Alex Vines é um conhecedor profundo da realidade africana em geral e angolana em particular. É diretor do programa para África do Royal Institute of International Affairs, a prestigiada Chatham House, em Londres. Aqui, a entrevista após a conferência "Angola... que mudança?", a convite da UCCLA, União das Cidades Capitais Luso-Afro-Américo-Asiáticas.
Disse ali na conferência que João Lourenço precisa de agir depressa, porque há uma janela temporal para as reformas serem implementadas ou, pelo menos, lançadas...
Há uma janela de oportunidade para João Lourenço antes das próximas eleições em 2022, para fazer as reformas. O presidente acaba de consolidar o poder, tendo o poder no partido para além de ser chefe de estado, logo é preciso que as reformas aconteçam. Conforme nos aproximamos do ciclo eleitoral 2020-2022, a discussão vai ser sobre eleições e maioria do MPLA, portanto estes dois são os anos para o presidente conseguir avançar com reformas significativas.
Mas podem as reformas acontecer quando, em determinados pontos, parece que o período de transição de poder ainda não está completo?
O primeiro mandato de João Lourenço é todo sobre políticas de transição. Passámos a primeira fase que foi a da consolidação do poder total em Angola, agora trata-se de fazer avançar as reformas para domínios mais difíceis, como reformas estruturais na Sonangol, por exemplo. Como a reforma no setor da segurança, no setor da banca, que não ficarão completas durante o tempo de vida deste governo em particular, algumas destas reformas não estarão completas antes de 2022, mas esta é a oportunidade para as começar. Algumas destas reformas estão preparadas no papel há ano e meio, agora é preciso realizá-las.
E Angola tem um desafio demográfico que se acentua...
Sim, de facto. Apresentei aqui um slide que mostra a estimativa de crescimento da população em Angola até 2100, em comparação com Portugal. É preocupante. Angola tem um dos mais rápidos crescimentos demográficos em África e muito desse crescimento está nas áreas urbanas. Se pensar nas eleições do ano passado, o MPLA só conseguiu ter sucesso ao assegurar a vitória em Luanda, a política de Lourenço é totalmente sobre a Angola urbana, ligada ao voto urbano. As regiões rurais têm uma dinâmica diferente, por causa das autoridades tradicionais, os sobas e outros, que têm uma influência significativa. As velhas lealdades nas zonas urbanas não podem ser garantidas, pelo que a concretização das reformas, melhores empregos, melhor educação, isso é que vai fazer ganhar votos para o MPLA e Loureço entende isso.
Há também a importância do programa de financiamento que está a ser negociado junto do Fundo Monetário Internacional...
Originalmente o governo de Lourenço começou por falar num programa extensivo de assistência técnica, que não tinha financiamento acoplado, mas isso parece ter mudado. A conversa agora é sobre um empréstimo do FMI a Angola, que pode ser de quatro mil milhões de euros, que é superior ao empréstimo que conseguiu da China no mês passado. Mas isso vai requerer muito maior transparência e responsabilização e penso que o governo angolano está a considerar isso. Portanto, creio que vamos ver números de perspetiva económica mais pessimistas, vai ter de divulgar as perspetivas para a economia angolana no curto prazo, mas isso não é preocupante; é aceitar que a economia angolana apresenta problemas significativos em 2018 e que necessita de uma parceria internacional com o FMI e outros para tentar reverter essa situação. O envolvimento do FMI foi uma das razões porque os investidores estavam confiantes no Eurobond no início do ano com uma subscrição três vezes acima da oferta, e estas coisas andam sempre ligadas.
Reduzir as taxas de juro nos mercados internacionais de financiamento é importante para a estabilização da economia...
Absolutamente. Reduzir as taxas de juro é importante, o Governador do Banco Nacional de Angola teve um papel importante quando foi nomeado introduzindo um regime de flutuação cambial, o que trouxe alguma liquidez à situação fiscal angolana, o que também contribuiu para reduzir a inflação. Tudo isto está interligado mas estou esperançado, que o acordo do FMI tanto com Angola como com Moçambique conheça progressos, são países que têm potencial de progresso em termos de projeção económica a longo prazo.
Deixe-me voltar à visita do presidente João Lourenço. Aquilo que sobre ele mudou em termos de perceção, em termos de imagem. Utilizou aqui o termo fantoche e passado meio ano já era visto como um exterminador implacável...
Eu sei. Consegue imaginar? Se há um ano eu tivesse estado aqui em Lisboa estaríamos a falar de um fantoche nas mãos de Eduardo dos Santos, toda a gente o dizia. E seis meses depois já era o exterminador. A realidade deve andar um pouco no meio disso, embora eu acredite que ele nunca foi um fantoche. Alguns na família de Eduardo dos Santos esperaram que ele fosse menos independente do que na verdade tem sido, mas mesmo eles não antecipavam a mudança que estava para vir.
Como menos independente quando tem um vice-presidente que não foi escolhido por ele?
Bonito de Sousa, o vice-presidente, é muito tecnocrata. Faz bem em colocar-me a questão, porque muitos entendem que Dos Santos queria que Bonito fosse o seu sucessor, e que João Lourenço foi um candidato de compromisso. Mas na verdade penso que Lourenço e Bonito de Sousa fazem uma excelente equipa, uma vez que têm diferentes competências e experiências. Para ser honesto, Bonito de Sousa representa uma geração mais tecnocrática e mais jovem dentro do MPLA e é interessante que a sua prioridade seja ganhar as eleições autárquicas de 2020 e construir competências profissionais para a população angolana, conseguindo competências credíveis para uma economia angolana de maior sucesso. E é exatamente o tipo de coisas em que um vice-presidente deve estar focado.