A Assembleia da República deu, esta semana, parecer positivo à proposta do Parlamento Europeu sobre prevenção da difusão de conteúdos terroristas na internet. Mas nem todos estão de acordo.
O que fazer quando surgem conteúdos de caráter terrorista na internet? Nos últimos tempos, muitos já se devem ter questionado sobre esta matéria. A União Europeia não foge à regra e já abriu o debate. Aliás, a segurança na rede e o combate à proliferação de conteúdos terroristas na internet foi um dos temas abordados pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em setembro, no Discurso sobre o Estado da União.
"Os europeus esperam, muito justificadamente, que a União os proteja. É por esta razão que a Comissão propõe hoje novas regras para que os conteúdos terroristas publicados na Internet sejam retirados no prazo de uma hora - o período crítico em que se causam os maiores danos." (Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, setembro 2018)
As propostas agora em cima da mesa seguem-se a uma recomendação da Comissão Europeia - datada de março deste ano - sobre medidas destinadas a combater eficazmente os conteúdos 'online' que são considerados ilegais, e deram origem a um projeto de regulamento europeu que, por cá, esta semana, contou com um parecer positivo por parte da Assembleia da República.
"Por natureza, a Internet não tem fronteiras, portanto, encontrar formas adequadas para combater a disseminação desses conteúdos terroristas - que, na prática, são atos terroristas - carece de normas internacionais, ou seja, sem fronteiras. Se assim não for, há o risco de pulverização das legislações nacionais em cada estado-membro, o que facilita a vida a quem quiser disseminar os conteúdos", diz à TSF Luís Marques Guedes, deputado do PSD e autor do relatório que dá parecer positivo à proposta de regulamento apresentada pelo Parlamento Europeu.
Para o deputado, o regulamento em cima da mesa pode ajudar a travar a disseminação de conteúdos terroristas, até porque, defende, sem um movimento à escala europeia, as várias legislações nacionais irão dificultar um combate conjunto aos prevaricadores, transformando a "confusão" de leis num terreno perfeito para quem quiser divulgar conteúdos ilegais.
As palavras de ordem, são, portanto, legislar, fiscalizar e atuar. O mais depressa possível. Entre as medidas propostas está decretar a eliminação de conteúdos no prazo máximo de uma hora após sua publicação.
"Desde logo criar regras para os operadores das plataformas 'online' terem medidas proativas na identificação de conteúdos e agirem proativamente; depois, haver capacidade das entidades públicas para notificar os operadores para começarem a vigiar; e, quando não há dúvidas de que se trata de conteúdos terroristas, as entidades determinarem aos operadores a remoção, no prazo máximo de uma hora, desses conteúdos", explica o deputado social-democrata.
"Serão igualmente introduzidas importantes salvaguardas para proteger a liberdade de expressão na Internet e garantir que apenas são removidos os conteúdos terroristas". (Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, setembro 2018)
Nos últimos dias, a Assembleia da República, através da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (CACDLG), deu parecer positivo ao projeto de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, mas há quem aponte algumas falhas e omissões à proposta, como é o caso de António Filipe, deputado do PCP e autor do primeiro relatório do parlamento sobre a proposta europeia - um relatório então chumbado na CACDLG.
"Prevê-se a possibilidade de os conteúdos serem retirados no prazo de uma hora, mas o que se prevê é que seja regulado por um regulamento sem que esteja definido quem terá essa responsabilidade e qual o regime sancionatório em caso de incumprimento. Portanto, a União Europeia quer aprovar um regulamento diretamente aplicável, mas inexequível", refere à TSF o deputado, que insiste: "É inexequível porque fica dependente de definições por parte dos estados-membros".
Outro dos problemas, considera o deputado António Filipe, é que, apesar das boas intenções, a proposta pode por em causa algumas liberdades. "Sendo uma matéria que comprime de tal maneira um direito fundamental, que é a liberdade de expressão, a decisão de remover [uma publicação terrorista] terá de ser tomada por uma autoridade judicial", defende António Filipe, que considera que, com o atual regulamento, não está colocada de parte a possibilidade de esta ser uma "decisão administrativa" e que "não iria ocorrer em tempo útil"
Dúvidas e reservas manifestadas pelo deputado comunista, mas que, defende o social-democrata Marques Guedes, não são razão suficiente para um chumbo ao projeto de regulamento europeu. Até porque, considera o deputado, o tempo é ainda de debate.
"A determinação sobre as autoridades competentes em cada país é uma matéria que só cada país deve decidir", refere Marques Guedes, que assinala que "não irá obrigar, necessariamente, à criação de uma nova entidade" que seja capaz de fiscalizar e atuar sobre os conteúdos ilegais.
Outro dos sublinhados feitos pelo responsável pelo relatório sobre o regulamento europeu é o facto de o combate à propagação de conteúdos terroristas na Internet parecer estar a ser encarado como assunto prioritário na União Europeia. "Tudo o que tem que ver com combate ao terrorismo tem sido uma matéria em que tem sido fácil encontrar compromissos e consensos. Eu diria, até, unanimidade", salienta.
"O terrorismo envolve a utilização ilegal e indiscriminada de violência e a intimidação dos cidadãos. Os terroristas estão cada vez mais dependentes da Internet para divulgar propaganda terrorista, utilizando frequentemente métodos sofisticados para garantir a sua rápida e ampla difusão." (Andrus Ansip, Comissário Europeu com a pasta do Mercado Único Digital, março 2018)
Quanto ao parecer positivo dado pela Assembleia da República - que contou com os votos contra por parte dos grupos parlamentares do BE e do PCP -, segue para as entidades europeias, que recebem, por estes dias, os contributos dos vários parlamentos nacionais, na tentativa de encontrar um mecanismo que torne mais eficaz a caça aos conteúdos terroristas na Internet.