Política

Rio vs. Jerónimo: divergem em tudo menos no "entusiasmo" em ser deputado

Dos salários aos abonos de família, Rui Rio e Jerónimo de Sousa discordaram em quase tudo no frente-a-frente na RTP. Concordam apenas no facto de haver melhores funções do que as de deputado.

"Há alegrias maiores na vida." Palavras de Jerónimo de Sousa sobre a função de deputado, acompanhando a "falta de entusiasmo" de Rui Rio para com a função à qual se candidata nestas eleições. Mas se o secretário-geral comunista lá compõe a resposta para não soar tão mal junto do eleitorado, Rui Rio explica que a sua ambição é mesmo ser chefe de Governo.

Aquilo que entusiasma o presidente do PSD "é liderar um partido, ganhar eleições", para depois dar força às reformas. As declarações não são novas, Rio já o tinha afirmado em entrevista à Lusa, agora explica que o assunto esteve mesmo em cima da mesa da Comissão Política Nacional na última reunião antes da aprovação das listas.

"Há tanta gente a querer ser deputado, esfarrapam-se todos, dizem o piorio quando não são deputados... Por mim, o meu lugar está disponível, eu quero ser primeiro-ministro", conta Rio que adianta que o partido não o deixou. Questionado se perder eleições não vai estar muito tempo no parlamento, o presidente do PSD adianta que "isso vai depender" do futuro do próprio partido e do dele.

Já o secretário-geral comunista está pronto para o cargo apesar de considerar que o cargo também não é dos mais estimulantes. Compondo a resposta, Jerónimo de Sousa explica que a função de deputado é "uma tarefa de grande exigência que exige empenho e convicção" e que a desempenha com uma característica que já vem desde a Assembleia Constituinte: procurar levar aquilo que são sentimentos e aspirações do povo, procurando transmitir aquilo que consideram justo e correto, "fazendo da Assembleia da República um lugar de excelência para o debate político e encontrar soluções legislativas".

Divergências ideológicas

De resto, o debate na RTP só serviu para acentuar as divergências no modo de ação de PSD e PCP (ou CDU, como concorrem às eleições legislativas), ainda que de forma cordial e sem quaisquer ataques. À cabeça, os salários.

Ambos são defensores de melhores salários, mas quantias e aumentos são divergentes. Se pelo PSD, o aumento é de 700 euros até 2023, a CDU luta por 850 euros. Rui Rio reconhece que os dois partidos têm o mesmo objetivo, mas o presidente social-democrata sublinha que não é possível "aumentar os salários que não são comportáveis para as empresas". Por isso mesmo, defende Rio que é necessário convergir para a média europeia e, no limite, olha para o exemplo alemão.

O presidente do PSD explica que a valorização geral dos salários pode ser ainda obtida através de uma penalização atribuída às empresas pela via fiscal ou para-fiscal. "Entendo que não é moral, não é correto, haver empresas em que a administração ganha muitíssimo mais do que os salários mais baixos", explica Rio que defende que esse fosso deva ser combatido através de medidas "criativas" por parte do Estado de modo a que "quando uma empresa cresce usufruam todos e não apenas quem tem a capacidade de decisão".

Discordando "do tempo e do modo", Jerónimo de Sousa defende a subida para 850 euros do salário mínimo para que seja repartida a riqueza de forma mais igualitária. Até para resolver o défice demográfico e para atingir o objetivo estipulado pelo primeiro-ministro de erradicação da pobreza, é necessário este aumento. "Aqui está uma medida", sublinha Jerónimo em resposta a essa vontade de António Costa.

Também nos abonos de família, posições divergentes. O líder comunista destaca que este deve ser universal: "independentemente das condições familiares, o abono de família deve ser para todas as crianças sem qualquer discriminação". Já Rui Rio defende que deve ser dado às famílias mais carenciadas, com majoração consoante a quantidade de filhos e o local de residência (interior versus litoral).

Ainda nas políticas de natalidade, Jerónimo de Sousa aproveita para defender que, juntamente com o abono, as famílias sairiam beneficiadas com uma rede pública gratuita de creches até aos 3 anos de idade. "Era um elemento de tranquilidade e de confiança dos pais, garantindo que não andavam aos caídos e aos favores e à ajuda dos avós", completa o secretário-geral do PCP.

Já no programa do PSD, Rio nota que também as creches também estão presentes. Sublinha, no entanto, que a maior diferença em relação ao PCP é que os sociais-democratas juntam o setor social na criação da rede nacional de creches.

Na saúde, as parcerias público-privadas voltam à discussão com a carga ideológica dos partidos a sobressair nas propostas. Se no lado do PSD, Rui Rio defende que os setores privado e social devem ser complementares ao público, Jerónimo de Sousa acusa o PSD de encarar a saúde "como um negócio". "Não, não, não", interrompeu Rio.

"Se os privados estão capazes de gerir um hospital com o mesmo orçamento e fazer mais e melhor, porque é que hei de dizer que não?", questiona o presidente do PSD que defende maior responsabilização, autonomia e fiscalização nas gestões hospitalares.

Considerando uma vitória ter conseguido que não existisse na Lei de Bases da Saúde a referência à continuidade das PPP, Jerónimo de Sousa admite que possa haver a contratualização de serviços de forma supletiva "enquanto o Estado não tiver condições" para garantir o serviço à população. "Há muitos portugueses que continuam numa situação dramática mas que anseiam por aquilo que a nossa Constituição proclama que é o direito à saúde como um direito geral, universal e gratuito", nota.

Geringonça 2.0?

"Há coisas que não são repetíveis". Jerónimo de Sousa, questionado no final do debate, voltou a insistir na ideia de que um acordo como o que foi alcançado em 2015 não é repetível.

"Na altura, demos um contributo para resolver um impasse institucional que estava criado. Por isso, continuamos a considerar que há coisas que não são repetíveis e deixemos que os portugueses decidam qual a arrumação de forças", conclui Jerónimo de Sousa deixando a porta fechada aos socialistas no dia 6 de outubro.