leais a Trump que, sem objeções, aplicariam uma agenda radical.
Apesar de Trump negar qualquer vínculo com esse projeto, um levantamento feito pela CNN internacional indica que pelo menos 140 pessoas que trabalharam no Governo do magnata estavam envolvidas com o Projeto 2025 de alguma forma.
Kamala Harris promete corte fiscal para famílias jovens e pequenas empresas
A candidata democrata Kamala Harris prometeu uma "economia de oportunidades" com um corte fiscal para famílias jovens e para pequenas empresas.
"Fui criada na classe média e sou a única pessoa aqui esta noite que tem um plano para elevar as pessoas da classe média na América", afirmou Kamala Harris no debate terça-feira (madrugada de quarta-feira em Lisboa), ao ser questionada sobre o estado da economia.
A candidata reconheceu que as famílias estão a ter dificuldades com a escassez de habitação acessível e que é necessário construir mais: prometeu trabalhar com o sector privado para construir mais três milhões de casas até ao final do mandato.
Harris também cunhou o termo "IVA do Trump" para descrever o que serão os efeitos da taxa de 20% que o republicano quer impor a bens importados. "Isso resultaria em despesas de mais quatro mil dólares por ano" em média para as famílias, apontou a democrata, acusando-o de querer dar cortes de impostos aos ricos às custas da classe média.
O seu plano de cortes fiscais, afirmou, oferece benefícios de seis mil dólares para famílias jovens e de 50 mil dólares para pequenas empresas.
"Tenho um plano para a economia de oportunidades", declarou a candidata democrata, contrastando a sua "paixão pelas pequenas empresas" com o plano de Donald Trump de voltar a cortar os impostos às empresas e milionários.
"Trump deixou-nos o pior desemprego desde a Grande Depressão, a pior epidemia de saúde pública num século e o pior ataque à nossa democracia desde a guerra civil", acusou Kamala Harris.
"Estivemos a limpar a porcaria deixada por Trump", continuou, afirmando que Trump "não tem um plano" para as pessoas e que os economistas avaliaram negativamente a sua proposta de tarifas.
Citou em particular como críticos do impacto das propostas de Trump a casa de invstimento Goldman Sachs, a escola de gestão Wharton e dezenas de laureados com o Nobel da economia que fizeram um abaixo-assinado conjunto.
"A administração Trump resultou num dos défices mais elevados da história", apontou.
Ao longo do debate, Kamala Harris regressou várias vezes à sua mensagem económica, dizendo que, ao contrário da "velha retórica" de Trump, ela tem um plano para tornar os bens mais baratos e a habitação mais acessível.
Questionada sobre a sua mudança de opinião quanto ao 'fracking', método de extração e hidrocarbonetos do solo, Harris garantiu que não irá bani-lo e que não o baniu enquanto vice-presidente.
Esta é uma questão crucial na Pensilvânia, um estado decisivo onde os candidatos estão empatados.
"Eu dei o voto que aprovou a Lei de Redução da Inflação, que abriu novas licenças de 'fracking'", salientou Harris. "O que eu defendo é que precisamos de investir em fontes de energia diversas para reduzir a dependência de petróleo estrangeiro", afirmou, lembrando o grande aumento da exploração petrolífera doméstica durante a administração Biden.
Ucrânia: "Eu quero que a guerra acabe. Eu quero salvar vidas"
Sobre política externa, Trump foi questionado sobre se queria que a Ucrânia vencesse a guerra com a Rússia, mas evitou responder diretamente.
"Eu quero que a guerra acabe. Eu quero salvar vidas", declarou Trump, voltando a prometer resolver a guerra antes de tomar posse, negociando com o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e com o líder russo, Vladimir Putin.
Questionado novamente se seria do melhor interesse dos Estados Unidos que a Ucrânia vencesse a guerra, Trump disse que era do interesse do país "terminar esta guerra".
"O que farei é falar com um e falar com o outro. Vou reuni-los", disse Trump, acrescentando que o conflito "nunca teria acontecido" se ele fosse Presidente.
Quando indagado sobre como tencionaria negociar para acabar com a guerra em Gaza e libertar os reféns israelitas, o candidato republicano voltou igualmente a afirmar que o ataque do Hamas a Israel em 07 de outubro nunca teria acontecido sob o seu comando.
Trump acusou ainda Kamala Harris de "odiar Israel" e afirmou acreditar que se "ela for Presidente, Israel não existirá dentro de dois anos".
Por sua vez, Kamala Harris negou as acusações do magnata, descrevendo-se como uma defensora vitalícia do Estado judaico.
Assalto ao Capitólio deveu-se a Trump não aceitar que "foi demitido"
A candidata presidencial democrata norte-americana Kamala Harris denunciou a violência do ataque ao Capitólio em 2021, acusando Donald Trump de ter incitado a multidão à invasão, e apelou a que o país não regresse ao passado.
"Donald Trump foi demitido por 81 milhões de pessoas e está com dificuldade em processar isso", afirmou Kamala Harris, depois de o republicano se ter escusado a admitir que perdeu as eleições em 2020.
"Eu estava lá e nesse dia [a 06 de janeiro de 2021 no Capitólio] o presidente incitou uma multidão violenta a atacar e profanar o Capitólio da nossa nação", afirmou Harris, lembrando que centenas de agentes foram atacados e alguns morreram.
A democrata ligou o assalto em Washington D.C. a outros momentos, dos motins de Charlottesville às milícias de extrema-direita Proud Boys, afirmando que não se tratou de uma situação isolada.
Harris, virada para Trump, disse-lhe que os líderes mundiais se riem dele e consideravam que ele era uma desgraça. "Você perdeu, de facto, aquela eleição", afirmou.
"Não temos de voltar para trás", disse a democrata. "Está na altura de seguir em frente".
Uma visão de futuro foi algo que repetiu várias vezes, abarcando alguns dos temas domésticos mais importantes para o eleitorado, como a economia e o aborto.
A crise migratória nas fronteiras
Outro momento importante do debate debruçou-se sobre a crise migratória nas fronteiras. Kamala Harris acusou Trump de ter forçado os congressistas republicanos a abandonarem uma proposta bipartidária que iria reforçar a segurança e facilitar a perseguição de gangues internacionais.
"Donald Trump pegou no telefone e disse-lhes para matarem a proposta, porque prefere fazer uma campanha com base no problema em vez de o resolver", apontou.
Harris aproveitou este segmento para enquadrar Trump como alguém errático e com ideias estranhas. Convidou o público a assistir a um comício do candidato e a vê-lo elogiar Hannibal Lecter, um presidiário homicida do filme "Silêncio dos Inocentes", com as pessoas a abandonarem ao fim de algum tempo por estarem completamente aborrecidas.
"Não vão é ouvi-lo falar de vocês", afirmou, rindo-se em reação às tiradas do oponente e lembrando que recebeu o apoio de "mais de 200 republicanos".
Harris também falou da condenação criminal de Trump e os outros problemas legais que enfrenta, num cenário em que o Supremo Tribunal essencialmente lhe deu imunidade para fazer o que quiser num hipotético segundo mandato.
Trump repete alegações de que imigrantes "comem" animais de estimação
O candidato presidencial republicano, Donald Trump, repetiu no debate as alegações feitas em círculos republicanos de que imigrantes ilegais estão a "comer animais de estimação" de cidadãos norte-americanos.
"Em Springfield, eles estão a comer cães. As pessoas que chegam estão a comer os gatos. Eles estão a comer os animais de estimação das pessoas que vivem lá", acusou o ex-chefe de Estado, antes de ser recordado pelo moderador do debate de que essas alegações foram oficialmente desmentidas.
Uma porta-voz da cidade de Springfield, no Ohio, disse esta semana que, apesar das publicações que se tornaram virais nas redes sociais e que foram promovidas por Trump e pelos seus apoiantes, "não há relatos confiáveis ou alegações específicas de animais de estimação a ser prejudicados, feridos ou abusados por indivíduos dentro da comunidade imigrante".
Uma autoridade do Condado de Clark, no Ohio, citada pela imprensa norte-americana, garantiu que "não há absolutamente nenhuma prova de que isso esteja a acontecer".
Ao ouvir as alegações de Trump, a candidata democrata, a vice-presidente Kamala Harris, riu e classificou Trump de "extremo".
O magnata republicano voltou a alegar que a administração de Joe Biden e Kamala Harris permitiu que "milhões de criminosos" entrassem no país e que isso levou a que as taxas de criminalidade "em todo o mundo" caíssem.
"Eles destruíram o tecido do nosso país", acusou.
O político republicano afirmou ainda que os Estados Unidos se tornarão uma "Venezuela em esteróides" se a sua rival democrata, a vice-presidente Kamala Harris, se tornar Presidente.
Trump aproveitou ainda para, mais uma vez, afirmar sem provas que muitos dos migrantes que cruzam a fronteira sul vêm de países que estão a esvaziar os seus asilos e instituições mentais.
Trump acusa democratas de permitir abortos "tardios"
Além da imigração - muito usada pelos republicanos para atacar o Governo de Joe Biden - outro dos temas que marcou este debate foi o aborto, com o magnata republicano a repetir falsamente que os democratas querem permitir abortos "tardios" no nono mês de gravidez - uma situação que apenas seria efetuada em caso de emergência médica extrema.
A questão dos direitos reprodutivos foi discutida de forma acesa, com Harris a falar de casos dramáticos de mulheres a quem foram negados cuidados médicos nas urgências devido à revogação do direito federal ao aborto.
"Donald Trump vai assinar uma proibição nacional do aborto", disse Harris. "Eu apoio a restauração das proteções de Roe v. Wade", garantiu, referindo-se à lei que foi revogada pela maioria conservadora do Supremo Tribunal com três juízes nomeados por Trump.
O candidato republicano afirmou ainda falsamente que os democratas apoiam o aborto "após o nascimento" e a "execução" de bebés, uma linha de ataque que Trump tem usado repetidamente para retratar os democratas como radicais em questões de direitos reprodutivos.
Face às declarações do ex-presidente, a moderadora da ABC News Linsey Davis fez uma verificação de factos em tempo real, frisando que não há estados onde seja legal matar um bebé após o nascimento.
De acordo com o Pew Research Center, a esmagadora maioria dos abortos nos Estados Unidos - 93% - acontece durante o primeiro trimestre da gravidez.
"Em nenhum lugar da América há uma mulher a levar uma gravidez até ao fim e a pedir um aborto. Isso não acontece e é um insulto às mulheres da América", disse a vice-presidente Kamala Harris no palco do debate da terça-feira.
Trump tem defendido repetidamente que a política de aborto deve ser decidida por cada estado, mas ativistas antiaborto - que são parte fundamental da base republicana - têm pedido aos congressistas republicanos que trabalhem no sentido de uma restrição nacional ao aborto.
Em 2022, o Supremo Tribunal norte-americano - composto por uma maioria conservadora solidificada durante o Governo de Trump - revogou o direito constitucional à interrupção da gravidez no país.
O debate histórico de terça-feira foi o primeiro entre Donald Trump e Kamala Harris e começou com um raro aperto de mãos, iniciado pela vice-presidente, que se apresentou pelo nome, num lembrete de que esta é a primeira vez que os dois políticos se encontram pessoalmente. É também o primeiro aperto de mãos num debate presidencial desde 2016.
Sediado pela rede ABC News, o debate decorreu no National Constitution Center, em Filadélfia, e foi regido pelas mesmas regras que foram ditadas para o histórico debate de junho entre Trump e o atual Presidente e ex-candidato democrata, Joe Biden, que acabou por desistir da corrida após um fraco desempenho nesse confronto.
Os jornalistas da ABC News David Muir e Linsey Davis moderaram o debate - o único agendado até ao momento entre Donald Trump e Kamala Harris, pelo que poderá ser a primeira e única vez que os eleitores verão os dois políticos num frente-a-frente antes da eleição geral.
