"Impermeabilização dos solos traz vários problemas, como concentração do escoamento e risco de cheias"
O professor jubilado do Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa, afirma que a impermeabilização do terreno pode levar a mais deslizamentos de terras
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A Assembleia da República vai votar a lei de alteração do uso dos solos no dia 24 de janeiro e a nova legislação apresentada pelo Governo prevê que se possa alterar o uso de solo rústico para solo urbano, por decisão das autarquias, ainda que dependa de algumas alterações.
Esta medida já foi validada pelo Presidente da República, mas continua envolvida em polémica. Centenas de especialistas já avisaram que esta alteração não vai resolver a crise da habitação, argumento que o Executivo liderado por Luís Montenegro utilizou para apresentar o diploma, e pode vir a criar outros, como permitir a construção em terrenos até agora interditos, por exemplo, Reservas Agrícolas Nacionais e Reservas Ecológicas Nacionais.
À TSF, Manuel Madeira, professor jubilado do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa e especialista em gestão do solo, sublinha que se se "aumenta a dispersão da urbanização, aumenta-se a ordem de grandeza das áreas afetadas pela impermeabilização", o que "traz vários problemas, como a concentração do escoamento e o risco de cheias".
Manuel Madeira alerta também para o risco de deslizamento de terras: "Determinadas zonas de Lisboa, e das imediações, são afetadas quando há concentração de pluviosidade. Temos de ter em conta que essa pluviosidade, ou os extremos de pluviosidade, estão a ser cada vez mais frequentes."
Além da questão da impermeabilização e dos riscos de cheias e deslizamentos de terras, Manuel Madeira critica o impacto que esta alteração pode vir a ter na paisagem.
"Nós esvaziamos completamente as paisagens destas áreas, nomeadamente em Lisboa, daquilo que é a arqueologia ecológica, isto é, rapamos toda a história da utilização da terra. Os bairros de Lisboa, que eram áreas propícias, ou adequadas, para a produção de cereais, as áreas onde ocorriam as hortas, estão a desaparecer. Toda a informação histórica em relação à paisagem também desaparece. E essa questão, parece-me, não tem sido devidamente acautelada", lamenta o professor jubilado do Instituto Superior de Agronomia.
Os riscos inerentes a uma maior impermeabilização dos solos são notórios. Cada vez mais temos assistido a cheias e inundações, que provocam prejuízos avultados a nível de pessoas e bens. Para Manuel Madeira, "é preciso ter em consideração a forma de, sucessivamente, ir reduzindo os riscos, e mudar, ou reordenar, as zonas urbanas, de modo a diminuir esse risco, ou criando as respetivas infraestruturas para diminuir esse risco".
"Temos o exemplo do túnel de desvio de água de Vale de Alcântara, que irá desaguar na zona próxima do Campo das Cebolas. Aquela infraestrutura tem o objetivo reduzir a concentração do escoamento", complementa.
O Partido Socialista já fez saber que vai apresentar algumas propostas de alteração à lei proposta pelo Governo, e o PSD já mostrou abertura para acolher algumas dessas mudanças.
