BE revê estatutos e quer proteger "bom nome do partido". Pedro Soares fala em "lei da rolha"
Em declarações à TSF, o bloquista Pedro Soares, um dos opositores à atual direção do partido, afirma que esta alteração estatutária "é uma situação inédita no país". A direção do Bloco de Esquerda defende-se, garantindo que não está prevista qualquer sanção aos militantes que critiquem o partido
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O Bloco de Esquerda vai fazer uma revisão dos estatutos por imposição do Tribunal Constitucional (TC). Uma das mudanças, adianta o jornal Público, indica que os militantes não poderão causar "sério prejuízo ao bom nome do partido". Esta alteração é criticada pelo bloquista Pedro Soares, que se demitiu da direção do partido depois da polémica com o despedimento de funcionárias que tinham sido mães há pouco tempo. À TSF, o militante fala em "lei da rolha".
"Dizer que os militantes estão obrigados a defender ou a não proferir declarações que ponham em causa o bom nome do partido significa que qualquer crítica à direção do partido pode ser interpretada como pôr em causa o bom nome do partido", explica à TSF Pedro Soares, considerando que esta alteração "configura uma espécie de lei da rolha em que os militantes não podem criticar, não podem ter uma opinião própria, muito menos se for uma crítica pública".
"É um conceito que não tem critérios objetivos, a aplicação fica a sujeita à completa discricionariedade do secretariado da atual direção do partido, que é uma direção monolítica e que não tem a presença de críticos ou de pessoas que têm opiniões diferentes", sublinha.
Pedro Soares, um dos opositores à atual direção do BE, afirma que esta alteração estatutária é um caso único: "É uma situação inédita no país", garante, referindo que em nenhum estatuto de qualquer outro partido político, "mesmo os considerados mais ortodoxos e mais rígidos relativamente à democracia interna", existe "a questão do bom nome do partido".
"Esse conceito vago e inovador está a ser proposto no Bloco para a próxima Convenção. Eu digo sinceramente que, além de configurar uma espécie de lei da rolha, receio bastante que, sendo aprovada essa nova norma estatutária, isso dê origem a uma onda de expulsões dentro do partido. Não é bom para o partido, isso vai pôr em causa o bom nome do partido. Quem está a pôr em causa o bom nome do partido é a própria direção", atira.
O militante do BE diz ainda que a atual direção bloquista tem "invertido" as ideias fundadoras do partido. "O Bloco não é isto. Eu estive na fundação do Bloco, inclusive na elaboração dos estatutos originais do Bloco. A nossa grande preocupação era que houvesse uma amplitude democrática dentro do Bloco que não haveria noutros partidos e, portanto, os estatutos originais vão nesse sentido", recorda, assinalando que, nos últimos anos, tem havido "a inversão dessa ideia".
"A inversão da ideia de que uma organização política com as características do Bloco deve ser plural, deve ser multifacetada, deve ser profundamente democrática, admitindo diferenças de opinião. Claro que há uma direção, claro que há uma maioria que toma as decisões em última instância, mas que não deve subestimar, não deve marginalizar, não deve criar corredores sanitários à volta de quem tem posições diferentes", acrescenta.
BE defende-se: "Estatutos proíbem aplicação de qualquer sanção a quem manifeste diferenças de opinião"
Já a direção do Bloco de Esquerda defende-se. Os bloquistas admitem que querem adicionar a expressão “bom nome do partido” aos estatutos, mas lembra que outros partidos já fazem uso da expressão. É o caso do PS e do PAN. Em declarações à TSF, o dirigente Jorge Costa lembra que esta é uma alteração a pedido do Tribunal Constitucional e não está prevista qualquer sanção aos militantes que critiquem o Bloco de Esquerda.
"As críticas ao partido estão explicitamente protegidas nos estatutos de qualquer sanção. Os estatutos proíbem a aplicação de qualquer sanção, qualquer perseguição interna a quem manifeste diferenças de opinião. Aqui estamos a falar da atuação cívica individual e exterior ao partido, da forma como cada pessoa se porta ao longo da sua vida e, quando essa conduta não é compatível com a pertença ao Bloco de Esquerda, por motivos que podem ser os mais diversos, o Bloco tem de ter um recurso para dizer: 'Esta pessoa não pode pertencer a este coletivo'", explica à TSF Jorge Costa.
"Acho que qualquer organização tem isso. Aliás, nós já tínhamos no nosso estatuto anterior uma fórmula de nos protegermos nesses casos, simplesmente essa fórmula foi considerada inadequada no Tribunal Constitucional e adotamos uma nova que, aliás, é semelhante à que outros partidos já têm", garante.
Jorge Costa fala, por isso, em mentiras propagadas pela oposição interna a Mariana Mortágua, numa altura em que o partido tem estado debaixo de fogo pelo despedimento de funcionárias que tinham acabado de ser mães. O dirigente assegura que não está em causa a liberdade de expressão.
"Isto tem a ver com formas de debate político que me parecem muito inadequadas, que é utilizar falsidades. Dizer que está em causa a liberdade de expressão ou dizer que uma formulação deste tipo é única e nenhum partido nunca a usou são duas mentiras e eu creio que a mentira não é um bom recurso para o debate político", considera.
Notícia atualizada às 12h52
